ABDPRO #59 - O deslegitimante ativismo judicial do juiz constitucional

20/11/2018

Coluna ABDPRO

Österreich ist eine demokratische Republik. Ihr Recht geht vom Volk aus.

(=A Áustria é uma república democrática. Seu DIREITO emana do povo.)

O texto que segue foi a base de minha intervenção como conferencista no XXVII Congresso Internacional do Instituto Pan-americano de Direito Processual, ocorrido no Panamá em maio de 2016, conforme esclarecido na primeira nota de rodapé. Este texto ainda é inédito em português, em que pese a sua tradução ao espanhol ter sido publicada em tomo editado no Panamá, representativo dos anais daquele congresso.

Sem embargo, neste ato ofereço o seu conteúdo ao primeiro grande processualista da história de Presidente Prudente, o Prof. GELSON AMARO DE SOUZA, estudioso que, com o seu exemplo, incentivou uma série de processualistas da nova geração provenientes daquela importante região do Estado de São Paulo, como o meu estimado amigo Daniel Colnago, mestre em processo civil pela USP e organizador desta pertinente coletânea em homenagem a Gelson Amaro. Basta que se compulse o monumental CPC anotado de Theotonio Negrão para que se constate o sem número de referências a artigos produzidos por Gelson Amaro de Souza, aquilatando-se o volume de sua produção intelectual como processualista.

Na data de ontem recebi um chamado de Daniel Colnago convidando-me a contribuir com algum texto para a coletânea em homenagem a Gelson, cujo trabalho de edição, me dizia Daniel, deverá começar na próxima semana. Como eu não teria tempo de produzir algo inédito, Colnago tranquilizou-me dizendo que aceitaria material desprovido de ineditismo. Garimpando em meus arquivos achei o presente texto, que apesar de não-inédito ainda não havia sido publicado no vernáculo.

E suma: de minha parte fiquei contente em poder reverenciar Gelson Amaro de Souza com algo ainda não lido pelo leitor luso-parlante.

Gelson fez carreira como Procurador do Estado de São Paulo e atualmente exerce a advocacia. Já maduro como processualista cursou mestrado na ITE-Bauru, onde foi colega de classe de alguns amigos em comum como: Rossana Teresa Curioni, Soraya Lunardi e José Luiz Ragazzi. Na sequência foi para a PUC/SP onde doutorou-se em processo civil. Vários de seus textos procuram, direta ou indiretamente, enaltecer a cláusula constitucional do devido processo legal e, por isso, penso que o texto que segue guarda similitude com o pensamento desse que, como eu, também é um processualista do interior do Estado. Oxalá Gelson Amaro aprecie o escrito que segue, onde uma vez mais busquei desautorizar o perverso ativismo judicial que nos oprime.

Falando em maio de 2013 em um congresso de direito processual civil lá em Presidente Prudente (PP), organizado pelo também prudentino Sérgio LUALRI Almeida Ribeiro, tive a chance de publicamente reverenciar a pessoa de Gelson Amaro de Souza, quando então deixei claro a todos que, mentalmente, saudei-o ao desembarcar no aeroporto de PP, à guisa de quem pede licença para entrar em território alheio. E ali, em Presidente Prudente, nenhum processualista que respeite as nossas tradições poderá chegar sem que se lembre de imediato que está a chegar à terra de GELSON AMARO DE SOUZA.

 

Parabéns, Gelson, pela merecida homenagem!

I. ESTADO, DIREITO E PODER. A citação da epígrafe é a parte final do art. 1º da Constituição da Áustria, cuja redação se deve a Hans Kelsen. Aí, o “pai” do chamado modelo europeu de controle de constitucionalidade deixou assentado que a legitimidade do Estado radica-se no Direito, e não no Poder. O impacto semântico desse enunciado prescritivo é muito diferente, por exemplo, de cláusulas constitucionais equivalentes que prescrevem que “todo o PODER emana do provo”, como é o caso da Constituição brasileira, art. 1º, parágrafo único (=p. ex.: Const. de Panamá, art. 2º). É evidente que a legitimidade emanada do Direito é muito diversa daquela que emana do Poder.

