METALINGUAGEM DO DIREITO EMPRESARIAL — CONCEITO DE “EMPRESA”
“O direito é linguagem. Não apenas linguagem, porém, e muito menos ainda apenas linguagem formalizada. Há o direito positivo e a Ciência do Direito. Estamos a nos referir àquele através dessa; ali, linguagem-objeto versada, aqui, pela metalinguagem”[1].
O Código Civil de 2002 seguiu o modelo da teoria da empresa, consagrado em 1942 pelo Código Civil dos italianos. Segundo Miguel Reale, as diretrizes seguidas na elaboração do anteprojeto do atual Código Civil dos brasileiros, nesse campo específico, não passou, propriamente, pela suposta unificação do Direito Privado, “mas sim do Direito das Obrigações — de resto já uma realidade operacional no País — em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850 – com a consequente inclusão de mais de um Livro na Parte Especial que, de início, se denominou ‘Atividades Negociais’, e, posteriormente, ‘Direito de Empresa’”[2].
A proposta da teoria da empresa está na superação da velha teoria dos atos de comércio: o suporte fático empresarial passa a ser mais sofisticado. A lei impõe o regime jurídico empresarial para quem exercer empresa, e não mais para aquele que exercer um ato aprioristicamente dito “comercial”. A teoria da empresa foca na atividade desempenhada por alguém; a teoria dos atos de comércio dá status de comercial à pura estrutura da existência de determinados fatos jurídicos.
Antes da mudança operada pelo Código Civil de 2002 sobre o direito empresarial brasileiro, o ordenamento atribuía o regime jurídico comercial ex ante aos atos delimitados no Regulamento n.º 737, de 25 de novembro de 1850. Nesse diploma legal, “considera-se mercancia”, e. g., “as operações de cambio, banco, e corretagem” [§ 2.º do art. 19]. “Em linguagem atual”, diz Fábio Ulhoa Coelho, “esta relação compreenderia: a) compra e venda de bens móveis ou semoventes, no atacado ou varejo, para revenda ou aluguel; b) indústria; c) bancos; d) logística; e) espetáculos públicos; f) seguros; g) armação e expedição de navios”[3].
Como se percebe, a teoria dos atos de comércio se dotava de um quid de tipologia jurídica: enquadrava tipos de atos jurídicos como mercantis. Tipo, aqui, é palavra derivada de Tatbestand — Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda preferiu traduzir referida palavra para “suporte fático”[4]; os penalistas optaram falar em “tipo”[5]. Em suma: o mundo jurídico empresarial tinha uma facticidade jurídica pré-delimitada na arquitetura dura do feixe de existência dos atos jurídicos. O ato, com seus elementos de suporte fático, era tido por empresarial.
Com a teoria da empresa, o regime jurídico empresarial passa a ser oxigenado por uma visão menos apegada à arquitetura da existência de um ato jurídico. “Empresa” passa a ser vista como atividade. E será empresário quem exercer empresa. Trata-se de um aspecto dinâmico, i. e., “um feixe coordenado de relações jurídicas contratuais estabelecidas pelo empresário com a finalidade de organização dos fatores de produção e circulação dos bens ou serviços por ele produzidos ou distribuídos”[6]. É dizer: “a fase atual do Direito Empresarial tem por foco, não mais, apenas, a figura da empresa, mas sim o binômio atividades empresárias-mercado. É neste prisma que se passa a cogitar da chamada ordem jurídica do mercado, já que, a partir de então, estuda-se a empresa em um contexto dinâmico, considerando-se o mercado, colocando-o como foco central desta disciplina jurídica. Seria o caso, novamente, de se perquirir acerca da necessidade de modificação da nomenclatura deste ramo do direito”[7].
