Coluna ABDPRO
Conforme previsto no Princípio da Ordenação Legal, há uma ordem para que os atos processuais sejam praticados dentro do processo e, nesse sentido, entre cada ato há um prazo processual estipulado para que aquele seja praticado. Para tanto, na falta do instituto dos prazos processuais, teríamos apenas atos jurídicos desordenados, com relações processuais alongadas ad eternum. Como bem resume Humberto Theodoro Júnior: “[...] a relação processual segue sua marcha procedimental em razão de imperativos jurídicos lastreados, precipuamente, no mecanismo dos prazos”[1].
Como é sobejamente sabido, o Código de Processo Civil, entre os artigos 212 e 235, estabelece as regras de contagem dos prazos processuais. De modo geral, são contados em dias úteis (art. 219), excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento (art. 224).
O Código é competente ao regulamentar as hipóteses de alterações dos prazos processuais, prevendo que os prazos podem ser prorrogados, suspensos e interrompidos. Cada alteração possui tanto a causa bem definida no Código, como também a consequência para com a contagem do prazo já prevista.
Apesar da clareza das regras de contagem dispostas no Código, tem-se constatada verdadeira desordem na observância da aplicação das alterações dos prazos processuais nos Atos Normativos dos Tribunais e na jurisprudência. Regras básicas de contagem não são observadas e/ou são criadas, contradizendo o próprio Código de Processo Civil.
Nesse sentido, partir-se-á conceituação das diferentes hipóteses de alterações dos prazos processuais. Em seguida, analisar-se-á brevemente como os Atos Normativos não observam o Código, conferindo ainda as possíveis consequências desses equívocos no processo e na prática forense.
Como já antecipado, o Código prevê três hipóteses de alterações da fluência dos prazos processuais: a prorrogação, a suspensão e a interrupção. Cada hipótese pode ser causada por uma situação diferente, mas traz impactos totalmente diversos na contagem dos prazos processuais e na consequente prática dos atos processuais pela parte.
A prorrogação atinge apenas o dia inicial e o dia final do prazo processual; os dias que estão em curso não são afetados pelas hipóteses de prorrogação. Conforme o art. 224, em seu §1o, o CPC prevê duas hipóteses de prorrogação dos prazos processuais: quando o “expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica”.
O Código é realmente perspicaz ao prever apenas a prorrogação dos prazos nas hipóteses de expediente parcial e indisponibilidade eletrônica. É possível entender sua lógica ao olharmos sob o ponto de vista da prática forense: se o expediente do Fórum é encerrado antes ou iniciado depois do horário normal, pode ser que o advogado fique impossibilitado de retirar os autos para consulta, no dia inicial do prazo, ou protocolar alguma peça, no dia final do prazo.
Tal situação é similar à que ocorre quando das indisponibilidades eletrônicas: em havendo instabilidade nos sistemas o advogado sequer consegue ter acesso aos autos eletrônicos e/ou consegue protocolar alguma peça eletronicamente.
Por outro lado, a alteração do expediente do Fórum ou uma indisponibilidade do sistema não traz grandes implicações quando ocorre no curso do prazo; há o restante do prazo para que seja praticado o ato que for necessário para protocolar eventual peça.
Em contrapartida, existem situações que podem afetar o prazo inteiro (o dia inicial, os dias em curso e o dia final): para essas situações, o Código prevê a suspensão dos prazos processuais.
Conforme o art. 219, do CPC, os prazos processuais são contados em dias úteis; de modo que o dia não-útil é uma causa de suspensão dos prazos. Assim, a contagem dos prazos é suspensa em fins de semana (sábado e domingo), feriados, ponto facultativos, recessos, férias forenses e quando não há expediente no Tribunal.
Além dos dias não úteis, a contagem dos prazos processuais pode ser suspensa devido a obstáculo criado em detrimento da parte ou caso ocorra a suspensão do processo (art. 221 c/c 313, do CPC): nota-se, portanto, que há simetria entre os eventos suspensivos do processo e a suspensão dos prazos processuais[2].
A última hipótese de alteração dos prazos processuais é a interrupção, modalidade mais grave. Nesse caso, o prazo processual deixa de ser contado e, encerrado o evento que deu causa à interrupção, o prazo retorna desde o início (dia 1). Em outras palavras, após encerrar o período de interrupção, o prazo será retomado na íntegra; os dias transcorridos até a data da interrupção se tornam irrelevantes.
Ainda que seja a hipótese mais grave, não são raras as vezes em que os prazos são interrompidos em um processo. Como exemplo mais corriqueiro, é possível citar a interrupção causada pela oposição dos Embargos de Declaração, prevista no art. 1.026 do CPC.
Tendo este panorama geral em mente, é possível analisar como os Tribunais observam as regras de alterações dos prazos processuais dispostas pelo Código de Processo Civil.
