ABDPRO #136 - FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA TUTELA PROCESSUAL DE URGÊNCIA

01/07/2020

Coluna ABDPRO

O presente artigo tem por escopo primordial analisar os fundamentos constitucionais da tutela processual de urgência.

Para tanto, pretende-se realizar uma análise do direito fundamental à inafastabilidade da tutela jurisdicional, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, e do direito fundamental à duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988.

Vale dizer, verificar seus fundamentos constitucionais, pois o Estado deve assumir a jurisdição e conferir às pessoas o direito de agir na proteção de seus direitos ou em caso de ameaça a direitos.

Assim, é essencial a efetividade do processo para a proteção e realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Além disso, importa que o resultado prático seja conseguido no menor tempo, desde que observadas as demais garantias processuais. É o que se entende por direito fundamental à razoável duração do processo insculpido no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, podendo inclusive a tutela jurisdicional ser concedida preventivamente.

 

Fundamentos constitucionais da TUTELA PROCESSUAL DE URGÊNCIA

A Constituição Federal garante o acesso à justiça em seu art. 5º, XXXV, o qual afirma “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Tal garantia consiste no direito de todos a uma prestação jurisdicional efetiva (MARINONI, 2008, p.140).

Mas não há como esquecer, quando se pensa no direito à efetividade em sentido lato, de que a tutela jurisdicional deve ser tempestiva (direito fundamental à duração razoável do processo – art. 5º, LXXVIII, CF) e, em alguns casos, ter a possibilidade de ser preventiva. Antigamente, questionava-se sobre a existência de direito constitucional à tutela preventiva. Dizia-se, simplesmente, que o direito de ir ao Poder Judiciário não incluía o direito à ‘liminar’, desde que o jurisdicionado pudesse afirmar lesão ao direito e vê-la apreciada pelo juiz.

Atualmente, diante da inclusão da ‘ameaça a direito’ na verbalização do denominado princípio da inafastabilidade, não há mais qualquer dúvida sobre o direito à tutela jurisdicional capaz de impedir a violação do direito. (MARINONI, 2008, p. 141)

Em verdade, trata-se de assegurar a todos o efetivo acesso à ordem jurídica justa, considerada pelo oferecimento da proteção jurídica estatal ao interesse jurídico tutelado na esfera do direito material (BEDAQUE, 2009, p. 65-66).

Necessário apontar que todos podem pleitear a tutela jurisdicional, mesmo que ao final não sejam vencedores em suas demandas, o que não retira o direito de provocar o Estado-Juiz, conforme está assegurado na presente Constituição Federal.

Bedaque (2009, p. 31-32), discorrendo acerca do direito ao pronunciamento sobre a situação jurídica material, afirma:

Direito ao pronunciamento sobre a situação jurídica material somente têm aqueles que preencherem determinados requisitos, denominados por parte da doutrina de condições da ação. Trata-se, aqui, de algo mais que o simples direito de ingresso em juízo. O titular da ‘ação processual’ tem direito ao pronunciamento judicial sobre a situação da vida trazida ao processo, ainda que desfavorável. No processo de conhecimento fala-se em direito à sentença de mérito.

[...]

Percebe-se a cada uma dessas etapas uma aproximação maior da situação substancial. Trata-se de uma escalada, que vai do direito quase absoluto de ingressar em juízo, abstrato e incondicionado, fenômeno identificado com a garantia de acesso ao devido processo constitucional, até o direito à proteção ao interesse material mediante o provimento jurisdicional. Este pode conter o reconhecimento de uma situação de vantagem a uma das partes, assegurada por uma norma de direito substancial (processo de conheciemento); ou a efetivação do interesse juridicamente protegido (processo de execução. Parte-se do poder de ingressar em juízo e chega-se à tutela jurisdicional.

Com efeito, o acesso à justiça é um direito humano básico de um sistema jurídico moderno e igualitário, pois pretende garantir os direitos de todos, não bastando apenas proclamá-lo.

Como dito, é necessário o acesso efetivo à tutela jurisdicional. Este deve ser o entendimento do art. 5º, XXXV, da CF.

Ora, no Estado Democrático de Direito, é proibida, em regra, a autotutela (autodefesa), que se configura pela forma mais primitiva de resolução de conflitos, quando inexiste uma autoridade com capacidade para decidir e fazer valer sua decisão, sendo os conflitos resolvidos pela força (CARREIRA ALVIM, 2014, p. 8).