Essa alteração de espectro jurídico exibe bem o acerto da crítica de Flávio Morgenstern à insistência da tese da “deturpação de Marx”: o jogo econômico do século XIX não é o mesmo do século XX[8]. E tudo já é muito diferente no século XXI. Quem ler Das Kapital terá de admitir que o processo de produção do capital [tema do Livro 1 de “O Capital”, de Marx] e que a circulação do capital [Livro 2] dos oitocentos são bem diversos dos atuais. Se se quiser falar de “luta de classes”, teremos de nos perguntar: “luta” de quem? A que “classe social” — no duro espectro marxista — este que vos escreve pertence? O que é “proletário”? E o que é “capitalista”? Tudo se resume a “trabalhadores” e “patrões”?
O simplismo heterogêneo e dual do marxismo convenceu Eric Voegelin por apenas alguns meses [entre agosto e dezembro de 1917]. Após cansar-se, E. Voegelin disse em sua obra autobiográfica que, ao notar “o que estava errado em Marx”, nunca mais vislumbrou o marxismo como um problema [“o marxismo nunca mais foi um problema para mim”[9]]. N’outra obra, Voegelin imputa à Marx uma leitura equivocada de Hegel[10].
Absorvendo essa complexidade, o direito empresarial passou a ter, no seu cerne, os mercados e as organizações: agora, “não mais relacionado aos atos de comércio, de criação francesa, mas como direito dos mercados e das empresas. Não um direito classista ou corporativista, mas um direito de caráter econômico que replica a microeconomia”[11].
Um youtuber que logre rendas com a monetização do YouTube e com eventuais patrocínios é da classe da “burguesia” ou da classe do “proletariado”? Ele domina seus bens de produção: muitas vezes, apenas uma câmera barata e um computador. O pipoqueiro que tenha um carrinho [seu bem de produção] e que venda pipoca e doces na frente de uma escola é “burguês” ou “proletário”? O sujeito que é dono de um veículo automotor e que oferece serviço de carona via aplicativo Uber: é “burguês” ou “proletário”?
Em texto clássico, Alberto Asquini vislumbrou a atividade do empresário [= empresa] como a atividade empresarial vocacionada ao recolhimento e à organização da força de trabalho e do capital necessários para a produção ou para a distribuição de bens ou serviços. Igualmente, a empresa abarcaria a troca de bens ou de serviços colhidos ou produzidos[12].
Essa divisão maniqueísta de “os trabalhadores”, de “os patrões”, está superada pelos fatos. A nova divisão social do trabalho é extremamente específica, sendo hercúlea a tarefa de, por método indutivo, abstrair meios de obter renda segundo tipos ideais e abstratos fechados e fechados num sistema autopoiético. Uma prova incontestável disso está no empresário individual: pessoa física que exerce empresa. Se José da Silva reunir ferramentas antigas guardadas em sua residência e oferecer, profissionalmente, a atividade econômica de “consertos gerais” e de “limpeza de caixas de gordura”, com organização, José da Silva será empresário individual [art. 966, caput, do Código Civil]. Terá nome empresarial [firma individual — José da Silva Limpeza e Consertos, talvez], logrará CNPJ [sem ser pessoa jurídica]. Dominará os próprios bens de produção. José é “proletário” ou “patrão”? A lei atual, atenta às complexidades da vida, nos responde: será empresário individual.
Com a teoria da empresa, será empresário quem exercer empresa[13]. A dogmática brasileira absorveu bem a novidade, bem diferenciando empresa, empresário e estabelecimento. No exemplo que demos acima, José da Silva Limpeza e Consertos é o empresário; a atividade dele [consertos e limpeza] é a empresa. Suas ferramentas, o automóvel que eventualmente seja utilizado para atendimentos, seus bens colocados para atividade, o estabelecimento [= complexo de bens organizado para o exercício da empresa, art. 1.142 do Código Civil]. Com efeito, “o estabelecimento é o instrumento de que se utiliza o empresário para o exercício de uma atividade econômica”, um “instrumental indispensável à atividade econômica”[14].
