Abolicionismo Libertário e Mensagem de fim de ano – Por Guilherme Moreira Pires

16/12/2016

Agradecemos a todos que, de alguma forma, experimentaram e interagiram conosco nesse ano (2016), proporcionando pitadas sublimes de felicidades e liberdades no presente, mesmo cercados por sistemas e tentáculos totalizantes, no cerne de culturas repressivas; infestadas de autoridades, entre controles, sequestros, hierarquias, governos, produções do poder; entre tanta razão de Estado, tanta razão de governo e servidão voluntária; entre tanta paixão dos governados pelo princípio da autoridade petrificado em si; tanto fascínio e ingenuidade dos devotos às culturas do castigo e da obediência, tanta rendição às doutrinas sacrificiais ao (e do) poder; tanta fé nas autoridades e controles, tanto amor ao poder e a tudo que nos tritura e esmaga, anunciando a destruição da horizontalidade, dissolvida e absorvida na vitória da verticalidade do poder.

Obrigado aos amigos na América Latina com os quais seguimos navegando, resistindo aos patrulhamentos ideológicos e convocações por participações nos controles e fluxos estruturantes de culturas repressivas, funcionais às produções do poder e sistemas que repudiamos.

Obrigado aos piratas destoantes nesse mundo gosmificado, infestado de controles, hierarquias e autoridades, existências fascinadas pela arte de governar; temerosos da produção do ingovernável que dilacera sua produção de verdades, entre universalidades, centralidades, representações, artificialidades e tautologias; obrigado à multidão de únicos que desvelam, e provocam o evaporar da linguagem-crime, energizando outras linguagens e possibilidades; outros mundos.

Aos que entendem que tais dejetos sedimentados podem ser dissolvidos, que o cristalizado e petrificado, o naturalizado, também pode ser desnaturalizado, abolido: seguimos navegando.

Sem fechamentos insensatos, etapismos eternizadores e condicionamentos-para-o-nunca, navegamos sem temer a ruína, com muita potência e imaginação libertária, linguagem libertária, imaginação libertária, não punitiva, e abolicionista de culturas repressivas e produções do poder.

Embora tecnicamente devesse escrever no singular, minha mensagem de fim de ano acompanha um “nós”, eis que, hoje escrevo me recordando de uma multiplicidade de instantes potentes, entre trocas de cartas e movimentações com amigos distantes, que seguem energizando e materializando suas ideias, com uma sublime e contagiante imaginação abolicionista, reverberando por todo o continente, e para além dele.

Também porque às vezes se mostra necessário reconhecer expressamente as multidões do “eu”, as multidões dentro de nós, para além das castrações e supressões tensionadas pelas linguagens repressivas que absorvemos, replicamos, naturalizamos e produzimos, com pretensões de uniformização, sistematização, codificação, simplificação, e homogeneização. Pretensões de dissolver o único no universal, a exemplo do sistema penal. Pretensões de coesão e unidade fabricada. Pretensões de normalização e contenção. Simplificação.

Saúde aos companheiros abolicionistas,

E ruína às culturas repressivas.

O ano acaba, mas seguimos navegando, sem temer as ruínas.

Experimentando liberdades, e produzindo o ingovernável.

Dissolvendo sociabilidades e metas autoritárias,

Abolindo metas de controle, metas de governo,

Sistemas, hierarquias e autoridades.

Contra os poderes que nos trituram.

Contra a servidão voluntária, o sistema penal, a arte de governar (e de querer ser governado).

Contra os gurus, os senhores das barbáries (espalhafatosas e silenciosas); contra os burocratas orgulhosos de empenharem funções repressivas, por vezes se colocando como “resistências”, quando são complementos, continuidades, extensões; ah, esses malditos sedutores capturadores das potências, resistências e dissidências anárquicas: eles, serviçais da morte que são, operam como luminosos representantes das culturas repressivas, cujas botas atropelam as ainda ardentes carcaças dos alvejados e massacrados por tanto estupor dos dejetos sedimentados, desafortunadamente tão aclamados e celebrados.

No emergir da miséria do pensamento político, estruturado no princípio da autoridade e poder verticalizado, o senso comum democrático almeja capturar os capturadores fabricados (num simplificado recorte arbitrário), mas não se vê, nem como capturador tirano (que é), e nem como capturado iludido.

Se crê prático e perspicaz, amarrado em seu Estado de Direito, enquanto carimba, valida e difunde a produção dessa máquina de produção de verdades trituradoras de vidas.

O progressismo cool legitimante do castigo e das produções do poder não é inimigo do autoritarismo cool sublinhado por Zaffaroni; ao contrário: são parceiros na arte de governar.

O que aqui se oxigena e energiza, se trata de algo demasiado distinto: arte de não ser governado e produção do ingovernável.

Saúde!


 

Imagem Ilustrativa do Post: High and mighty // Foto de: Susanne Nilsson // Sem alterações

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