Ação renovatória e a proteção do ponto empresarial nas locações empresariais puras e nas complexas (shopping center): pontos convergentes e divergentes – Por João Carlos Adalberto Zolandeck

28/09/2017

O presente artigo busca responder as indagações feitas no artigo publicado nesta coluna em 14/09/2017, assim contextualizadas: É cabível a renovação compulsória dos contratos em shopping center? Em caso positivo, por qual período? É possível suscitar a perda de interesse processual supervenienteCabe reconvenção em ação renovatóriaHá ou não o dever de indenizar pelo lojista se a demanda se estender e for improcedente?

Por ocasião do CONPEDI, ao lado do Prof. Eduardo Oliveira Agustinho[1], tratamos sobre a ação renovatória no contexto do justo equilíbrio entre a tutela do empresário locatário e do proprietário locador, onde estabelecemos como premissa o entendimento sobre “estabelecimento empresarial”, para compreender a razão da existência da ação renovatória, pois é a partir dele – estabelecimento – que gravitam as peculiaridades da pretensão e a lógica da proteção ao ponto empresarial.

A compreensão da natureza jurídica do estabelecimento empresarial possui importante repercussão, mas há divergência na caracterização como “universalidade de fato” ou “universalidade de direito” (CC, artigos, 90 e 91), um pouco mais amena diante da definição dada pelo Código Civil.

O artigo 1.142 do referido código expressa que: “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

Pelo conteúdo do dispositivo legal citado, “consagrado está o entendimento doutrinário dominante, no sentido de que o estabelecimento é uma universalidade de bens que passa a ser uma universalidade de direito e não uma universalidade de fato, como anteriormente se apresentava”[2].

O empresário ou sociedade empresária, ao destinar bens corpóreos e incorpóreos para o exercício da atividade empresarial, estará formando o estabelecimento, que pode ser objeto de operações de natureza obrigacional, por meio de negócios translativos ou constitutivos, portanto, objeto de usufruto, cessão ou arrendamento. A cessão ou alienação se dá por meio do que a doutrina chamou de contrato de trespasse[3].

Fixadas essas premissas e partindo do pressuposto que, dentre os elementos do estabelecimento, destaca-se o ponto empresarial, que possui valoração econômica própria e se constitui do local onde o empresário exerce a sua atividade empresária, é possível responder pela proteção e o que pensou o legislador para dar equilíbrio na relação locatícia, no sentido de possibilitar não apenas a prorrogação forçada do pacto, mas também evitar a atribuição de indenização pelo proprietário locador.

Como forma de compensação ao ponto empresarial, o legislador permitiu a renovação compulsória dos contratos, atendidos os pressupostos subjetivos, formais e processuais.

O artigo 51 da Lei 8.245/91 estabelece a possibilidade da renovação compulsória do contrato de locação empresarial, desde que o locatário empresário atenda aos requisitos aqui resumidos: contrato por escrito e por tempo determinado; que a soma dos contratos a renovar ou um único alcance cinco anos; que o locatário esteja explorando o mesmo ramo de atividade de forma ininterrupta, por no mínimo, três anos, além de outros critérios de ordem subjetiva e de prática processual.

O ajuizamento da ação renovatória deve-se dar no interregno entre 12 e 6 meses antes do termo final do respectivo contrato, sob pena de caracterização da decadência e resolução do processo.

A lógica de proteção ao ponto empresarial apenas haverá para contratos que guardem as características retro, do contrário o empresário locatário não terá a garantia outorgada pelo legislador, por isso sua atenção na fase pré-contratual deve ser redobrada, pois o seu investimento deve estar pautado no interesse pela continuidade e não pela solução temporária do seu negócio em determinado local previamente escolhido pelas características de acomodação do ramo de atividade.

Atendendo às indagações iniciais, cabe ponderar que, tanto nas locações empresariais tradicionais ou puras, como nas atípicas ou complexas (shopping center), existe a proteção ao ponto empresarial do ponto de vista da viabilidade da interposição da ação renovatória, todavia, com contornos diferentes em relação a eventual indenização, isto porque o proprietário de shopping contribui para a valorização do ponto empresarial do lojista, o que não ocorre nas locações empresariais tradicionais.