É essa, pois, a metalinguagem jurídico-empresarial: empresa é atividade. A pessoa que exercer empresa é empresária. A “empresa não se confunde com sociedade empresária. Esta última é sujeito de direitos e pertence à categoria de pessoa jurídica, possuindo capacidade para ter direitos e obrigações”; a “empresa é, tão-somente, a atividade produtiva, podendo ser considerada como objeto, mas jamais como sujeito de direito”[15]. Se pessoa jurídica exercer empresa, teremos ou sociedade empresária ou EIRELI empresária. Se pessoa natural exercer empresa, teremos empresário individual.
Há algumas situações particulares: i] o profissional intelectual não será, em regra, empresário [parágrafo único do art. 966 do Código Civil] — sociedade de dentistas, p. ex. [fala-se, in casu, de “sociedade civil simples”]; ii] a atividade rural, ainda que ontologicamente empresarial, só migrará para o regime jurídico do direito empresarial se o rural optar pelo registro na Junta Comercial [art. 971 do Código Civil] — nesse caso, o registro na Junta tem eficácia constitutiva; iii] as cooperativas jamais serão sociedades empresariais [parágrafo único do art. 982 do Código Civil]; e iv] o tipo societário S.A. será, sempre, empresarial [parágrafo único do art. 982 do Código Civil].
A PÉSSIMA REDAÇÃO DO § 1.º DO ART. 246 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Código de Processo Civil de 1973 sofreu mudanças de texto com o advento da Lei n.º 11.419/2006 [Lei da Informatização do Processo Judicial]. Uma delas foi o acréscimo do inciso IV ao art. 221 daquele diploma legal: daí em diante, a citação admitiria, ao menos em tese, a forma eletrônica. Naquela altura, por cautela e prudência, a legislação condicionou a realização desse ato segundo requisitos da legislação específica. Esta, por sua vez, foi bastante tímida: aceitou a citação eletrônica da Fazenda Pública e admitiu a citação de quem se cadastrasse em meio eletrônico [arts. 5.º, caput, e 9.º, caput, da Lei n.º 11.419/2006]. Em nível procedimental penal e infracional, está afastada a possibilidade de operar-se citação eletrônica: art. 6.º da Lei n.º 11.419/2006, ainda em vigor.
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe avanços. Mas a redação do § 1.º de seu art. 246 não poderia ser pior. Tal dispositivo estipula o seguinte: “com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio”.
Empresa, no atual panorama do ordenamento jurídico brasileiro, significa atividade empresarial. A empresa, no contexto do Código Civil de 2002, não designa pessoa jurídica. Nesse sentido, andou mal o legislador do atual e vigente CPC em falar de citação eletrônica de “empresas”. Deveria ter optado – se tinha, mesmo, a opção de abranger somente o regime do direito empresarial – em falar de empresários lato sensu, i. e.: a] empresário individual; b] sociedade empresária; e c] EIRELI empresária.
Não só. O CPC/2015 também optou por excluir dessa obrigação as “microempresas” [ME] e “empresas de pequeno porte” [EPP]. Nisso, devemos perguntar: uma sociedade civil não empresarial fora do regime tributário da Lei Complementar n.º 123/2006 [Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte] está abrangida pelo dever jurídico de manter cadastro em sistemas de processo de autos eletrônicos?
Nas disposições transitórias, o CPC/2015 impôs a seguinte regra: “empresas públicas” e “empresas privadas” devem cumprir o disposto no referido art. 246, § 1.º, “no prazo de 30 [trinta] dias, a contar da inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial” [caput do art. 1.051]. Novamente, excluiu desse dever as microempresas e as empresas de pequeno porte.
Aparentemente, a ideia era a seguinte: sociedades civis, sociedade empresariais, EIRELI’s não empresariais e EIRELI’s empresariais, enfim, toda pessoa jurídica que exercer atividade econômica lato sensu [não só a atividade empresarial] terá o dever jurídico de possibilitar sua citação eletrônica. Toda pessoa jurídica vocacionada e autorizada a lucrar e a empreender teria de se submeter àquelas regras procedimentais que possibilitariam a citação eletrônica. Mas quem estiver em regime fiscal de ME ou de EPP está fora dessa regra [parágrafo único do art. 1.051 do CPC/2015].
