Ações nas companhias abertas e a questão comportamental  

13/08/2020

As sociedades anônimas, disciplinadas pela Lei 6.404/76 (LSA), podem ser abertas ou fechadas, conforme dispõe o artigo 4º da LSA. As companhias abertas têm os seus valores mobiliários registrados no mercado de valores mobiliários e, portanto, negociáveis no respectivo mercado. A negociação depende do prévio registro, sem o qual não há regularidade legal (LSA, art. 4. § 1º e 2º), sendo que, no Brasil, a responsabilidade, inclusive para a classificação das companhias abertas em categorias, compete à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

A CVM é uma entidade autárquica, vinculada ao Ministério da Economia, e foi instituída pela Lei 6.385/76, com o objetivo de normatizar, fiscalizar e desenvolver o mercado de balcão. As características deste mercado e o mapa estratégico da CVM podem ser consultados em sua plataforma on line, que dispõe de muitos elementos e de um sistema que dá prioridade a medidas para garantir a integridade, estimular a eficiência e promover o desenvolvimento do mercado[i].

O capital social da sociedade anônima é dividido em ações e não em quotas, sendo que os acionistas respondem apenas até o preço de emissão das ações que foram subscritas ou adquiridas (LSA, art. 1º). Isto quer dizer que uma vez integralizado o capital prometido pelos acionistas, não haverá responsabilidade solidária ou subsidiária deles pelas obrigações da companhia.

Estabelecidas essas premissas, o presente texto visa trazer particularidades acerca das ações e a importância da compreensão desse instituto jurídico, ladeado por questões comportamentais.

Como diz Mamede, “as ações são partes (pedaços) do capital social. No inglês usa-se a palavra share, do verbo to share (repartir). A ação é uma parte do capital social à qual corresponde uma parcela proporcional do acervo patrimonial, se dissolvida e liquidada a sociedade, além dos direitos e deveres sociais. É, portanto, um título de inclusão, a permitir a seu titular compor a comunidade social, e, assim, ingressar no plano interna corporis da companhia”.

Uma companhia em sua fase fundacional estabelece suas premissas no respectivo estatuto, invariavelmente ancorada por manuais de boas práticas em atendimento das diretrizes estabelecidas pela lei e pela CVM, responsável pela normatização do mercado de balcão.

Em que pese o artigo 28 da LSA permitir a cotitularidade de ações, ou seja, a detenção delas em condomínio, diante do caráter indivisível, é vedado o pertencimento de frações de uma mesma ação a mais de um titular.

Participar do mercado de balcão, regulado pela CVM, como dito anteriormente, depende da iniciativa do titular/acionista, podendo-se lançar na fase de fundação da companhia aberta, subscrevendo o capital inicial no período formativo, de idealização, ou mediante a participação de uma estrutura já instituída e que tenha os seus valores mobiliários registrados no mercado de valores mobiliários.

Trata-se de uma estratégia de investimento em negócios, podendo o interessado/acionista (pessoa natural ou jurídica) ter em seus planos participar de assembleias com direito a voto, adquirir ou não o controle de uma determina companhia ou simplesmente coparticipar dos lucros e dividendos, mediante certos privilégios e ou preferências.

As ações das sociedades anônimas, conhecidas como estatutárias ou de capital aberto, que registraram os seus valores no referido mercado, poderão ser negociadas, sob a regulação da CVM. A questão aqui lançada é de ordem comportamental, ou seja, há intimidade, uma relação entre a postura e a escolha a fazer, que culmina na equalização dos investimentos que serão direcionados à regência (participação com direito a voto nas assembleias) ou a submissão (não participação) por alguma contrapartida (vantagens e ou prioridades).

Tal contexto tem estreita relação com as espécies, classes e formas distintas de ações, pois o mercado atrai tanto os investidores com interesse de fazer parte da administração da companhia (mesmo que não componha maioria), quanto os que visam lucros/dividendos, sem qualquer interesse na gestão do negócio propriamente dito. Percebem-se posturas diferentes, para escolhas diferentes, de um lado, dentre as espécies, a escolha do investidor pelas ações ordinárias, destinadas àqueles que querem participar da gestão social ou, de outro lado, pelas ações preferenciais, destinadas aos investidores mais voltados à obtenção de lucros/dividendos, e que não conservam interesse pela gestão[ii].

Nesse contexto, as ações ordinárias (ON) estão relacionadas ao direito de participação, pois visam assegurar ao acionista o direito de votar nas assembleias, ou seja, tem voz e assento na companhia, mas não significa o controle, pois integrar o grupo de controle depende de investimentos de maior envergadura, invariavelmente, no momento fundacional ou em outros movimentos societários (aquisição, fusão, incorporação, transformação, coligação, formação de grupos típicos e atípicos de sociedades, além de contratos relacionais).

