ABDPRO #66 - O PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR E  O DESAFIO DE UMA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

09/01/2019

Coluna ABDPRO

Bem-vindo 2019 e desejo um próspero e produtivo ano a todos.

Sensação de que novas dúvidas sobre o Novo Código de Processo Civil surgirão no decorrer do ano. 

O tema a ser debatido neste breve espaço refere-se a suspensão de segurança, instrumento processual tão utilizado pela Fazenda Pública, Ministério Público e até a Defensoria pública. Confesso que o tema já ocupa a minha linha de pesquisa durante algum tempo.

E pretendo inserir também discussões sobre a hermenêutica jurídica.

No final do ano passado, o Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, relator da ADC n.54, proferiu liminar quanto a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal.

E em poucas horas a Procuradoria Geral da República protocolou a Suspensão de Liminar n. 1.188.

E o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, deferiu a suspensão para suspender os efeitos da decisão proferida nos autos da ADC n. 54.

Ora, não falarei de forma alguma sobre quem pertence a razão sobre determinado caso. Com certeza para destrinchar sobre o tema é necessária uma análise mais consistente e trazendo à baila vários pensamentos de grandes juristas.

O instrumento denominado por pedido de suspensão é algo corriqueiro nos Tribunais, superiores ou não, do nosso Brasil.

Alguns estudantes terminam a graduação do curso de direito sem a noção exata sobre a importância deste meio processual, em especial à Fazenda Pública.

E no caso em tela, conversarei com o caro leitor sobre a possibilidade legal deste instrumento pelo Ministério Público.

Mas para que possa refletir e tecer alguns questionamentos sobre a questão da suspensão de segurança ou liminar cabe o enfrentamento sobre uma efetiva interpretação constitucional diante do nosso Estado Democrático de Direito.

Os juristas têm a missão de lidar com as mais variadas técnicas de interpretação, em virtude da invasão legislativa provocada por anseios ou receios das nossas casas legislativas, tendo como fundamento básico a existência de um Brasil mais “legislado”, como uma nação melhor ou pela simples incapacidade de produção de leis claras e nítidas.

Para obter essa finalidade, o enfoque terá que ser para a Constituição Federal, pois quanto mais subsídios e elementos vitais deste instrumento, a palavra final de qualquer ato ligado ao direito estará cumprindo com o bem estar social.

Dessa forma, as ideias a serem colocadas possuem a clara e incisiva maneira de respeitabilidade da Lei Maior em qualquer interpretação em que venha a ser realizada, fundamentando o intérprete à busca de caminhos mais curtos e simples, principalmente, por meio das linhas exaradas na Carta Magna.

No que tange sobre a previsão legal do pedido de suspensão liminar, a sua evolução decorre quase que concomitante ao remédio constitucional do Mandado de Segurança. Em 1936, foi promulgada por meio da Lei n. 191, o procedimento do Mandado de Segurança e em seu artigo 13 inseriu pela primeira vez o pedido de suspensão de segurança.

            E posteriormente esteve presente, o mandado de segurança, no Código de Processo Civil de 1939 nos artigos 319 ao 331, e para ser mais preciso no artigo 328 informava sobre o pedido de suspensão e em 1951, com a lei n.º 1.533 adveio em forma de lei especifica informando os seus procedimentos, revogando os artigos citados do CPC.

            A Lei n. 12.016/09 do Mandado de Segurança revogou a de 1951 e assegura a possibilidade de pedido de suspensão de segurança e liminar.[1]

            Queria informar a título de curiosidade e análise sobre o histórico deste instrumento processual ao longo do nosso ordenamento jurídico, mas ficará para uma próxima oportunidade.

            Ressalte-se que o novo Diploma Processual Civil sancionado em 2015 não apresentou nenhuma referência ao pedido de suspensão de liminar.

  1 - A Aplicação da Hermenêutica e a Constituição

Ao colocar a importância do texto constitucional dentro de um ordenamento jurídico, não se quer colocar somente os seus efeitos perante a sociedade, mas demonstrar que essa lei quando aplicada a qualquer caso concreto ou textos pelo intérprete ou julgador será de grande valia, em razão dos princípios ali mencionados.