O legislador foi infeliz. Deu um passo para frente e dois passos para trás. Gerou confusão. Em tese, um empresário individual — pessoa natural que exerce empresa — pode estar fora do regime tributário do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Pergunta: ele é obrigado a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos para recebimento de citações? Não deixa de ser, a rigor, “empresa privada” [pois sua atividade é de empresa privada].
Outro questionamento sério: vimos no item n.º 1 deste texto que cooperativas serão, sempre, sociedades civis não empresariais. Por fatores históricos que não interessam neste estudo, o registro do ato constitutivo de uma cooperativa, ainda que estanque ao regime empresarial, será feito na Junta Comercial do respectivo Estado, nos termos do art. 17 da Lei n.º 5.764/1971 [Lei da Política Nacional do Cooperativismo]. Cooperativas, não exercendo empresa, serão ou não citadas eletronicamente? O registro de seus atos se dá na Junta Comercial [âmbito registral tipicamente empresarial], mas terão as cooperativas o dever de informar um endereço para citação eletrônica?
As perguntas não podem parar aqui. Em alguns casos, pode-se dizer que a citação eletrônica representa alguma vantagem para o interessado. Uma sociedade — civil ou empresarial, tanto faz — pode preferir o regime eletrônico de citações por vários fatores: organização interna de suas questões jurídicas e segurança no evitar de revelia são dois exemplos significativos disso.
Ora, um empresário individual pode, em tese, preferir a citação eletrônica à citação postal. Imagine-se, só para exemplificar, a pessoa física com formação jurídica que exerça atividade empresarial de serviços de informática. Fulano Silva, bacharel em direito, quer ser técnico de informática e quer vender produtos, computadores e softwares em determinado ponto. Fulano Silva, aí, estará exercendo empresa, de modo terá de registrar-se no Registro Público de Empresas Mercantis [art. 967 do Código Civil]. O que impediria sua opção, no próprio requerimento de inscrição de empresário, pela citação eletrônica de qualquer demanda que envolva a firma individual Fulano Silva Venda e Serviços de Informática? Segundo pensamos, por força da isonomia constitucional e, igualmente, do axioma da livre iniciativa [Constituição da República, arts. 1.º, inciso IV, 5.º, caput, e 170, caput], só a vontade de Fulano Silva pode excluir essa possibilidade.
É dizer: parece ser de bom alvitre manter os empresários individuais num sistema híbrido e opcional. Um empresário individual poderá escolher se prefere ser citado eletronicamente ou, então, se prefere manter o sistema tradicional de citações. Como ele é pessoa natural que exerce empresa, imperará — em regra — a necessidade de citá-lo pessoalmente, preferencialmente pelo correio. Assim, a regra deve continuar sendo, segundo a livre opção do empresário individual, a citação através dos correios. O AR postal enviado para o Fulano Silva Venda e Serviços de Informática, de nosso exemplo acima, deverá ser necessariamente assinado pela pessoa natural Fulano Silva. Não se pode impor, ao Fulano Silva — pessoa natural que é, ainda que tenha CNPJ —, a possibilidade de não nulificar uma citação postal eventualmente entregue a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências. A regra do § 2.º do art. 248 do CPC/2015, que absorveu a velha “teoria da aparência”, se impõe contra pessoas jurídicas. E empresário individual não é pessoa jurídica.