Fundada no Direito, a legitimidade pressupõe-se radicada num sistema formado por normas-regra e normas-princípio organizacionalmente voltadas à vinculatividade (=entre os sujeitos) e à previsibilidade (=segurança jurídica), atributos dos mais marcantes nas coisas que compõem o mundo jurídico. Fundada no Poder, a legitimidade migra para o ambiente do ontologicamente político, onde as engrenagens de funcionamento são dotadas de natural plasticidade para que sejam moldadas pelos movimentos das forças que se apresentam superiores no embate político em determinado contexto de tempo e de espaço, de modo que não se submetem à rigidez preventiva que é própria das coisas do Direito.

No plano pragmático, essa rigidez preventiva é vocacionada a gerar cinturões de segurança-estabilidade nas relações intersubjetivas, tanto em perspectiva ex parte populi quanto ex parte principis. O Direito fornece standards esquemáticos refratários a soluções orientadas pela opção de escolha (=discricionariedade) na tomada das decisões, algo que é próprio do político e do consequente Poder que dele emana. Quando postas à prova diante do esquema de racionalidade intrínseco às engrenagens jurídicas, as decisões tomadas no universo do Direito somente se sustentam racionalmente quando o desenvolvimento argumentativo apresenta-se fundado nos elementos integrantes do sistema jurídico no qual, e para o qual, as respectivas decisões foram proferidas. Já no universo do Poder, posto que projetado a partir de estruturas esquemáticas dotadas da plasticidade do ontologicamente político, a discricionariedade será determinante na tomada de decisões.

Portanto, quando o Estado se faz legitimado pelo Direito, ao invés do Poder, mais do que um giro estratégico de palavras, a ideia que daí se projeta é no sentido de que a atuação do Estado deve se conformar com as premissas jurídicas estabelecidas pelo povo através de seus representantes. Em conjunto, essas premissas formam o Direito que emana do povo e que limitará a atuação do Estado, legitimando seu funcionamento a partir da carga normativa estruturante do mundo do Direito.

É importante que se tenha presente que o Poder Judiciário, em que pese “poder” do Estado, encontrará a legitimação de sua atividade quando pautar-se no Direito, e não no Poder. Além do mais, em qualquer de suas diferentes esferas, às pessoas físicas exercentes do poder jurisdicional não podem – ou não deveriam poder – pautar suas decisões em premissas-argumentativas-valorativas pessoais e subjetivas, onde muitas vezes o leitmotiv não é outro senão a idiossincrática visão de mundo daquele que exerce a jurisdição. Não raro, argumentos de cariz religioso, ético, político, econômico, social, ideológico, apresentam-se explicitados na tomada das decisões pelo Poder Judiciário. Outras vezes, de modo ainda mais perverso e atentatório à racionalidade jurídica, argumentos desse jaez se apresentam dissimulados em arremedos de decisões jurisdicionais proferidas fora dos esquemas organizacionais de regras e princípios que estabelecem um determinado arquétipo de juridicidade. Seja de maneira explícita ou dissimulada, quando a decisão jurisdicional se apresenta impregnada de argumentos metajurídicos o Direito que emana do povo torna-se esquálido, raquítico, e amesquinha-se diante do “Poder” – entre aspas, posto que juridicamente ilegítimo – arbitrariamente exercido a partir da vontade singular ou colegiada, pouco importa, das pessoas físicas que exercem a função jurisdicional.

Toda vez que isso acontece, a gramática estabelecida no texto do legislador democrático, da qual são geradas as regras e princípios formadores do Direito, é menoscabada pela atuação do Poder Judiciário por ter se comportado de forma antirrepublicana, na medida em que arbitrariamente “escolheu” as premissas argumentativas não-jurídicas sobre as quais justificou o próprio discurso decisório. Daí ocorre um fenômeno de caráter autofágico-transformador: o Direito engole o Direito com argumentos pseudo jurídicos, transformando o resultado dessa volúpia num ato de Poder arbitrário e solipsista.

II. O “JUIZ”, OU A “JURISDIÇÃO”, CONSTITUCIONAL. É importante esclarecer o que deve ser entendido por juiz constitucional ou jurisdição constitucional. Sem embargo, salienta-se desde já que ambos os sintagmas serão aqui tomados em sua equivalência, como sinônimos, portanto. A essência da função jurisdicional é uma só: proferir, através do devido processo legal iniciado pelo exercício da ação, decisões pautadas no Direito (=jurídicas, portanto) sobre manifestações de vontade antagônicas e divergentes, com vocação para tornarem-se imutáveis.

