Agravo de instrumento adesivo: por uma leitura sistemática do artigo 997, § 2º, inciso II, do CPC – Por Luís Renato P. A. F. Avezum

14/02/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

I – Introdução:

O Código de Processo Civil de 1973 trouxe uma novidade, consistente na possibilidade de a parte, que não interpôs recurso no prazo legal, interpor determinado recurso quando da apresentação das contrarrazões ao recurso interposto pela outra parte.

Trata-se do chamado “recurso adesivo”.

No sistema processual civil anterior, ou seja, de 1939, “a cada parte incumbia o ônus de interpor, no prazo comum, o seu recurso”[1], como ensina Barbosa Moreira, de modo que inexistia a possibilidade de se aderir ao recurso interposto pela parte contrária.

O Código de Processo Civil atual, por outro lado, mantém a existência do “recurso adesivo”, norma esta prevista no artigo 997.

Assim como o Código de Processo Civil de 1973, o atual aceita a interposição de recurso adesivo apenas nas hipóteses apelação, recurso extraordinário e recurso especial.

A questão que se coloca para discussão refere-se à não taxatividade do artigo 997, § 2º, inciso II, do CPC/2015.

Entendemos que o recurso adesivo pode ser cabível em outras hipóteses além daquelas três acima mencionadas.

Senão vejamos.

II – Recurso Adesivo:

Como o próprio nome do instituto sugere, trata-se da possibilidade de se aderir a recurso interposto.

Ocorre que somente é possível a adesão a determinado recurso se cumpridos certos requisitos.

Segundo o artigo 997, § 1º, do Código de Processo Civil:

“Art. 997.  Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais.

§ 1º Sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro.

§ 2º O recurso adesivo fica subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte:

I - será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder;

II - será admissível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial;

III - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.”[2]

Da sua leitura, podemos extrair os requisitos que devem ser cumpridos para que seja cabível a interposição de recurso adesivo.

Primeiro, é necessário que tenha sido interposto recurso pela parte contrária; segundo, é necessário que as partes tenham sucumbido em algum pedido; terceiro, é necessário que a decisão seja passível de interposição de recurso de apelação, especial ou extraordinário; quarto, é necessário que o recurso principal seja admissível ou a parte não apresente desistência do mesmo; quinto, deve ser observado o prazo de resposta.

Cumpridos tais requisitos, o recurso adesivo passa a ser cabível.

Como se percebe do artigo 997, § 2º, inciso II, do CPC/2015, acima transcrito, um dos requisitos para a interposição de recurso adesivo é que a decisão seja recorrível mediante recursos de apelação, especial ou extraordinário.

Entretanto, o Novo Código de Processo Civil alterou substancialmente o conceito de decisão interlocutória, que passou a ser considerada toda decisão que não seja sentença.

Isto é, não pondo fim à fase cognitiva do procedimento comum, com base nos artigos 485 ou 487, do CPC, ou, ainda, não pondo fim à fase executiva, a decisão será considerada interlocutória.

Com efeito, o artigo 203, do Código de Processo Civil, é claro:

“Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

§ 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.

(...)”[3]

José Miguel Garcia Medina entende, corretamente a nosso ver, que “o conceito legal de sentença é restritivo”, ao passo que “o conceito legal de interlocutória é extensivo[4].

Além disso, o Novo Código de Processo Civil passa a disciplinar a possibilidade de julgamento antecipado parcial de mérito, instituto este previsto no artigo 356.

Passamos a conviver com a possibilidade de o Magistrado proferir decisão antecipada de mérito quanto a determinado pedido, sem que, contudo, seja posto fim ao processo.

Com isso, sentença não teremos, pois, como afirmado acima, sentença só existirá se, ao decidir, o Magistrado colocar fim à fase cognitiva ou à fase executiva.

Em se colando fim à fase cognitiva ou à fase executiva, teremos sentença, que é impugnada, genuinamente, pelo recurso de apelação, conforme prevê o artigo 1.009, do Novo CPC[5].

Nesta hipótese, é plenamente cabível a interposição de recurso adesivo, desde que cumpridos os demais requisitos acima mencionados.

Porém, não sendo caso de decisão que ponha fim à fase cognitiva ou à fase executiva, ou seja, sendo caso de decisão interlocutória, recorrível mediante agravo de instrumento, não seria plausível permitir a interposição de recurso adesivo?

Pensamos que sim.

III – Não taxatividade do rol de recursos que aceitam aderência:

O Código de Processo Civil atual, assim como o de 1939, limita as hipóteses de cabimento do recurso de Agravo de Instrumento.

Com efeito, o artigo 1.015, do novel diploma, prevê 11 hipóteses taxativas de cabimento de Agravo de Instrumento.

Neste sentido:

“Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.”[6]

Além disso, o parágrafo único[7] de tal artigo também prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Finalmente, o inciso XIII, do artigo acima transcrito, traduz-se em norma aberta, em que pode haver outras hipóteses de cabimento de agravo de instrumento.

O que importa para o presente estudo é a constatação de que, ao analisarmos sistematicamente o Novo Código de Processo Civil, embora não esteja previsto o cabimento de recurso adesivo para o agravo de instrumento, é plenamente compatível sua interposição.

