Afinal, compliance é gasto ou investimento? - Por Guilherme Freire de Melo Barros e João Carlos Adalberto Zolandeck

07/12/2017

Recentemente participamos de um evento promovido pela FIEP, UNITAR, Faculdades da Indústria Senai e IEL em parceria com o CIFAL Curitiba, que teve como objetivo discutir a integridade na indústria da América Latina. A convite do amigo João Carlos Adalberto Zolandeck trouxe para esta coluna um pouco do que discutimos naquela oportunidade, a fim de ampliar o debate a respeito do ambiente de negócios.

O tema compliance ganhou enorme atenção de estudiosos e do mercado nos últimos anos; é tema corrente em qualquer congresso de direito empresarial e os escritórios de advocacia têm criado setores e treinado seus profissionais para atuar na área.

Fundamentalmente, o compliance está ligado à ideia de agir conforme, de se adequar ou de se manter adequado aos comandos normativos – leis e normativas externas e internas da empresa. Para estar em compliance a empresa precisa estabelecer e respeitar padrões de conduta no trâmite interno e na forma como realiza seus negócios e operações com os demais agentes de mercado, inclusive com o Estado. Simplesmente não é fácil. A conduta conforme demanda (i) padronizar condutas desde o presidente até o funcionário do chão de fábrica; (ii) exige estabelecer rotinas internas que antes não eram realizados; (iii) invariavelmente leva à criação de novos cargos ou funções na estrutura empresarial para operacionalização e fiscalização das novas práticas.

Em poucas palavras, isso para o empresário tem um nome muito bem definido: custo.

O empresário tem constante preocupação com a redução de custos sem perda de qualidade de seu produto e serviço e a ampliação de sua margem de lucros atividade. Se compliance é custo, então qual é o sentido de ter isso como prioridade? Qual a vantagem de ‘gastar’ com compliance?

Para responder a essa pergunta, não vamos evocar o imperativo ético de evitar a corrupção e a degeneração das relações (público-privado e privado-privado), a construção de uma sociedade mais justa e solidária, a dignidade da pessoa humana etc. Vamos buscar fundamento a partir da lógica de mercado dos agentes econômicos.

O compliance foca basicamente na conduta do agente; é uma perspectiva microeconômica e, sob esse ponto de vista, é de fato custo. Entretanto, a questão pode ser vista de outra perspectiva quando se olha o mercado, quando se tem uma perspectiva macroeconômica.

Nessa perspectiva, é marcante o trabalho de George Akerlof, economista americano, prêmio Nobel de 2001, que escreveu o famoso artigo “The Market for ‘lemons’: quality uncertainty and the market mechanism” (1970).

Akerlof procura dar fundamentação econômica à percepção geral de que é difícil fazer negócios em países em desenvolvimento, em virtude do peso econômico da desonestidade, ligada à incerteza quanto à qualidade de bens e serviços. Para comprovar suas conclusões, Akerlof toma como exemplo o mercado de carros e adota quatro critérios de classificação, novos e usados, bons e ruins, sendo certo que há tanto carros novos e ruins, quanto velhos e bons. Após utilizar o automóvel por certo tempo, o dono decide vendê-lo e, nesse momento, é possível identificar uma diferença de nível de informação significativa, pois o vendedor possui profundo conhecimento sobre as qualidades do bem e o possível comprador não.

Ocorre que o mercado de carros usados tem valores de revenda que variam em razão de critérios razoavelmente objetivos, como ano e modelo (no Brasil, tem-se como parâmetro a Tabela Fipe, por exemplo), sendo quase indiferentes os aspectos específicos de cada veículo (manutenção adequada, cuidados do proprietário etc.). Nesse contexto, o potencial comprador não consegue diferenciar claramente se está comprando um carro bom ou ruim.

Diante da maior probabilidade de o carro usado ser ruim do que a de um novo, o valor do carro usado é inferior. No entanto, como alerta Akerlof, o valor do carro não pode ser tão inferior, sob pena de afastar os proprietários de carros usados bons, que deixariam de revender seus carros em razão do baixo valor pago pelo mercado; por consequência, o mercado de usados ficaria tomado por carros ruins e estaria fadado a deixar de existir – os compradores de usados, após o feedback da compra ruim, deixariam de recorrer a esse mercado.

Imagine o ilustrativo exemplo: você quer comprar um determinado modelo de carro. Vai a duas lojas, em uma delas o vendedor é o Dick Vigarista e na outra a vendedora é a Penélope Charmosa – ambos personagens do desenho animado Corrida Maluca. Você compra o carro de qual vendedor? Muito provavelmente você compra da Penélope Charmosa, porque no desenho animado você sabe que o Dick Vigarista está sempre tentando trapacear. O problema é que na vida real os vendedores de carros – e os demais agentes de mercado – não estão vestidos com roupas de personagens de desenho animado. Portanto, não é fácil diferenciar no dia a dia dos negócios quais agentes adotam um comportamento oportunista e quais seguirão padrões éticos de conduta.

É depois de realizado o negócio e transacionado o bem ou serviço que se obtém um retorno mental a seu respeito, ou seja, depois de usar o bem ou serviço é que teremos uma opinião mais concreta se foi um bom negócio. Se nossa experiência é ruim e o bem é ordinário, evitamos realizar novamente transação semelhante.

O fluxograma é o seguinte:

A conclusão de Akerlof é a que o custo da desonestidade não está representado apenas em uma transação, mas estende os efeitos para o mercado, pois impede negociações em bases mais justas. Em suma, cada transação celebrada em bases justas contribui para todo o mercado.

Parece-nos possível transpor essa lógica delineada por Akerlof para uma perspectiva mais individualista. Sob o ponto de vista do empresário, vencer a concorrência e ampliar sua fatia de mercado está ligado a realizar mais volume de negócios e fidelizar clientes.

E isso pode ser alcançado pela via do compliance. A sociedade brasileira tem passado por importantes transformações na compreensão dos malefícios da corrupção e da desonestidade. O incremento dessa percepção torna o cidadão um consumidor mais atento à conduta empresarial. Nesse contexto, o compliance pode estabelecer padrões de conduta que evitem danos reputacionais e contribuam para formação de uma imagem que fomente a confiança do mercado.

Repare que aqui não se trata tão somente da construção de uma marca de produto ou serviço. O compliance vai além, porque se refere à empresa como um todo.

O fluxograma aqui é o seguinte:

Ao observar esse encadeamento, é possível modificar aquela percepção inicial de que compliance é custo. Faz mais sentido que o vejamos como um investimento para o empresário, que poderá ampliar seus negócios ao projetar para o mercado uma imagem ética e legal de sua atividade.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Man on a Interview // Foto de: Amtec Staffing // Sem alterações

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