O juiz constitucional é quem exerce a jurisdição constitucional e aqui estes sintagmas serão utilizados como sinônimos, como mencionado há pouco. A origem desses conceitos remonta às posturas de viés neoconstitucionalista surgidas difusamente na Europa Continental, notadamente em Espanha e Itália, e que depois se espraiaram pela América Latina, em período histórico posterior à 2ª Guerra. O assim chamado neoconstitucionalismo tem vários matizes, o que dificulta identificá-lo com uma corrente específica do pensamento jurídico. Mas existem alguns elementos que o identificam e que estão impregnados nos vários discursos neoconstitucionalistas, citemos alguns: i) argumentação pautada em cláusulas constitucionais semanticamente abertas (=princípios), ii) imbricação-aproximação do Direito e da Moral, iii) hipertrofismo do Judiciário e de seus juízes sobre os demais Poderes, iv) judicialização da política. A partir daí a figura do juiz ganhou músculos para impor certas “promessas constitucionais” no curso do processo jurisdicional, e tudo dentro da própria compreensão quanto ao conteúdo teórico ou prático das respectivas promessas.

Surgem então duas vertentes da jurisdição constitucional: i) a vertente da atuação de caráter solitário-solipsista do juiz, que passa a “ponderar” aquilo que entende ser uma norma-princípio para aplicá-la aos casos concretos sob sua responsabilidade, dentro de sua particular cosmovisão da hermenêutica jurídica quase sempre pensada casuisticamente, caso a caso, portanto; ii) a vertente da atuação do juiz no âmbito do controle de constitucionalidade em ambos os modelos praticados, [a] o controle exercido por meio do judicial review (=modelo americano, controle difuso) e o [b] controle exercido por órgão jurisdicional específico (=modelo europeu ou austríaco, controle concentrado). O primeiro modelo surgiu na atuação pragmática da Suprema Corte Estadunidense no clássico caso Marbury v. Medison, julgado pelo justice Marshall em 1803. O segundo foi criado pela Constituição Austríaca de 1920 sob a inspiração direta de Hans Kelsen, onde um Tribunal Constitucional tem a missão de controlar a constitucionalidade das Leis através de uma ação direta ajuizada por sujeitos previamente legitimados ao seu exercício. Em miúdos: a expressão jurisdição constitucional tem significação jurídico-pragmática identificada com a “aplicação” das diretrizes constitucionais principiológicas nos mais diversos casos apreciados e julgados pelo Poder Judiciário. Sem embargo, ela pontencializa um perigo inescondível. Toda vez que a jurisdição constitucional é operada pelas mãos de juízes e tribunais, os artífices da façanha não se limitam a concretizar as garantias negativas prevista na Constituição, cuja missão é barrar-impedir as investidas ilegítimas do Poder sobre a esfera de direitos e liberdade do individuo e da sociedade. Os “senhores” da jurisdição vão mais além e avocam para si um atributo que efetivamente a ordem constitucional não lhes dá, posto que organizada sob a lógica estruturante do sistema de checks and balances. Através de “golpes” de fascio ou de foice e martelo, naturalmente a depender da inclinação ideológica de quem os “desfere”, mas sempre autoritariamente, a jurisdição constitucional ultrapassa os limites da vocação orgânico-institucional do Poder Judiciário para ditar soluções descompassadas com o sistema jurídico de regência. Toda vez que isso acontece o discurso decisório acaba sendo legitimado mais no “grito” do Poder e menos na racionalidade do Direito, revelando uma inesgotável e arbitrária criatividade “transformadora” da vida social por meio da tomada de decisão que se mostra “justificada” nos “preceitos éticos” que “devem” reger o mundo em sociedade. E aí temos o ontologicamente político (=Poder) avassalando e subvertendo o ontologicamente jurídico (=Direito), tragando-o aos umbrais no qual será depurado tudo o que de aético e de amoral possa atrapalhar a “paz social”, a “justiça” e outros slogans tão caro ao discurso neoconstitucional.