A Constituição quando utilizada para aplicação devida da hermenêutica significa um avanço grandioso por parte dos intérpretes, pois esse instrumento tem a finalidade de demonstrar a real concepção da finalidade do Estado.

Segundo as palavras de Dworkin, na obra ‘Levando o direito a sério’, a Constituição é a fonte fundamental e imperativa do direito constitucional, possuindo regras precisas, mas existem outros padrões vagos, e essas ideias sobre determinados conceitos podem ser revistas pelo tempo. [2]

A aplicação de métodos de interpretação para Eros Grau deverá operar a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção na vida.[3]

 E coloca ainda que a reflexão hermenêutica repudia a metodologia tradicional da interpretação e coloca sob acesas críticas a sistemática escolástica dos métodos, incapaz de responder à questão de se saber por que um determinado método deve ser, em determinado caso, escolhido. A prudência recomenda seja a interpretação adequada em três pautas: relacionada à interpretação do direito no seu todo; finalidade do direito e aos princípios.

            A grande indagação consiste da seguinte forma:

A norma não pode ser considerada como “fechada” em que o legislador decidiu daquela forma há vários anos e que o aplicador dessa lei, na atualidade, busca a Carta Maior para respaldar a sua decisão em forma de justiça social e

A norma deve ser considerada fechada e o aplicador da lei não pode decidir diante de uma interpretação constitucional mais favorável ao seu julgamento para alcançar uma justiça social.

            Por essas interpretações literais da lei que o aplicador não consegue chegar a um grau de eficiência satisfatório para uma sociedade contemporânea.

            E os Princípios enumerados na Lei Maior são de grande valia para a construção de um ordenamento jurídico mais forte e consistente.[4]

            Sabido é que uma Lei Maior deve ser respeitada por todos e fielmente obedecida por todo hermeneuta devido aos Princípios Supremos consagrados dentro de um Estado e fica a dúvida quanto ao choque existente entre os ensinamentos da Constituição.

            Não será fácil para o hermeneuta a busca dos seus ideais perante um texto ou decisão a ser feita e com certeza a ajuda da Constituição será um trunfo para além dos seus limites para garantir a segurança jurídica.[5]

            A segurança jurídica é totalmente resultado de um conjunto de normas claras e condizentes e imperativas junto a uma sociedade, produzidas conforme o rito constitucional, sendo somente possível por uma harmonia entre as funções Legislativa, Executiva e Judiciária.

            Dessa forma, fica o intérprete com a obrigação de busca incessante pela justiça social, mas terá sem sombra de dúvida o apoio do texto constitucional para subsidiar qualquer lacuna havida na sua interpretação, face a força normativa e ideológica desse instrumento que serve como sustentação para a finalidade de um Estado.

            A responsabilidade do hermeneuta é proporcional ao sentimento de justiça do indivíduo que será o destinatário final daquela decisão caracterizando um ciclo de obediência ao preceito constitucional.

            Certa é a lição de Peter Häberle informando que o juiz constitucional já não interpreta no processo constitucional de forma isolada: muitos são os participantes do processo; as formas de participação ampliam-se acentuadamente.[6]

            Ao propor a indagação sobre a importância da constitucionalidade na aplicação da hermenêutica jurídica, buscou-se colocar o papel do intérprete desde a criação da lei e a sua aplicação verificando que esse é um tema comentado e questionado na seara jurídica e opinião pública, em razão da sua importância.

2 – Do Pedido de Suspensão de Liminar e Segurança.

            As normas possuem um significado amplo e indeterminado e com a constituição de métodos para aplicação da hermenêutica poderá chegar-se a um consenso, mas é fácil perceber que o “interpretar” não seja sempre unânime.

            No momento em que o expediente do pedido de suspensão é utilizado não para preservação do interesse público e à defesa apenas dos interesses do administrador existe um desvio de finalidade quanto ao exercício da defesa do interesse público primário.[7]

            Conforme acentua Celso Bandeira de Melo, a distinção sobre interesse público primário e secundário deve-se a doutrina italiana, em que poucos resolvem enfrentar o tema, mas com destaque para Renato Alessi, colacionando lições de Carnelluti e Picardi. O jurista italiano em sua obra informa que os interesses secundários do Estado só podem ser por ele buscados quando coincidentes com o interesse primário, isto é, com os interesses públicos propriamente ditos, e nem sempre o interesse do Estado ou governante coincide com o bem geral da coletividade[8]

            Dentre a possibilidade jurídica do pedido de suspensão, configura-se que deve conter os preceitos contidos de grave lesão à ordem pública, à economia, à saúde e à segurança pública. 