Outro aspecto a considerar é que, nas locações de shopping center, por existir um plano de mix organizado e um conceito de unicidade, sobretudo pela potencial possibilidade de alteração e atualização da divisão interna dos ramos de atividade (exceções ponderadas), o proprietário empreendedor poderá justificar a retomada em razão do prejuízo que a permanência do lojista venha a acarretar ao complexo como um todo (perceba-se, não apenas aos proprietários, mas aos demais empresários/lojistas que ocupam o espaço), oportunidade em que, obviamente, será discutida a indenização pelo ponto empresarial ¾ uma excepcionalidade, que apenas o caso concreto terá condição de balizar.

Ainda, nesse contexto, nas locações de shopping center, pela mesma razão de existência de um mix planejado, o proprietário não poderá lançar mão da exceção de retomada para uso próprio, conforme ressalvou o legislador no parágrafo 2º do artigo 52 da Lei 8.245/91, justamente porque, em um shopping center, prepondera a locação e não o uso pelo proprietário empreendedor.

Respondida a primeira indagação, cabe identificar o período a renovar. A lei expressa “igual período” o que traz a seguinte divergência: “igual” no sentido da soma de vários contratos que totalizarão cinco anos? “Igual” no sentido do último contrato que compôs a soma dos cinco anos? Ou “igual” mesmo que ultrapasse cinco anos? Vários tribunais divergem sobre esse assunto, mas o STJ tem uniformizado a jurisprudência na seguinte direção:

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL. PRETENSÃO DO LOCADOR DE VER SOMADO AO PRAZO DO CONTRATO ORIGINAL O DO ADITAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

  1. O prazo máximo da renovação contratual será de 5 anos, ainda que a vigência da avença locatícia, considerada em sua totalidade, supere esse período, nos termos da jurisprudência desta Corte (…)[4]. 

Desse modo, prevalece o entendimento de que, atendidos os requisitos para a procedência da ação renovatória, independentemente do tempo de permanência do empresário locatário, desde que seja igual ou superior a cinco anos, terá ele direito a renovar por apenas mais cinco anos. Qualquer período superior a esse deve ser resolvido por negociação e composição de cláusulas.

Também objeto de indagação, têm-se presenciado ações renovatórias que superam o prazo de cinco anos de trâmite processual, sem solução judicial definitiva. Nesse caso, diante da lógica adotada pelo STJ no julgado acima, apesar de não trazer na ementa ou na ratio decidendi tal assunto, defende-se a perda superveniente do direito a renovar. Assim, caso o curso da ação suplante o período de renovação do contrato, resolve-se o processo pela perda superveniente.

Outra questão, levantada no início, diz respeito à ação renovatória julgada improcedente, mas mantida a ocupação por força de liminar em tutela antecipada. Nesta hipótese poderá o proprietário locador pleitear indenização por perdas e danos da parte autora e não do Estado/Juiz, por eventuais prejuízos que a tutela de urgência causar à parte adversa (CPC/15, art. 302)[5].

Quanto ao pedido reconvencional em ação renovatória, entende-se vedado, considerando que a ação tem caráter dúplice, cabendo, portanto, pedido de despejo no bojo da contestação, pelo proprietário locador, caso o locatário empresário não atenda aos requisitos estabelecidos para a renovação compulsória do respectivo contrato, evitando, assim, a necessidade de futura ação de despejo e majoração dos custos de transação.

Essas são apenas considerações sobre as particularidades da ação renovatória, cabendo ao profissional do direito redobrar sua atenção não apenas quando do ingresso em juízo, mas na orientação prévia ao ajuizamento e na fase pré-contratual, pois os atos preparatórios tratados com diligência diminuirão o risco de parte a parte, aperfeiçoando o pacto.


Notas e Referências:

[1] AGUSTINHO, Eduardo Oliveira e ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Direito Empresarial. Apontamentos sobre a ação renovatória – a interpretação do justo equilíbrio entre a tutela do empresário locatário e do proprietário locador. Coord. Márcia Carla Pereira Ribeiro/Sandro Mansur Gibran/Antônio Carlos Diniz Murta, Curitiba-PR.: vol 14 – 1ª. ed. Clássica Editora, p. 442.

[2] BERTOLDI, Marcelo; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 9ª. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 115.

[3] NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial: estudo unificado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 101-102.

[4] AgRg no AREsp 633.632/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015.

[5] CPC/15, art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I – a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único.  A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.


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