Essa timidez legislativa com citações de cariz pessoal para além da forma oficial e tradicional [leia-se: via diligência do oficial de justiça] também se verificou na gênese do Código de Processo Civil de 1973. Na redação original do CPC/1973, “a citação pelo correio só” era “admissível quando o réu” era “comerciante ou industrial, domiciliado no Brasil” [art. 222 antes da redação dada pela Lei n.º 8.710/1993]. Essa redação original do Código de Processo revogado gerou profundo debate: em 21 de outubro de 1975, num curso promovido pela PUC/SP, debateram Arruda Alvim, Alcides de Mendonça Lima, Clito Fornaciari Júnior, Luiz Sérgio de Souza Rizzi e Antônio Cézar Peluso sobre quem seria, afinal, “o destinatário na citação pelo correio” de que tratava esse art. 222 do CPC/1973 com redação primitiva. “A posição majoritária foi no sentido de que a citação somente será válida quando entregue a carta ao representante legal da pessoa jurídica ou à própria pessoa física citanda”, e já ali “alguns grupos sustentaram a validade da citação quando da sua só entrega à empresa, pouco importando que haja sido ao porteiro, à secretária ou ao protocolo”[16]. Ressalve-se, aqui, um ponto peculiar: em 1975, ainda imperava, entre nós, a ideia da teoria dos atos de comércio. “Empresa”, aí, tinha conotação diversa da que se deve ter hoje. “Empresa”, nessa altura, seria a pessoa jurídica [ou a pessoa física, conforme o caso] que exercia ato mercantil — Alcides Mendonça Lima chegou a cravar, nos debates, que “réu”, ali, seria “a sociedade. O destinatário é o diretor-presidente? É o diretor-secretário? Quer dizer, a redação do Código ficou muito dúbia. Quem deve receber a carta? O réu é uma coisa, o destinatário é outra[17].
Como se pode perceber, o CPC/1973 levou vinte anos para gestar a ideia de citação postal como regra do sistema. Depois da Lei n.º 8.710/1993, a citação postal seria regra com exceções das alíneas a a f do art. 222 do Código revogado [exemplos: réu incapaz e processos de execução]. Agora, o art. 247 do CPC/2015 mantém os pilares de sempre, com alterações aqui e ali [exemplo: começamos a admitir a citação postal em execuções]. Tudo avança aos poucos, com prudência e em bom tom conservador. Talvez daqui 20 anos [ou menos] uma reforma legislativa acabe abarcando a ideia central desse texto... Só o tempo dirá.
UMA PROPOSTA DE SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA
O que poderá solucionar esses problemas? Uma mirabolante interpretação de nossa parte? Uma inovação “doutrinária”? Um “enunciado” de jornadas ou de fóruns de processo civil? Para as três perguntas, respondemos: não, não e não. Que se mude a lei. A atual redação gera controvérsias, mas isso não concede uma autorização divina [ou arrogante?] que extrapole o papel da doutrina. Nossa proposta, aqui, está na esfera da política legislativa processual[18]. Um modelo de projeto de lei que traz a ideia desse texto é o seguinte:
Projeto de Lei n.º ___, de 2018
[Do Parlamentar Federal Fulano da Silva]
Altera o § 1.º do art. 246 da Lei n.º 13.105/2015 – Código de Processo Civil e estabelece regras para a inscrição de sociedades civis no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, para a inscrição de EIRELI no Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas, para a inscrição de sociedades empresárias nas Juntas Comerciais e para a inscrição de EIRELI nas Juntas Comerciais.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1.º O § 1.º do art. 246 da Lei n.º 13.105/2015 — Código de Processo Civil passa a vigorar com a seguinte redação:
§1.º Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
§1.º-A. Todas as sociedades, simples ou empresariais, deverão informar, no ato constitutivo de seus estatutos (no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e na Junta Comercial, respectivamente), um endereço eletrônico que será utilizado no cadastro de sistemas de processo em autos eletrônicos hábil ao recebimento de citações e de intimações.
§1.º-B. Todo empresário individual de responsabilidade limitada (EIRELI) inscrito no Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial deverá informar, na confecção de seu ato constitutivo, um endereço eletrônico que será utilizado no cadastro de sistemas de processo em autos eletrônicos hábil ao recebimento de citações e de intimações.
§1.º-C. Ao empresário individual será facultado, no ato de inscrição diante em Registro Público de Empresas Mercantis, optar pelo regime de citação eletrônica consagrado neste dispositivo.