            Ressalte-se que este pedido é realizado por meio de uma petição escrita, informal, sem os requisitos de qualquer artigo do diploma processual civil ou lei extravagante, dirigida ao Presidente do Tribunal, competente para julgamento de possível recurso interposto, de forma direta, sem distribuição, informando do processo de origem, a decisão impugnada e os efeitos contrários a sociedade, caso haja manutenção da mesma.

            É de bom alvitre mencionar que a atual lei do mandado de segurança prevê no artigo 15, a possibilidade do Ministério Público ser legitimo para propor o pedido de suspensão de segurança.

            Quanto a legitimidade não tem o que questionar, sobre o papel deste Órgão Institucional a propositura de pedido de suspensão de segurança ou de liminar, conforme lição jurisprudencial e legal. [9]

            Sendo dever institucional, a defesa do interesse público quando for legitimo processualmente, já que não o sendo, o Órgão Ministerial não poderá requisitar o pedido.[10]

No entanto, a ADC n. 54 foi promovida por Partidos Políticos solicitando a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal.

Ao deferir a medida liminar, o M.P. poderia lançar mão do pedido de suspensão ?

Segundo decisão do Ministro Presidente Dias Toffoli, tal pedido possui possibilidade dentro do processo constitucional objetivo.

A Lei n. 9.868/99 não prevê em nenhum dispositivo a possibilidade de pedido de suspensão por parte do Ministério Público quanto ao deferimento de liminar na ADC.

Utilizou-se a extensão da permissibilidade de pedido de suspensão.

            Fredie Didier Jr. E Leonardo Carneiro da Cunha afirmam que o próprio artigo 4º da Lei n. 8.437/92 confere a legitimidade processual ao M.P. e pode ser estendida por analogia a todos os pedidos de suspensão de segurança.[11]

É temeroso que tal hipótese, ocorra no Brasil, pela simples razão do temor da insegurança jurídica quanto a interpretação a ser dada, em um meio processual frágil, inadequado, informal, totalmente despido de qualquer constitucionalidade quanto ao seu procedimento.

O resultado da presente hipótese é cediço de dúvidas quanto a razão ou não do julgador, devido a insegurança transmitida por este incidente.[12]

            Os requisitos necessários, para a suspensão da liminar estão baseados em argumentos frágeis, de compreensão duvidosa, inadequada, sendo puramente conceitos jurídicos indeterminados.

            A comunidade jurídica tenta de todo modo a busca pela justiça e verdade nas linhas de cada legislação e buscando o real sentido daquele texto, fazendo-se as vezes de legislador com intuito de pensar e agir igual sendo tarefa árdua e quase impossível de ser alcançada.

            Vários podem ser os critérios quanto ao como interpretar, não existe um padrão definido e concebido sobre a forma de como entender aquela dispositivo e quando tenta realizar a interpretação pelo princípio será mais subjetivo ainda, pois poderá existir diversos, mas o julgador terá que escolher por meio da sua consciência o que considera mais certo.[13]

            Willis Santiago afirma, com base em Konrad Hesse, de diversos princípios para uma efetiva interpretação constitucional, sendo os seguintes: Unidade da Constituição; Efeito Integrador; máxima efetividade; força normativa da Constituição; conformidade constitucional; interpretação conforme a Constituição e da concordância prática.[14]

            Portanto, fica a certeza de que o momento para cada hermeneuta começa sempre que o seu modo de pensar e agir estejam respaldados nos princípios gerais de toda Constituição que cada sociedade possui e ficará a certeza do bem estar social à comunidade quanto ao interpretar baseada em uma Constituição.

            A dificuldade em entender o cenário jurídico do nosso país fica para todos nós professores em que acompanhamos a avalanche de decisões que não se coadunam com a nossa Constituição Federal e sim baseadas nas emoções de cada julgador que acham certo desrespeitar a Lei Maior sem ao menos justificar a sua fundamentação. E falando sobre fundamentação na decisão judicial, isso é assunto para outra hora.