III. O ATIVISMO JUDICIAL. Definitivamente o ativismo judicial é uma atuação pragmática que: [a] interessa ao exercente da jurisdição, posto que ”sacia” o seu específico senso de “justo”, de “ético”, de “moral”, daquilo que seria, ou não, “politicamente correto”, numa lógica monológica e autopoiética de Poder ditado verticalmente por juízes e tribunais, e [b] interessa àqueles que eventualmente sagraram-se beneficiados, na prática, por decisões impulsionadas pelo ativismo judicial. Para o Direito e para o processo jurisdicional que lhe dá concretude, o ativismo judicial funciona como arma de potencial perfuro-contuso que atenta contra os alicerces republicanos e democráticos que dão sustentação à ordem jurídica. Se fosse possível identificar o fenômeno do ativismo judicial com uma só palavra, certamente seria com arbitrariedade. Esta, por sua vez, é fruto da atuação autoritária de quem exerce o Poder. Para o bem ou para o mal, arbítrio e autoridade são manifestações subjetivas direcionadas ao atingimento dos resultados pretendidos por quem se comporta arbitrária e autoritariamente. Significa dizer que os caminhos percorridos para se chegar a tais resultados não se submetem a critérios de racionalidade jurídica que legitimam a tomada de decisões. E isso é assim devido ao fato de que um pronunciamento decisório fundado em atitude arbitrária e autoritária é determinado pela “vontade” que a autoridade judicial quer externar em uma específica situação. Toda vez que isso acontece, os resultados [a] e [b] acima descritos se concretizaram no plano prático, fazendo com que o Direito, ontologicamente considerado, seja apequenado diante do Poder.

O fato é que a prática do ativismo judicial, em todas as instâncias do Poder Judiciário, vem revelando certas excentricidades rigorosamente incompatíveis com o programa garantista estabelecidos nas Constituições. Ao menos no ambiente republicano e democrático, ativismo é um atributo político do Estado (=Executivo e Legislativo) que não pode corresponder às funções do juiz (=pessoa física). O juiz ativista é juiz político, e “juiz político” ontologicamente não é juiz. Ora, se a função jurisdicional tem como seus atributos a imparcialidade e a impartialidade, tais qualidades não se compadecem com o eventual – e dogmaticamente equivocado, com todo respeito – exercício político da função jurisdicional. Sem embargo, os juízes merecem um argumento em sua defesa. É que muitas das práticas que hoje conhecemos e que acusamos de ativistas, notadamente na prática dos juízes e tribunais inferiores (=infraconstitucionais), acabam sendo reflexos de certos esquemas inquisitivos-autoritários dos quais a legislação processual, lamentavelmente, não consegue se imunizar. O resultado disso é perversamente circular, de modo que: i) leis processuais acabam sendo, no geral, esquálidas em republicanismo, ii) a dogmática que procura explica-las é rarefeita e de pouca reflexão crítica, iii) a jurisprudência a partir daí formada leva em conta essa legislação de aspectos autoritários, e tudo somado às bases doutrinárias criadas com base nesse texto legal, iv) as ensinanças de direito processual são ministradas com base num discurso textual argumentativo acrítico e legitimador [a] da lei posta, [b] da hermenêutica por ela gerada e [c] da prática forense decantada pela jurisprudência. Tudo isso parece fazer com que haja uma espécie de introjeção de inquisitividade-autoritarismo no DNA da comunidade que opera os esquemas processuais em qualquer de seus níveis, impulsionando a roda do circulo vicioso que nos impede vislumbrar a realidade pelas lentes do republicanismo e da democraticidade.