Por sua vez, as ações preferenciais (PN), em que pese o acionista estar deslocado da gestão da companhia, pois não terá direito a voto ou tal direito sofrerá restrições, participa de algumas preferências ou vantagens, que podem consistir: em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou na acumulação das preferências e vantagens antes referidas (LSA, artigo 17, incisos I e II).

Segundo Mamede, o texto legal, admite aos preferencialistas a possibilidade de dividendo fixo, ou seja, a valor certo ou percentual sobre o valor contábil ou nominal da ação, enquanto que dividendo mínimo, seria o estabelecimento de um piso em percentual sobre o lucro líquido do exercício, que deverá ter distribuição obrigatória aos preferencialistas[iii].  

Tais ações — preferenciais — somente serão admitidas no mercado de valores mobiliários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintes vantagens ou preferências, a saber: I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202 (...); II - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária; ou   III - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias (vide inteiro teor do artigo 17, § 1º, inciso I, alíneas “a” e “b” e incisos II e III da LSA).

Sobre a previsão do inciso III acima, Mamede comenta que o estatuto da companhia poderá prever, também aos preferencialistas, o conteúdo da cláusula tag along, pelo qual os detentores de direito a voto (minoritários), no caso de aquisição pública de ações, receberão do adquirente, obrigatoriamente, oferta de compra de suas ações pelo mínimo de 80% do que foi pago aos detentores de ações ordinárias que compõem o grupo de controle, portanto, trata-se de uma vantagem que poderá ser estendida aos detentores de ações preferenciais, desde que expressamente regulada[iv].  

 O § 2º do mesmo artigo 17 da LSA, estabelece que o estatuto da companhia deverá detalhar de modo expresso, com precisão e minúcia, outras preferências ou vantagens aos acionistas sem direito a voto, para além daquelas previstas no § 1º. Isto quer dizer que a companhia, objetivando atrair investidores para ações preferenciais, poderá adicionar recompensas e ou prêmios, mas, minimamente, atribuir aos preferencialistas, ao menos, uma das vantagens listadas acima.

Nada impede que o estatuto assegure a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger um ou mais membros dos órgãos de administração, e nem por isso, perderá a característica preferencial, todavia com vantagens políticas conforme expressão legal (LSA, art. 18). 

Ainda, acerca das espécies de ações, o legislador previu no parágrafo 7º do artigo 17 da LSA, o que designou de ação preferencial de classe especial, que resulta da privatização das companhias de que o poder público participa. A propriedade sobre a classe especial de ação aqui referida cabe exclusivamente ao ente desestatizante, podendo o estatuto conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto nas deliberações da assembleia geral, dentro dos limites e das matérias especificadas.

Quanto a designada ação de fruição, destacada pelo legislador dentre as espécies, no caput do artigo 15 da LSA, há certa dificuldade de se estabelecer o conceito, pois omissa a norma legal. Desse modo, a definição coube a doutrina ao estabelecer que as ações “de fruição são aquelas que resultam da amortização das ações ordinárias e das ações preferenciais (...) a amortização é a distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes seriam devidas em caso de liquidação. Se integralmente amortizadas, podem ser substituídas por ações de fruição (LSA, art. 44, § 5º.).[v]   

Em suma, tratou-se aqui das ações ordinárias, das preferenciais, das preferenciais com vantagens políticas, das preferenciais de classe especial e das de fruição, apontando-se algumas características essenciais a respeito de cada espécie.

Essa compreensão dará ao investidor maiores vantagens, pois além da percepção do mercado de valores mobiliários e do seu funcionamento, o entendimento dos institutos jurídicos vinculados a propriedade e a participação acionária (ações — porção do capital) é fundamental para evitar riscos demasiados e atitudes impensadas no momento de investir. É por essa razão que o título carregou duas expressões indissociáveis — ações e comportamento —. As questões comportamentais aqui dimensionadas entorno da razão, trarão repercussão importante na esfera patrimonial do indivíduo/acionista e do mercado, onde as atividades econômicas derivadas da estrutura da companhia são reguladas. 

Conclui-se com a mensagem de que o processo decisório do investidor/acionista, deve estar orientado para uma ou mais opções de investimento, racionalmente eleita em conformidade com o seu perfil, seja no que se refere a participação das atividades sociais, inclusive para compor voto, seja apenas para aferir vantagens e privilégios em decorrência das ações preferenciais, sem descuidar e atentar para os perfis pessoais da sua qualidade de investidor, conservador, moderado ou arrojado.

 

Notas e Referências

[i] CVM. Plataforma on line. Disponível em < http://www.cvm.gov.br/menu/acesso_informacao/institucional/sobre/cvm.html>. Acesso em 12/08/2020.

[ii] MAMEDE, GLADSON. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário — Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 292.

[iii] MAMEDE, GLADSON. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário — Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 295.

[iv] MAMEDE, GLADSON. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário — Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 297.

[v] NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial e de empresa: teoria geral da empresa e do direito societário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 452.

 

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