Com efeito, podemos nos deparar com situações em que estarão cumpridos os requisitos para a interposição do recurso adesivo, faltando apenas a previsão legal de que é cabível no agravo de instrumento.

A leitura que deve ser feita no artigo 997, § 2º, inciso II, do Novo CPC, deve ser sistemática, e não apenas literal e taxativa.

Com efeito, em muitos casos o agravo de instrumento faz as vezes do recurso de apelação.

Poderíamos trazer inúmeras situações em que seria cabível o recurso adesivo em agravo de instrumento. Ficaremos com duas para explicitar e corroborar o seu cabimento.

Com efeito, o artigo 356, do Código de Processo Civil, prevê um novo instituto processual, consistente no julgamento antecipado parcial do mérito.

Referido artigo prevê o seguinte:

“Art. 356.  O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I - mostrar-se incontroverso;

II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

§ 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.

§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.

§ 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.

§ 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.

§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.”[8]

Imaginemos, portanto, uma situação hipotética.

“A” ajuíza ação em face de “B”, pleiteando o direito ao recebimento de determinada vantagem pecuniária, com o cumprimento da obrigação de fazer e pagamento do período pretérito, respeitada a prescrição.

“B”, ao apresentar contestação, se opõe ao pagamento do valor devido a título de atrasados, mas não apresenta resistência ao pagamento da vantagem a “A” para o futuro.

Diante dessa situação, o Magistrado, com fundamento no artigo 356, do Novo CPC, profere decisão interlocutória antecipada parcial de mérito, reconhecendo que “B” deve pagar determinada vantagem pecuniária a “A” a partir da prolação da decisão, mas não em sua totalidade, e sim em cinquenta por cento do valor da vantagem.

“B” percebe que a pretensão de “A” estava prescrita e, como prescrição é matéria de ordem pública podendo ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição, resolve interpor Agravo de Instrumento, com fundamento no artigo 1.015, inciso II, do Código de Processo Civil.

Nessa situação hipotética, não poderia “A” apresentar recurso adesivo ao Agravo de Instrumento interposto por “B”, pretendendo o recebimento da vantagem em cem por cento?

Não pairam dúvidas de que “A” pode adotar tal postura.

Com efeito, o recurso adesivo deve ser visto também como forma de estratégia processual a que a parte pode lançar mão.

No caso em tela, “A” havia se contentado em receber apenas cinquenta por cento da vantagem e, caso “B” não interpusesse recurso contra a decisão do Magistrado, haveria o trânsito em julgado quanto a tal ponto. Porém, como “B” interpôs recurso, de modo a não serem aplicados os efeitos preclusivos da coisa julgada, “A” pode optar por aderir ao recurso de Agravo de Instrumento, tentando melhorar sua situação.

Negar a possibilidade de recurso adesivo em agravo de instrumento, a nosso sentir, é desconsiderar a ideologia e nova sistematização do Código de Processo Civil de 2015.

Além dessa hipótese, temos também a situação de apresentação de Impugnação ao Cumprimento de Sentença.

Com efeito, não há dispositivo expresso acerca de qual recurso cabível em face da decisão que julga a Impugnação ao Cumprimento de Sentença.

Isto se dá simplesmente porque irá depender do que vier a ser decidido, aplicando-se a regra geral do artigo 203, do CPC, ou seja, se, ao julgar tal incidente, o Magistrado colocar fim à fase executiva, estaremos diante de apelação. Caso não ponha fim à fase executiva, estaremos diante de decisão interlocutória.

Ora, em havendo sucumbência de ambas as partes, na hipótese de interposição de recurso de apelação, aceita-se que a outra parte apresente recurso adesivo. Entretanto, na hipótese de agravo de instrumento, não é cabível.

Com o devido respeito, pensamos que seria teratológico se aceitar apenas a interposição de recurso adesivo na hipótese de recurso de apelação.

Poderíamos citar outras situações hipotéticas que corroborariam o cabimento de recurso adesivo em agravo de instrumento, mas nos satisfazemos apenas com as duas acima mencionadas para concluir que o rol do artigo 997, § 2º, inciso II, do Novo CPC, é meramente exemplificativo.

IV – Conclusão:

Chegamos à conclusão de que o recurso adesivo é cabível também na hipótese de interposição de agravo de instrumento, desde que cumpridos os demais requisitos, ou seja, desde que haja recurso principal, interposto pela parte contrária e tenha ocorrido sucumbido das partes em algum pedido.

Diante da nova sistemática e ideologia que permeiam o Processo Civil Brasileiro de 2015, o artigo 997, § 2º, inciso II, do CPC, não pode ser lido de forma taxativa, sob pena de nos depararmos com situações teratológicas.

Referido artigo deve ser lido de forma sistemática, de modo que as hipóteses de cabimento do recurso adesivo nele previstas sejam consideradas meramente exemplificativas.


Notas e Referências:

[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume V, 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 307.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

[4][4][4] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3. ed. São Paulo: Thompson Reuters -Revista dos Tribunais, 2015, p. 340.

[5] “Art. 1.009.  Da sentença cabe apelação.

(...)”.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

[7] “Art. 1.015. (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário”.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.


 

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