A discrepância mais comum é relacionada às indisponibilidades eletrônicas. Ora os Tribunais consideram que as indisponibilidades suspendem os prazos processuais[3], ora que estas prorrogam apenas os prazos que vencem[4] e, por vezes, há a previsão correta de prorrogação dos prazos que iniciam e vencem[5]. Sendo necessário ainda considerar quando os Tribunais confundem os conceitos, informando suspensão e prorrogação na mesma certidão[6].
Importante ressaltar que, ao acompanhar a jurisprudência de cada Tribunal citado, podem ocorrer diferenças entre a alteração que está definida nos Atos Normativos do Tribunal e a alteração que está sendo considerada na análise de tempestividade em questão[7].
Por fim, há Tribunais que sequer especificam a alteração dos prazos na certidão de indisponibilidade[8].
Assim, considerando-se que o Código por vezes não é observado, não há segurança jurídica de como o magistrado irá considerar aquela indisponibilidade: prorrogação dos prazos que iniciam e vencem conforme o Código? Prorrogação apenas dos prazos que vencem conforme costume de outros Tribunais?
Poder-se-ia utilizar o argumento falho que as indisponibilidades eletrônicas envolvem uma modernização, e que os Tribunais, ainda que lentamente, estão se atualizando. Entretanto, este argumento é totalmente falho, visto que o processo eletrônico está sendo implementado no Brasil desde 2006, bem como existem regras claras de alteração dos prazos em razão de indisponibilidade eletrônica no CPC e em leis específicas (ver art. 10 §2º, da Lei nº 11.419/2006).
No entanto, ainda que se utilize este argumento, nada justifica que os Tribunais confundam outros conceitos simples relacionados ao expediente. Isto é, quando ocorrem expedientes parciais (iniciados depois ou encerrados antes do normal), nem sempre os Tribunais observam a regra de prorrogar os prazos que iniciam e vencem prevista no art. 224, do CPC.
Como é possível observar, em caso de expediente parcial, os prazos podem ser considerados suspensos[9] ou prorrogados apenas aqueles que vencem[10]. Em raras oportunidades, o expediente parcial acarreta prorrogação dos prazos que iniciam e vencem[11].
É preciso entender que os prazos processuais são institutos essenciais ao processo. Sua importância é evidente ao considerarmos os seus efeitos preclusivos que, entretanto, não atingem os prazos impróprios (que geralmente têm como sujeitos os juízes e serventuários).
Mas, quando o próprio Poder Judiciário confunde os conceitos de prorrogação, suspensão e interrupção de prazos, é a parte que sofre os efeitos da preclusão sem ter dado motivo a tanto.
Além disso, verifica-se, com tantas confusões terminológicas, a inobservância do princípio da cooperação que, de acordo com o disposto no art. 6º, do CPC, obriga a que todos os sujeitos do processo cooperem entre si “para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Quando o emprego ambíguo de termos técnicos é utilizado por quem deveria ser o principal fiscal de seu uso – não se pode esquecer que, mais do que a parte adversa, é o juízo o fiscal do cumprimento dos prazos processuais pelas partes – não se pode ter outra que não a verificação de que não está havendo, de sua parte, cooperação processual.
E, quem perde, é o jurisdicionado.
Notas e Referências
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJDFT prorroga prazos do PJe de 1º Grau vencidos nesta sexta-feira, 12/3. 12 mar. 2021. DF: Brasília. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2021/marco/tjdft-prorroga-prazos-do-pje-1o-grau-vencidos-nesta-sexta-feira-12-3 >. Acesso em 02 jul. 2021.
ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça do Estado de Espírito Santo. Ato Normativo nº 29, de 07 de abril de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 6359, Vitória - ES, 08 de abr., 2021. Disponível em: <https://sistemas.tjes.jus.br/ediario/index.php/component/ediario/?view=content&id=1114111>. Acesso em 02 jul. 2021.
GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Interrupções do sistema - Processo Judicial. GO: Goiânia. Disponível em: <https://projudi.tjgo.jus.br/RelatorioInterrupcoes>. Acesso em 02 jul. 2021.
MARANHÃO. Tribunal de Justiça do Estado de Maranhão. Portaria Conjunta nº 57, de 11 de novembro de 2020. Diário de Justiça Eletrônico, nº 206, São Luís - MA, 13 de nov. 2020, p. 66-67. Disponível em: <https://www3.tjma.jus.br/diario/diarios/2020/diario_12112020_112000_206.pdf >. Acesso em 02 jul. 2021.