§1.º-D. As fundações, os partidos políticos, as associações, as organizações religiosas e as cooperativas poderão, se assim quiserem, no de inscrição diante do Registro Civil respectivo, informar um endereço eletrônico que possibilite receber citações e intimações.
Art. 2.º O art. 1.051 do da Lei n.º 13.105/2015 — Código de Processo Civil passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1.051. As empresas públicas e privadas devem cumprir o disposto no art. 246, § 1o, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às microempresas e às empresas de pequeno porte.
Art. 1.051. Sociedades simples, sociedades empresárias e empresas de responsabilidade individual de responsabilidade limitada deverão cumprir o disposto no art. 246, § 1.º, no prazo de 1 (um) ano, a contar da publicação desta lei, averbando no Cartório de Registro de Pessoa Física ou na Junta Comercial, conforme o caso, o endereço eletrônico hábil ao recebimento de citação e de intimação no âmbito dos procedimentos civis que corram em autos eletrônicos.
§1.º O empresário individual pode, a qualquer tempo, optar pelo regime citatório eletrônico consagrado no art. 246, § 1.º.
§2.º. Fundações, partidos políticos, associações, organizações religiosas e cooperativas poderão, a qualquer tempo, optar pelo regime citatório eletrônico consagrado no art. 246, § 1.º.
Art. 3.º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
- CONCLUSÕES
A categoria metalinguística adotada pelo Código Civil de 2002 no campo do direito empresarial não deixa dúvidas: empresa, empresário e estabelecimento são conceitos diversos. O empresário exerce empresa. “Quem entra à noite nas instalações de uma fábrica que não está funcionando”, diz Gladston Mamede, “vê o estabelecimento, não vê a empresa. Durante o dia, o conjunto do estabelecimento e das atividades ali desempenhadas [aspecto dinâmico] dá expressão à empresa”[19]. O exercício desta se dá pelo empresário. E empresário pode ser pessoa jurídica [EIRELI empresária ou sociedade empresária] ou pessoa natural [empresário individual].
Por isso, se havia intenção legislativa, no CPC/2015, em consagrar a citação eletrônica de pessoas jurídicas empresárias, a redação do § 1.º do art. 246 deste diploma legislativo é ruim. Ao que parece, o legislador quis abranger pessoas jurídicas lato sensu que desempenham atividade econômica e que estão fora do regime de ME e de EPP [Lei Complementar n.º 123/2006]. Sociedades não empresariais fora do regime de ME ou de EPP, afinal, devem ou não sofrer citação eletrônica?
Não há razão, aqui, para distinguir a sociedade civil não empresarial da sociedade empresarial. Uma e outra podem, sim, se submeter ao regime jurídico-procedimental hábil a obrigá-las à citação eletrônica. Por outro lado, não há razão para impor, aprioristicamente, a citação eletrônica aos empresários individuais.
A Lei Complementar n.º 123/2006 traz, em geral, atributos jurídico-tributários próprios das empresas de pequeno porte e das microempresas. Essa não deve ser, necessariamente, a bússola que pautará o regramento citatório de uma pessoa jurídica.
Por isso, nossa proposta traz o dever jurídico de citação eletrônica para toda pessoa jurídica que tenha atividade econômica [leia-se: sociedade civil, EIRELI não empresarial {registrada no CRPJ}, sociedade empresarial e EIRELI empresarial {registrada na Junta Comercial}], com intersecção necessária do direito registral: os atos constitutivos das pessoas jurídicas estipulará o endereço eletrônico hábil para citação eletrônica, e o ato registral confere segurança jurídica e publicidade erga omnes da escolha feita.
As demais pessoas jurídicas que não exercem atividade econômica [fundações, associações, partidos políticos e organizações religiosas], os empresários individuais e as cooperativas devem ter a faculdade de optar: ou continuam com a regra geral [citação por correio], ou poderão escolher a citação eletrônica. Neste último caso, terão de averbar — no Registro Civil de Pessoa Jurídica ou na Junta Comercial, conforme a situação —, expressamente, a opção seguida.