Buscando exemplificar algumas situações nas quais o poder jurisdicional se move com inclinação ativista, vejamos o caso do Brasil, em duas dimensões pragmaticamente distintas da atuação jurisdicional: i) a dos juízes e tribunais infraconstitucionais, tanto no proceder quanto no julgar, e ii) a dos assim chamados “tribunais constitucionais”, hierarquicamente superiores àqueles. Não se desconhece que muitas vezes as atitudes ativistas acabam tendo por base a própria legislação, pródiga em viabilizar condutas as inquisitivas e autoritárias dos exercentes do poder jurisdicional. Isso apenas revela que nem mesmo o legislador consegue escapar do ranço de inquisitividade-autoritarismo no desempenho da função legiferante, que não raro passa ao largo do sistema de garantias que a ordem constitucional estabelece em favor do individuo e da sociedade. Vejamos alguns atos de ativismo judicial praticados por juízes e tribunais infraconstitucionais: [a] deferimento de tutela de urgência sem prévio contraditório, [b] indeferimento da produção de provas requeridas pelas partes, sob a anacrônica ideia de que “o juiz é o destinatário das provas”, portanto “ele não precisa” de certa prova requerida pelas partes, [c] prisões cautelares decretadas pelo mesmo juiz que sentenciará o processo, [d] deferimento de produção de prova ex offício, [e] julgamento da causa pelo mesmo juiz pessoa física que presidiu o procedimento probatório, baseado no chamado “princípio da identidade física do juiz”, [f] sentença argumentada fora dos parâmetros das prescrições legais, muitas vezes motivadas em razões de ordem social pretensamente redentora das desigualdades. Agora, alguns atos pontuais de ativismo judicial praticados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tribunal brasileiro de superposição que tem, dentre outras funções, atribuição constitucional para exercer o controle de constitucionalidade difuso (=via Recurso Extraordinário) e o concentrado (=via Ação Direta de Inconstitucionalidade): [a] autorizar prisão definitiva do réu – e não provisória, com base nos requisitos legais – antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, em flagrante afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, [b] reconhecer a união estável de caráter homoafetivo, quando a Constituição brasileira expressamente afirma que a união estável é a entidade familiar constituída entre homem e mulher, [c] aceitar a judicialização de políticas públicas de qualquer natureza, relativizando (=ignorando!) a regra de Separação dos Poderes, [d] autorizar que órgãos Administração Pública Fazendária tenham acesso a dados sigilosos dos contribuintes sem que, para tanto, seja necessário autorização judicial expressa. Esses são apenas alguns exemplos da prática de ativismo judicial pelo Poder Judiciário brasileiro, um ambiente no qual a “criatividade” judicante (=arbitrariedade) é de uma riqueza casuisticamente infindável.

IV. POR QUE O ATIVISMO JUDICIAL DESLEGITIMA O JUIZ CONSTITUCIONAL? O exercício da jurisdição constitucional deve encontrar seus limites nos marcos republicanos e democráticos estabelecidos pela ordem jurídica na qual é exercida. Toda vez que a sua atuação é distorcida pelo ímpeto ativista do representante do Poder Judiciário, o assim chamado juiz constitucional tem sua atuação deslegitimada. Bem pensadas as coisas, migra-se da esfera do Direito e adentra-se ao ambiente do Poder. Nesse momento, a legitimidade que deve amparar o exercício da função judicante dissipa-se e deslegitima a atuação do juiz constitucional por conta de arroubos ativistas, cuja força motriz é a discricionariedade típica do político e do Poder por ele revelado, jamais do Direito.

O universo jurídico é organizado a partir de esquemas de racionalidade orientados pela ordem constitucional, cuja força normativa determina a criação do Direito que a ela deve se submeter como decorrência da supremacia da Constituição. Nessa perspectiva, decisões jurisdicionais apartadas desses esquemas de racionalidade invariavelmente revelam posturas irracionais que deflagram inconstitucionalidades. Quando isso acontece, o móvel condutor da respectiva conduta não é outro senão a atuação deliberadamente ativista do juiz constitucional.

V. FECHAMENTO. O exercício autoritário e arbitrário da jurisdição constitucional escapa à racionalidade estabelecida pela ordem constitucional. É antidemocrático, antirrepublicano e representa um hipertrofismo do Poder Judiciário contrário – a também constitucional – regra da Separação dos Poderes.

Uma vez por todas é preciso abdicar da compreensão o processo jurisdicional, em qualquer de seus níveis, não pode viabilizar ao juiz, tampouco o Poder Judiciário, uma atuação pragmática apartada das prescrições constitucionais. Até porque não será o deslegitimante ativismo judicial do juiz constitucional que redimirá os “males” da vida em sociedade.

Por certo, há muito que fazer por intermédio da jurisdição constitucional em prol das garantias estabelecidas pela Constituição, mas desde que isso não signifique a substituição do Direito pelo Poder. O primeiro, justificado racionalmente em um arcabouço de regras e princípios. O segundo, naturalmente motivado pela discricionariedade decorrente de escolhas arbitrárias. A vida na democracia-republicana impõe que o juiz constitucional exerça seu mister nos quadrantes das garantias constitucionais.

Em síntese de precisão: o ativismo judicial DESLEGITIMA a atuação do juiz constitucional no marco republicano e democrático do ambiente constitucional.

 

Notas e Referências

1 Texto-base da minha intervenção no XXVII Encontro Pan-americano de Direito Processual, que é o congresso internacional do Instituto Pan-americano de Direito Processual (IPDP), ocorrido em 17-18 de maio de 2016, na Ciudad de Panamá.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Centro de São Paulo // Foto de: Diego Cavichiolli Carbone  // Sem alterações

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