ABDPRO #161 - SUSPENSÃO DO PROCESSO PARA REALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO: INTERFACE DA LEI 13.140/15 E DO CPC/15  

23/12/2020

 Coluna ABDPRO

A mediação de conflitos integra o chamado Fórum Multiportas, uma política pública que surgiu nos Estados Unidos da América (EUA) como instrumento de tratamentos de conflitos fora do âmbito do judiciário. O Brasil, ao conceber sua política judiciária, optou por incluir a mediação no Código de Processo Civil (CPC) de 2015, atribuindo, ao Judiciário, a função de regular, de fomentar e de proporcionar a autocomposição ao órgão judicante.

Assim, a partir dessa institucionalização, a conexão entre mediação e processo judicial vem sendo refletida e experimentada pelos estudiosos do Direito.

Este ensaio se insere nessa perspectiva e busca verificar interfaces entre a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil de 2015, no que tange à suspensão do processo judicial em curso para realização da mediação.

O art. 16 da Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação) estabelece que a mediação pode ser realizada em qualquer momento do processo, mesmo que o caso já esteja em andamento. Dessa forma, havendo interesse das partes, deve-se formalizar um requerimento ao juiz que, por sua vez, suspende o processo em andamento por prazo determinado para que as partes solucionem o conflito via mediação. 

No que se refere ao prazo de suspensão, a Lei da Mediação é silente quanto ao respectivo tempo de duração. Pelos termos do citado art. 16, as partes devem acordar o prazo que entenderem necessário à consecução da mediação, requerendo sua autorização ao magistrado:

Art 16.  Ainda que haja processo arbitral ou judicial em curso, as partes poderão submeter-se à mediação, hipótese em que requererão ao juiz ou árbitro a suspensão do processo por prazo suficiente para a solução consensual do litígio.

No entanto, o Código de Processo Civil prevê a convenção das partes para suspensão do processo pelo período máximo de seis meses:

Art. 313.  Suspende-se o processo:

[...]

II - pela convenção das partes;

[...]

§4oO prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II.

No processo judicial, pelo CPC, as partes podem convencionar a suspensão do processo por um período de até seis meses, ao fim do qual, no primeiro dia útil subsequente, o processo volta a correr automaticamente.[1]   

Cassio Scarpinella Bueno entende ser possível exceder esse prazo de seis meses justamente pelo fato de o art. 16 da Lei de Mediação prever a discricionariedade das partes para convencionar o tempo que considerarem hábil e adequado à resolução do conflito. Com isso, tal norma admite a suspensão do processo “por prazo suficiente para a solução consensual do conflito”. [2]

Eduardo Talamini corrobora esse entendimento, ao dizer que “a suspensão processual requerida pelas partes para o desenvolvimento de mediação constitui regra especial, inconfundível com a regra da mera suspensão convencional”.[3]

No entanto, esse mesmo autor pondera que, se se verificar que as partes estão se valendo da suspensão do processo com objetivos escusos, o juiz pode proferir uma decisão que frustre tal propósito e, consequentemente, retomar ou extinguir o processo[4].   

Outro ponto a ser analisado é que o citado art. 16 da Lei nº 13.140/2015 se refere à mediação extrajudicial, isto é, à mediação realizada fora do âmbito do Judiciário, “aquela não realizada incidentalmente a um processo como consequência da provocação feita pelo próprio juiz, em sessão oportuna (CPC, art. 334) ou a qualquer tempo (CPC, art. 139, IV)”[5]. Essa previsão fortalece o entendimento de que a suspensão do processo judicial deve se dar “por prazo suficiente para a solução consensual do litígio”, ou seja, enquanto durarem os procedimentos da mediação extrajudicial.

Nota-se, ainda, que o art. 16 revela o princípio da liberdade e do poder de decisão das partes. Como lecionam Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto,

Essa disposição legal está em consonância com o princípio da liberdade e do poder de decisão das partes. Sempre que, em comum acordo, for solicitada a suspensão do processo judicial ou arbitral para se submeter à mediação, esse pedido deve ser deferido. É direito das partes e dever do juiz e/ou o arbitro em conceder.[6] 

Uma questão que se revela, no caso de suspensão do processo, encontra-se prevista no § 1o do mesmo art. 16, que diz: “é irrecorrível a decisão que suspende o processo nos termos requeridos de comum acordo pelas partes.” Por esse parágrafo, as partes não podem desistir da suspensão do processo ensejada por elas com o objetivo da mediação, ou seja, não podem recorrer da decisão que atendeu ao que elas mesmas convencionaram. Nesse ponto, entende-se que caberia ao juiz verificar se o pedido de suspensão do processo foi feito de modo conjunto e consensual. Assim, o juiz não teria competência nem sequer de “exigir a comprovação de que o procedimento de mediação foi instaurado.”[7] 

Entenda-se que essa irrecorribilidade não impede que atos urgentes sejam resolvidos no processo, pois o § 2º da mencionada Lei da Mediação permite a concessão de medidas urgentes para evitar danos irreparáveis.