Notas e Referências
[1] COSTA, Adriano Soares da. A descritividade da ciência do direito: diálogo com Humberto Bergmann Ávila. Disponível em: https://goo.gl/hJs0wF.
[2] REALE, Miguel. Visão Geral do Novo Código Civil. Anais do EMERJ Debate o Novo Código Civil. Palestra de 11 jun. 2002, no seminário “O Novo Código Civil e as Recentes Reformas no CPC”. Disponível em: https://goo.gl/8jxCuw.
[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 23.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 28.
[4] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações, t. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 4.
[5] Luiz Luisi, por exemplo, escreveu sobre “a doutrina do ‘tatbestand’”, apegando-se aos ensinamentos de M. Jiménez Huerta e de G. Bettiol [LUISI, Luiz. A doutrina do “tatbestand”. In: ______. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 13].
[6] PIMENTA, Eduardo Goulart. Teoria da empresa em Direito e Economia. Revista de Direito Público e da Economia [RDPE], Belo Horizonte, ano 4, n. 14, abr./jun. 2006, item n.º 4.
[7] MARTINS FILHO, Giovani Magalhães. Novas feições do Direito Empresarial. Revista de Direito Empresarial [RDEmp], Belo Horizonte, ano 9, n. 1., jan./abr. 2012, item n.º 2.
[8] Ver MORGENSTERN, Flávio. Deturparam Marx [de novo]. Podcast “Senso Incomum”. Disponível em: https://goo.gl/KgdNcd. Acesso em 29 out. 2018. Conferir, também, MORGENSTERN, Flávio. Esquerda fascista. Podcast “Senso Incomum”. Disponível em: https://goo.gl/f5eYiz.
[9] VOEGELIN, Eric. Reflexões autobiográficas. São Paulo: É Realizações, 2015, p. 29.
[10] VOEGELIN, Eric. A nova ciência da política. 2.ª ed. Tradução de José Viegas Filho. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 261.
[11] SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 2004, p. 10.
[12] “Secondo le premesse economiche anteposte, il concetto di attivit`a imprenditrice implica un’attivit`a rivolta da un lato a raccogliere e a organizzare le forze di lavoro e il capitale necessari alla produzione o alla distribuzione di determinati beni o servizi, rivolta dall’altro lato a realizzare lo scambio dei beni o servizi raccolti o prodotti” [ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale, 1943, v. 43, item n.º 8].
[13] “É empresário, portanto, a pessoa que empreende, isto é, que dá existência à empresa. Não há identificação entre pessoa e empreendimento, ou seja, entre empresário e empresa, respectivamente sujeito e objeto da relação jurídica empresarial. É no exame do universo subjetivo do empresário que se apura o intuito mercantil, que constitui um dos elementos caracterizadores da empresa: a intenção de agir, habitual e organizadamente, para obter vantagem econômica apropriável” [MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro, v. 1. 8.ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 32].
[14] ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais. 17.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 19.
[15] ARAÚJO, Vaneska Donato de. Noções Gerais sobre o Direito Empresarial. In: HERKENHOFF, Henrique Geaquinto [coord.]. Direito Civil – Direito de Empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 23.
[16] ALVIM, Arruda; LIMA, Alcides de Mendonça; FORNACIARI JÚNIOR, Clito; RIZZI, Luiz Sérgio de Souza; PELUSO, Antônio Cézar. O destinatário na citação pelo correio. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [orgs.]. Doutrinas Essenciais – Processo Civil, v. III, 2011, p. 137.
[17] Idem, p. 143.
[18] Sobre a “política legislativa processual” e sua carga axiológica, cf. SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Miguel Reale e o direito processual. Revista Brasileira de Direito Processual [RBDPro], Belo Horizonte, ano 25, n. 97, jan./mar. 2017, p. 232 e 243.
[19] MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro, v. 1. 8.ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 29.
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