Ação coletiva de medicamentos e eficácia erga omnes

10/09/2018

O uso das ações coletivas não faz parte da tradição jurídica brasileira, que insiste em resolver as demandas judiciais utilizando as ações individuais.

A judicialização da saúde possui vários exemplos em que o manejo de ação coletiva poderia solucionar questões estruturais, principalmente no âmbito da saúde pública.

É tranquila a posição do Superior Tribunal de Justiça ao admitir o ajuizamento de ação civil pública para fornecimento de medicamentos. A decisão, inclusive pode ter eficácia erga omes, ou seja, alcançar todas as pessoas que estejam na mesma situação e não tenham participado do processo.

Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.  VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OMISSÃO INEXISTENTE. EFICÁCIA ERGA OMNES DA SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE TUTELA COLETIVA. PRECEDENTES DO STJ. SÚMULA 568/STJ. 1.  O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que "é possível  atribuir  efeito  erga  omnes  à decisão proferida em Ação Civil Pública que visa tutelar direitos individuais homogêneos, como na  presente  hipótese,  cabendo  a  cada  prejudicado  provar o seu enquadramento  na  previsão  albergada  pela sentença" (STJ, AgRg no REsp  1.545.352/SC,  Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe de 05/02/2016). 2.  No  caso  em  análise,  a decisão ora agravada deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal a fim de reconhecer a eficácia erga omnis da decisão prolatada em Ação Civil Pública para estender o alcance subjetivo do provimento jurisdicional a todos os pacientes que necessitem do fornecimento de fraldas geriátricas. 3. Inaplicável a Súmula 7/STJ à hipótese, uma vez que a decisão ora agravada prescindiu da análise fático-probatória dos autos na medida em que apenas atribuiu  efeito erga omnis à sentença proferida em sede de Ação Civil Pública. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp 1594411/SC, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, j. 06/10/2016, DJe 14/10/2016)

Nos casos em que o pedido envolve medicamento já incorporado no SUS não se torna necessário, em princípio, maior amplitude na instrução do processo, pois já restou demonstrada a evidência científica sobre a eficácia, a efetividade, a segurança e o custo-utilidade do fármaco.

A questão é mais complexa quando a pretensão envolve medicamentos e tecnologias em saúde não incorporados no SUS. Aqui, deveriam ser respeitados alguns requisitos, tais como:

  1. Tramitação do processo na Justiça Federal, diante da necessidade de participação da União, eis que a Conitec faz os estudos de viabilidade científica e econômica da padronização, no termos da Lei 8080/90, art. 19-Q;
  2. Participação do Ministério Público Federal, diante da competência da Justiça Federal para processar e julgar o pedido;
  3. Realização de audiência pública, de modo a pluralizar o debate e permitir a participação do maior número possível de pessoas especialistas no assunto.
  4. Permitir que amigos da corte (amici curiae) intervenham no processo, nos termos do art. 138 do Código de Processo Civil, tais como os Conselhos de Fiscalização profissional (CRM, CFM, CRF, CFF, CRE, CFE, entre outros);
  5. Na ausência de participação espontânea, necessidade de intimação pelo juiz do processo de especialistas no tema, com a finalidade de apresentar informações sobre o nível de evidência científica do medicamento.

Tais pressupostos não são apenas importantes, mas necessários para conferir legitimidade ao processo judicial, especialmente porque a decisão judicial terá eficácia ultra partes, alcançado todas as pessoas que estejam habilitadas ao uso do fármaco postulado. Vale dizer, é a decisão judicial que vai, em última análise, determinar a incorporação do medicamento no SUS!

Portanto, a não observância dos aludidos requisitos tornaria o processo judicial meio inadequado para a obtenção da finalidade pretendida, diante da aparente violação às regras e princípios da política pública de saúde, nos termos dos artigos 196 e seguintes da Constituição e também da Lei 8080/80.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Self-Medication Aisles // Foto de: Bill Smith // Sem alterações

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