Observa-se, aí, uma interface da Lei de Mediação com o CPC: enquanto aquela, de forma expressa, prevê que em se tratando de “suspensão do processo, não obsta a concessão de medidas de urgência pelo juiz”[8], esse estabelece que, no processo judicial, é cabível o pedido de tutelas provisórias durante a suspensão do processo para evitar que, no caso concreto, ocorram danos irreparáveis ou de difícil reparação.

Assim, não há óbice de se requererem tutelas provisórias quando houver suspensão de processo judicial, como prevê o art. 296, parágrafo único, CPC/15: “Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo”.

De acordo com Eduardo Talamini,

O §2º do art. 16 da lei 13.140 não faz mais do que reiterar a regra geral do art. 134 do CPC. De resto, parágrafo único do art. 296 tem a mesma inspiração. Salvo expressa e fundamentada decisão no sentido oposto, a tutela provisória (fundada na urgência e na evidência) anteriormente concedida mantém seus efeitos no período em que o processo está suspenso.

Assim, nos casos de suspensão do processo judicial para realização da mediação, é permitida, de forma excepcional, a concessão de tutela provisória, já que o parágrafo único do art. 296 do CPC e o §2º do art. 16 da Lei de Mediação encerram a mesma ideia normativa.

Ante o exposto, conclui-se que há interfaces entre a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil quanto à suspensão do processo, podendo-se inferir que se forma, com isso, um microssistema de autocomposição ou, nas palavras da saudosa professora Ada Pellegrini Grinover, um “minissistema [...] de métodos consensuais de solução judicial de conflitos”.[9]

 

Notas e Referências 

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3.ed. São Paulo: Saraiva Juídica, 2017. Volume Único.

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Métodos consensuais de solução de conflito no novo CPC. In: Vários Autores (Org.). O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015

BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Lei da Mediação. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública e altera outras leis. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/ l13140. htm. Acesso em: 9 nov. 2020.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/ L13105. htm Acesso em: 9 nov. 2020

SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo (Org.). Mediação, conciliação e arbitragem: artigo por artigo de acordo com a Lei  n. 13.140/2015, Lei 9397/96 e Lei 13.105/2015 e com Resolução 125/2010 do CNJ (Emendas I e II) Rio de Janeiro: FGV, 2016.

TALAMINI, Eduardo. Suspensão do Processo Judicial para a Realização de Mediação. In CABRAL,Trícia Navarro Xavier; CURY, Cesar Felipe(Coord.) Lei de mediação comentada artigo por artigo. Indaiatuba: Foco, 2018

[1] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 13.ed. São Paulo: Saraiva, São Paulo, 2016. p.384.

[2] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3.ed. São Paulo: Saraiva Jurídica, 2017. p.299.

[3] TALAMINI, Eduardo. Suspensão do processo judicial para a realização de mediação. In CABRAL, Trícia Navarro Xavier; CURY, Cesar Felipe (Coord.). Lei de mediação comentada artigo por artigo. Indaiatuba: Foco, 2018. p. 92

[4] CPC. “Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé.”

[5] Idem p. 93

[6] SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo (Org.) Mediacão, conciliação e arbitragem: artigo por artigo de acordo com a Lei  n. 13.140/2015, Lei 9397/96 e Lei 13.105/2015 e com Resolução 125/2010 do CNJ (Emendas I e II) Rio de Janeiro: FGV, 2016. p.50

[7] Idem p.95

[8] Lei nº 13.140/15.” Art. 16. § 2o A suspensão do processo não obsta a concessão de medidas de urgência pelo juiz ou pelo árbitro.”

[9] GRINOVER, Ada Pellegrini. Métodos consensuais de solução de conflito no novo CPC. In:  Vários autores (Org.) O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p.3.

 

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