_____. Tribunal de Justiça do Estado de Maranhão. Portaria TJ nº 4605, de 09 de dezembro de 2020. Diário de Justiça Eletrônico, nº 226, São Luís - MA, 14 de dez. 2020, p. 4128-4129.Disponível em <https://www3.tjma.jus.br/diario/diarios/2020/diario_11122020_115518_226.pdf>. Acesso em 02 jul. 2021.
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação nº 0035210-75.2017.8.19.0014. Rel. Des. Odete Knaack de Souza, 22ª Câmara Cível, Rio de Janeiro, Julgamento em 17 de setembro de 2019. Disponível em: <http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=00045EFE0ED02D37D807A5EA96AE888B7DE9C50B133C325D>. Acesso em 02 jul. 2021.
_____. Apelação nº 0060860-97.2016.8.19.0002. Rel. Des. Luiz Roldão De Freitas Gomes Filho, 2ª Câmara Cível, Rio de Janeiro, Julgamento em 12 de julho de 2019. Disponível em: <http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=00044FC5DF1C82BE62FA0467A200CD6DA3F7C50A49233803>. Acesso em 02 jul. 2021.
_____. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ato Executivo nº 104, 21 de junho de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 189, Rio de Janeiro - RJ, 21 de jun., p. 03, 2021. Disponível em: <http://www4.tjrj.jus.br/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=214069&integra=1 >. Acesso em 02 jul. 2021.
_____. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ato Executivo nº 52, 20 de fevereiro de 2019. Diário de Justiça Eletrônico, nº 118, Rio de Janeiro - RJ, 26 de fev., p. 02, 2019. Disponível em: <https://dje.tjsp.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=15&nuDiario=3220&cdCaderno= 10&nuSeqpagina=3>. Acesso em 02 jul. 2021.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Aviso SEMA 1. 1. 2., de 18 de fevereiro de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 3220, São Paulo - SP, 18 de fev. 2021, p. 3. Disponível em: <https://dje.tjsp.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=15&nuDiario=3220&cdCaderno= 10&nuSeqpagina=3>. Acesso em 02 jul. 2021.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil –Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Volume I. 56ª ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
TOCANTINS. Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins. Decreto Judiciário nº 129, de 11 de fevereiro de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 4902, Palmas - TO, 11 de fev., p. 07. 2021. Disponível em: <https://wwa.tjto.jus.br/diario/diariopublicado/3917.pdf>. Acesso em 02 jul. 2021.
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto, p. 677.
[2] ASSIS, Araken de, p. 161.
[3] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Ato Normativo nº 29, de 07 de abril de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 6359, Vitória - ES, 08 de abr., 2021
[4] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO DISTRITO FEDERAL. TJDFT prorroga prazos do PJe de 1º Grau vencidos nesta sexta-feira, 12/3. 12 mar. 2021. DF: Brasília.
[5] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo nº 104, 21 de junho de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 189, Rio de Janeiro - RJ, 21 de jun., p. 03, 2021.
[6] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS. Decreto Judiciário nº 129, de 11 de fevereiro de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 4902, Palmas - TO, 11 de fev., p. 07, 2021.
[7] As indisponibilidades ocorridas nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2019, no TJRJ, regulamentadas pelo Ato Executivo nº 52/2019, foram consideradas que ora suspenderam os prazos processuais como na Apelação nº0060860-97.2016.8.19.0002/TJRJ, ora prorrogaram os prazos que iniciaram e venceram nestes dias como na Apelação nº 0035210-75.2017.8.19.0014/TJRJ. (Apelação nº 0060860-97.2016.8.19.0002 / TJRJ, Rel. Des. Luiz Roldão De Freitas Gomes Filho, 2ª Câmara Cível, 12-07-2019. Apelação nº 0035210-75.2017.8.19.0014 / TJRJ, Rel. Des. Odete Knaack de Souza, 22ª Câmara Cível, 17-09-2019. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo nº 52, 20 de fevereiro de 2019. Diário de Justiça Eletrônico, nº 118, Rio de Janeiro - RJ, 26 de fev., p. 02, 2019).
[8] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. Interrupções do sistema - Processo Judicial. GO: Goiânia.
[9] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Aviso SEMA 1. 1. 2., de 18 de fevereiro de 2021. Diário de Justiça Eletrônico, nº 3220, São Paulo - SP, 18 de fev., p. 3, 2021.
[10] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. Portaria Conjunta nº 57, de 11 de novembro de 2020. Diário de Justiça Eletrônico, nº 206, São Luís - MA, 13 de nov., p. 66-67, 2020.
[11] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. Portaria TJ no 4605, de 09 de dezembro de 2020. Diário de Justiça Eletrônico, nº 226, São Luís - MA, 14 de dez., p. 4128-4129, 2020.
Imagem Ilustrativa do Post: Martelo, justiça // Foto de: QuinceMedia // Sem alterações
Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/martelo-leilão-justiça-legal-juiz-3577254/
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/