Deve o Estado, por outro lado, assumir a jurisdição e conferir aos particulares o direito de agir na proteção de seus direitos ou em caso de ameaça a direitos.

Assim, aquele que postula em juízo quer a inteira satisfação de seus interesses, voltando o olhar para a solução efetiva de sua demanda, não se contentando com qualquer resposta de mera garantia de acesso ao Poder Judiciário.

Ademais, o tema da efetividade é ressaltado em qualquer discussão relacionada à ciência processual, inclusive com relevância internacional, pois repercute nos instrumentos de proteção aos direitos humanos (CARACIOLA, SOUZA e FERNANDES, 2016, p. 62).

Portanto, a efetividade do processo é essencial para a proteção e realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

Aduz Moreira (1995, p. 97):

(a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, quer se possam inferir do sistema; (b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminados ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; (c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; (d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure a parte vitoriosa o gozo pleno da específica unidade a que faz jus segundo o ordenamento; (e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias.

Para a tutela ser efetiva, o processo deve ser munido de instrumentos adequados a esse mister, não importando que os sujeitos titulares de direitos sejam individuais ou coletivos. Interessa que o resultado prático seja conseguido no menor tempo, considerando as demais garantias processuais.

Afirma Ribeiro (2016, p. 54):

Como se vê, nesse contexto – da efetividade -, é imperioso falar em um processo civil de resultados, dotado de mecanismos e técnicas adequadas para alcançar satisfatoriamente os resultados pretendidos, dando-se vazão no plano processual para todos os direitos assegurados pelo direito material, fazendo-o da forma mais ágil, célere e eficaz, com o menor dispêndio de tempo e de recursos possíveis.

Assim, há o escopo social inegável do processo: garantir acesso à ordem jurídica de forma justa.

Nesse passo, o acesso à justiça sintetiza os princípios e garantias do processo em nível constitucional, pois é justamente a eliminação dos conflitos o principal objetivo do processo que aquele que demanda ao Poder Judiciário pretende.

A efetividade do processo, pois, tem garantia constitucional.

Com efeito, a Constituição Federal estabelece garantias para o processo, tais como o devido processo legal, consubstanciado pelo contraditório, ampla defesa, juiz natural, vedação das provas ilícitas, assistência judiciária gratuita, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, e o dever de fundamentação/motivação das decisões judiciais (art. 5º, incisos LIV, LV, LIII, LVI, XXXIV, LXXVIII e 93, IX, respectivamente).

Merece destaque a concepção substancial do contraditório que influencia no dever de fundamentação do julgador, pois somente poderá ser objeto de sua decisão o que for submetido às partes, a fim de evitar a “surpresa”, que é incompatível com a concepção democrática do processo, salvo nas hipóteses que, casuísticamente, verifique-se a necessidade da tutela processual de urgência.

Nesse passo, assume grande importância o direito fundamental à razoável duração do processo insculpido no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, pois a tutela jurisdicional deve ser realizada de maneira tempestiva, inclusive preventivamente.

Dispõe o inciso LXXVIII do art. 5º, CF/88: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Com efeito, a tempestividade da tutela jurisdicional adequada é o desafio enfrentado por todos aqueles que buscam o acesso à justiça. Assim, é necessário que existam meios processuais com aptidão para proporcionar a tempestividade desejada, pois a demora alongada do processo, sem justificativa razoável, constitui um dos grandes males na busca pela resposta do Poder Judiciário.

Por outro lado, não se pode olvidar que existem causas complexas que exigem a prática de mais atos processuais, com prazos diferenciados e diversos meios de prova, a qual deveria ser produzida em sua plenitude, sem a ocorrência de presunções que possibilitariam, sob essa ótica, uma maior celeridade processual.

Como visto, o decurso do tempo causa perecimento de direitos. Nesse contexto, a própria Constituição Federal traz instrumentos como o Mandado de Segurança, individual ou coletivo (art. 5º, inciso, LXIX), com rito procedimental abreviado e com possibilidade de tutela de urgência liminar.

Assim, o nosso sistema constitucional está aparelhado com instrumentos processuais destinados à efetivação da tutela jurisdicional em um prazo razoável e com a celeridade necessária, pois, assim, evita-se que o fator tempo dificulte ou impeça a satisfação dos direitos.

Busca-se uma garantia constitucional de forma concreta diante dos instrumentos processuais colocados à disposição pela nossa Carta Magna. A tutela jurisdicional deve ser obtida em prazo razoável diante de cada situação jurídica material em que se instalou a controvérsia.

