Advocacia Pública em Diálogo – Por Weber Luiz de Oliveira

27/08/2017

Diálogo quer dizer conversa, colóquio.

Diálogo é uma “troca de ideias que visam ao entendimento e ao consenso ou, de um modo mais específico, que remete a uma espécie de tolerância, de convivência pacífica das ideias, mesmo quando elas estão em desacordo”[1].

O diálogo institucional pressupõe a abertura de funções, poderes e instituições públicas para que outras funções, poderes e instituições públicas possam expor seus atos, entendimentos e perspectivas, com o desiderato de obter algum consenso a respeito de uma situação de natureza pública, jurídica ou política.

O diálogo entre instituições é o abrigo do dissenso em busca do consenso. Esse ideal dialógico ocorreu no âmbito da advocacia pública nacional.

Em 10 de agosto de 2017 a Advocacia-Geral da União e todas as Procuradorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal assinaram dois acordos de cooperação: sobre conflitos judiciais entre entes da Federação e sobre a cooperação técnica entre tais entes perante a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Trata-se, em relação ao acordo de resolução consensual dos conflitos entre as unidades federativas, de uma busca de desjudicialização da Administração Pública, maior litigante brasileiro.

Destarte, natural que assim o seja. Em tempos de crise econômica e de escassez de recursos, os órgãos competentes devem buscar, por um imperativo de eficiência administrativa, soluções e procedimentos que minimizem, na medida do possível, os custos da máquina pública, não só na esfera executiva, mas, sobretudo em todas as esferas públicas, inclusive a jurisdicional.

Além de se evitar a judicialização exacerbada na atualidade, o acordo celebrado e ideal dialógico, parece autorizado concluir, demonstra que os poderes e instituições públicos tiveram como finalidade a concretização do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos, não somente de seus interesses organizacionais.

Por certo que não é litigando que se chegará a tais objetivos.

Pertinente a referência a Jorge Munhós de Souza[2], para quem a “teoria do diálogo não é contra o controle judicial nem ignora a importante função que o Judiciário teve (e ainda terá) na construção de um Brasil melhor e mais justo. A teoria do diálogo é contra a supremacia judicial, concebida como prevalência absoluta e irrestrita das decisões judiciais, principalmente do STF, em matéria constitucional, sobre os demais atores responsáveis pela disputada interpretação das cláusulas abertas da Constituição. A teoria do diálogo é contra o sufocamento dos demais espaços de tomada de decisões coletivas da comunidade política e contra posturas que enxergam no Judiciário o guardião único e maior das promessas não cumpridas da Constituição. A teoria do diálogo é contra o amesquinhamento da dignidade política e dos representantes populares e contra uma postura ingênua que maximiza defeitos dos Parlamentos e da Administração em detrimento da maximização de virtudes dos julgadores”.

Fortalece, ademais, os acordos entabulados, a unidade da Federação brasileira.

Exemplos diversos são extraídos do cotidiano forense em que se verifica a litigância entre União e Estados, entre diversos órgãos públicos, empresas públicas e autarquias, como, também, entre os próprios Estados, muitos desses últimos relacionados à matéria tributária, fruto do que se convencionou denominar de “guerra fiscal”[3].

Categóricos, de igual modo, são as restrições impostas pela União aos Estados com a negativação em órgãos federais, impedindo o acesso a empréstimos necessários para a consecução de políticas públicas[4].

Faz-se necessária sempre uma decisão judicial?

Mesmo com o amadurecimento dos órgãos e instituições públicas necessita-se ainda de um acompanhamento do seu suposto tutor, o Judiciário?

Mostra-se evidente que os acordos assinados no âmbito da Advocacia Pública refletem, em certa medida, o atingimento da “maioridade” do federalismo brasileiro, em que se busca, por suas próprias atuações, dar solução, jurídica e política, aos conflitos inevitavelmente existentes em uma Federação.

A legislação tem acompanhado esse crescimento no nível da consensualidade, disciplinando instrumentos e procedimentos para a solução consensual de conflitos ou mesmo fora do ambiente jurisdicional, como se fez com a Lei Federal n. 13.140/2015, que dispõe sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública, e o Código de Processo Civil de 2015, que preceitua sobre os entes federativos criarem câmaras de mediação e conciliação no âmbito administrativo[5].

Espera-se que esse diálogo nacional possa igualmente eclodir em diálogos internos, da advocacia pública catarinense, não só perante outras instituições, mas, que seja internalizada pelos próprios advogados públicos estaduais, com a busca do consenso, após um salutar, necessário, democrático e respeitoso dissenso, inevitável ante a pluralidade de ideias e ideais.


Notas e Referências: 

[1] SCHӦPKE, Regina. Dicionários filosófico: conceitos fundamentais, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010, p. 78.

[2] Diálogo institucional: em algum lugar entre as teorias da supremacia, In: As novas fases do ativismo judicial, orgs. André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Gotti de Paula, Marcelo Novelino, Salvador: Juspodivm, p. 313-357, p. 357.

[3] A propósito: “Ementa:. I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento. (ADI 4481, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015)”.

[4] Colhe-se o seguinte julgado do STF, para ilustração: “E M E N T A: CADASTRO ÚNICO DE CONVÊNIO (CAUC) - INCLUSÃO, NESSE CADASTRO FEDERAL, DO ESTADO DE SÃO PAULO, POR EFEITO DE DIVERGÊNCIAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CONVÊNIOS CELEBRADOS COM O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - CONSEQÜENTE IMPOSIÇÃO, AO ESTADO-MEMBRO, EM VIRTUDE DE ALEGADO DESCUMPRIMENTO DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES, DE LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA - A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO - POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELAS ENTIDADES ESTATAIS, EM SEU FAVOR, DA GARANTIA DO "DUE PROCESS OF LAW" - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, POR PARTE DO PODER PÚBLICO, DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA INCLUSÃO, NO CAUC, DE QUALQUER PESSOA ESTATAL, BEM ASSIM DE SEUS ENTES OU ÓRGÃOS A ELA VINCULADOS - LITÍGIO QUE SE SUBMETE À ESFERA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HARMONIA E EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS E A UNIÃO FEDERAL - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO - POSSIBILIDADE DE CONFLITO FEDERATIVO - PRETENSÃO CAUTELAR FUNDADA NA ALEGAÇÃO DE TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO "DUE PROCESS OF LAW" - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA - DECISÃO DO RELATOR REFERENDADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONFLITOS FEDERATIVOS E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO. - A Constituição da República confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação (CF, art. 102, I, "f"), atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades que compõem a Federação. Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira. A aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, "f", da Constituição estende-se aos litígios cuja potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO. - A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do "due process of law", assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. LIMITAÇÃO DE DIREITOS E NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PARA EFEITO DE SUA IMPOSIÇÃO, DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. A Constituição da República estabelece, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, considerada a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se viabilize a possibilidade de imposição, a determinada pessoa ou entidade, seja ela pública ou privada, de medidas consubstanciadoras de limitação de direitos. A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade do princípio da plenitude de defesa, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa ou no âmbito político-administrativo, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo. Doutrina. Precedentes. (AC 2032 QO, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2008, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00090 RTJ VOL-00209-02 PP-00539)”.

[5] Dispõe o art. 174 do CPC/2015: “Art. 174.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta”.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Meeting // Foto de: Matthias Ripp // Sem alterações

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