            Por enquanto, ao não entender as decisões dos nossos julgadores e a espera de novos ares, poderemos imaginar o mundo idealizado por Manoel Bandeira e pensar que existe uma passárgada jurídica em que lá tem tudo, é outra civilização e tem um processo seguro........Vou-me embora pra Passárgada.......

 

Notas e Referências

[1] Sobre o tema mandado de segurança, aconselho a leitura da seguinte obra: ARAÚJO, José Henrique Mouta, Mandado De Segurança. 7ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018

2 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.218

3 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do Direito. 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2005, p.27.

4 Peter Härbele é citado por Inocêncio Coelho, sobre a decisão do intérprete : “a construção de um princípio virar regra depende da conjugação de dois fatores distintos, mas correlacionados: a situação de fato, como problema, e o modo como, à luz dos princípios que entende lhe sejam aplicáveis, o operador do direito formulará a respectiva regra de decisão.” COELHO, Inocêncio. Interpretação Constitucional. 2ª ed.Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003,  p. 98.

5 Nesse sentido, assevera Inocêncio Coelho: “A idéia de se estabelecerem parâmetros objetivos para controlar e racionalizar a interpretação deriva imediatamente do princípio da segurança jurídica, que estaria de todo comprometida se os aplicadores do direito, em razão da abertura e da riqueza semântica dos enunciados normativos, pudessem atribuir-lhes qualquer significado, à revelia dos cânones hermenêuticos e do comum sentimento de justiça.”(op.cit., 2003, pág. 143).

6 Ainda comenta que: “Na posição que antecede a interpretação constitucional ‘jurídica’ dos juízes, são muitos os intérpretes, ou, melhor dizendo, todas as forças pluralistas públicas são, potencialmente, intérpretes da Constituição. O conceito de ‘participante constitucional’ relativiza-se na medida que se amplia o círculo daqueles que, efetivamente, tomam parte na interpretação constitucional. Posteriormente, a Corte Constitucional haverá de interpretar a Constituição em correspondência com a sua atualização pública.” (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes.Porto Alegre:Sérgio Antônio Fabris Editor.1997, p.41).

7 BANDEIRA DE MELLO, Celso. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.63

8 (STJ - AgRg na SS 1.744/RJ, Rel. Ministro  BARROS MONTEIRO, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/11/2007, DJ 13/12/2007 p. 279)  e (STJ - AgRg no AgRg na SL . 79/RJ, Rel. Ministro  EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/12/2004, DJ 13/06/2005 p. 146)

9 (STJ - AgRg na SS 1.410/CE, Rel. Ministro  EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/06/2005, DJ 29/08/2005 p. 130)

10 Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. 13 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 686.

11 Quanto a utilização do pedido de segurança, informa Arnaldo Esteves Lima: “Referido procedimento, além de se afastar da normal tramitação dos recursos, tem forte conteúdo político pois o juízo valorativo da ocorrência ou não, de seus pressupostos, por sua relativa fluidez, fica entregue à apreciação do Presidente do Tribunal que irá examiná-lo, o qual, embora devendo motivar sua decisão, não encontra, comumente, elementos objetivos para fazê-lo, já que vagos são, relativamente, os conceitos de ordem, economia, saúde e finanças públicas, cuja ocorrência ou não, varia conforme a visão de cada um, ficando, em geral, pelo que se nota, em plano hipotético. Destarte, não pode haver dúvida que a sua aplicação, na prática, deve ser restrita, excepcional, reservando-lhe a incidência apenas naqueles casos em que, pela natureza da situação de fato, tal se justifique, suficientemente.” LIMA, Arnaldo Esteves. Suspensão da execução de liminar ou de sentença: observações. Disponível em < https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/106/Suspensão_da_Execução.pdf>, Acesso em 28.12.2018.

12 Existem diversos tipos de métodos colacionados na doutrina, dentre os quais, os expostos por Inocêncio Mártires Coelho, Op. Cit., 2003.

13 Para melhor esclarecimento, sugere-se a leitura: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos fundamentais. 5ª ed. São Paulo: RCS editora, 2007,p.72-5.

 

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