Afirmam Caraciola, Souza e Fernandes (2016, p. 63):

Sendo a missão do processo a solução dos conflitos e a pacificação com Justiça, é imprescindível que ele esteja aparelhado de meios capazes ao atingimento deste objetivo, de sorte que a efetividade do processo depende, principalmente, da predisposição de meios adequados à solução dos mais variados problemas surgidos no plano material. Assim, é preciso assegurar ao cidadão que recorre à Justiça uma análise ágil, eficaz e adequada à pretensão de direito material controversa, uma vez que o oferecimento de uma tutela jurisdicional apenas nominal não se revela suficiente à composição social.

Assim, o direito constitucional de ação para ser efetivo exige que sejam eliminados eventuais obstáculos sociais, econômicos, culturais e técnicos à atividade estatal.

Por fim, com relação ao desafio de superar a demora (tempo) do processo, tem-se, como já afirmado, uma probabilidade de não ser concedida nem realizada a tutela jurisdicional pretendida.

Nesse passo, a tutela de urgência merece destaque porque a sua natureza temporal exige a superação do princípio da razoável duração do processo, como um todo, para a sua concessão, uma vez que será concedida no início do procedimento, fazendo com que o acesso à justiça ocorra, ainda que de forma provisória, mas necessário diante das características do direito material pretendido.

CONCLUSÕES

Conclui-se, pois, que as tutelas de urgências podem/devem ser utilizadas pelo Poder Judiciário, diante do direito fundamental à inafastabilidade da tutela jurisdicional, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, e do direito fundamental à duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988.

Pode-se concluir, também, que a efetividade do processo supera a análise da celeridade, pois esta é somente um aspecto que a integra. Devem ser observados os demais direitos e garantias fundamentais, a fim de que seja evitada uma prestação jurisdicional açodada e que vá contra o objetivo da tutela justa emanada do Poder Judiciário.

Assim, através da análise dos direitos fundamentais processuais previstos na Constituição Federal de1988, o Estado deve assumir a jurisdição e conferir às partes, em direitos individuais ou coletivos, o direito de agir na proteção de seus direitos ou em caso de ameaça a direitos.

Desse modo, a efetividade do processo é essencial à proteção e realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

 

 

Notas e Referências

ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James; ALVIM, Teresa Arruda (coords). A liminar na ação cautelar e a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, Processo Tributário. São Paulo: Ed. RT, 1995.

ALVIM, J. E. Carreira Alvim. Teoria Geral do Processo. 16. ed. Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Gen Forense, 2014.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: Influência do direito material sobre o processo. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009a.

______. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009b.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

CARACIOLA, Andrea Boari; SOUZA, André Pagani de; FERNANDES, Luis Eduardo Simardi. Teoria Geral do Processo Contemporâneo. São Paulo: Ed. Gen/Atlas, 2016.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. São Paulo: Saraiva, 2002.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 18. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

______; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil, de acordo com a Lei 13.256, de 4.2.2016.  São Paulo: Malheiros, 2016.

KOEHLER, Frederico; MIRANDA, Gabriela Expósito Tenório. Da tutela provisória: um esboço de conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência.  In: COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos (coords.). Tutela Provisória. Salvador: Jus Podivm, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação de Tutela. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002.

______. Tutela Inibitória. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

______. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, v. 329, jan./mar. 1995.

MUNIZ FILHO, José Humberto Pereira; GUIMARÃES, Daniel Miaja Simões. Tutela de urgência antecipada: um ensaio topográfico sobre sua satisfação. In: COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos (coords.). Tutela Provisória. Salvador: Jus Podivm, 2016.

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: Tutela de urgência e tutela da evidência. Do CPC/1973 ao CPC/2015. São Paulo: Ed. RT, 2016.

SOUSA, Diego Crevelin de; RAMOS, Glauco Gumerato; PEREIRA, Mateus Costa; PEGINI, Adriana Regina Barcellos; MALAFAIA, Evie Nogueira e; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos; FERREIRA, Daniel Brantes; DELFINO, Lúcio. Processo e Liberdade. Estudos em homenagem a Eduardo José da Fonseca Costa. Paraná: Editora Toth, 2019.

TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

______. O Mandado de Segurança segundo a Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Paperwork // Foto de: Sarah // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/allthosedetails/7665289260

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura