A verdade nua e crua: “notícias de uma guerra particular” contextualizando a realidade brasileira há 16 anos! – Por Jonathan Cardoso Régis

24/09/2015

E há aproximadamente 16 (dezesseis) anos, foi disponibilizado e veiculado o documentário intitulado “Notícias de uma Guerra Particular”, como resultado de um levantamento minucioso realizado entre os anos de 1997 e 1998, tendo por finalidade demonstrar a guerra (literalmente falando), entre Estado e a narcotraficância.

A produção do referido documentário ficou sob a responsabilidade de João Moreira Salles e Kátia Lund, os quais buscaram demonstrar de que forma a violência é construída e acaba por alicerçar o medo, assim como também a insegurança, ante a inércia (ou ineficácia) do Estado e, por que não dizer, da própria sociedade.

O citado documentário encontra-se disponibilizado no youtube (aqui), apresentando, o cotidiano e a visão de alguns atores sociais, mais precisamente a realidade da comunidade da Favela Santa Marta, situada no Rio de Janeiro, quais sejam: o Estado, representado pelos órgãos de Segurança Pública, o traficante e os “meninos do tráfico”, recrutados para o submundo do crime e a comunidade, sob duas óticas, a primeira, condescendente com a prática delitiva e, a segunda, demonstrando pessoas de bem e trabalhadoras, as quais não dependem do tráfico de drogas para continuar a vida, onde todos encontram-se envolvidos nessa “guerra particular”.

Retrata-se, traçando um paralelo entre as falas de moradores, dos traficantes e da polícia, colocando todos no mesmo patamar de envolvimento em uma guerra que não é uma "guerra civil", mas uma "guerra particular".

Assim, versa a presente resenha, em traçar uma breve reflexão acerca da violência que assola o território brasileiro, em especial, decorrente do tráfico de drogas e seus desdobramentos.

Para tanto, parte-se da análise demonstrada aproximadamente à 16 (dezesseis) anos, através do documentário “Notícias de uma guerra particular”,.

Em síntese, não se busca estabelecer a responsabilidade dos fatos, mas tão somente, como já asseverado, abordar uma visão geral a respeito da criminalidade e suas conseqüências na sociedade brasileira, a origem e os pontos mais críticos que as pessoas enfrentam no dia a dia[1], decorrente a precariedade do sistema prisional, da ineficácia ou inexistência de políticas públicas, com vistas a minimizar ou frear a violência e o tráfico de drogas que, literalmente, descarrilaram do trilho.

Um dos maiores problemas da sociedade brasileira, como sabemos, está no alto índice de crimes, os quais acabam por refletir e afetar o meio social, este problema se origina através do sistema governamental precário do país.

Como exemplo tem-se a falta ou precariedade no saneamento básico, hospitais sem infra-estrutura, a ausência de profissionais para prestar atendimento devido aos cidadãos (que dependem do sistema público de saúde), escolas abandonadas, desvalorização dos profissionais da educação, falta de emprego e oportunidade, ou seja, direitos sociais básicos.

Sabe-se que a criminalidade é decorrente da falta de planejamento e iniciativa do governo perante as comunidades carentes, sendo que apenas os órgãos de segurança pública não conseguirão solucionar tal problemática, mas tão somente a amenizá-lo, uma vez que a solução a ser alcançada é a longo prazo, somada a união do governo e das instituições na manutenção da ordem na sociedade.

É essencial o apoio e aproximação do governo nas comunidades, a fim de cientificarem-se quanto aos problemas mais graves, as dificuldades enfrentadas diuturnamente, estabelecendo planejamento mais completo na busca de soluções aos problemas que afetam tais comunidades carentes.

O Criminoso, o controle social e vítima

Como mostra o documentário, as pessoas ao mesmo tempo em que sofrem com os crimes na comunidade, devido ao tráfico, também necessitam de apoio (alimentos, remédios, educação, saúde, etc) e, em decorrência da ausência do Estado, o criminoso acaba por assumir esse papel, gerando com o tráfico de drogas um círculo vicioso e responsável pelo desencadeamento de outras práticas delitivas, como o homicídio, crimes contra o patrimônio, corrupção, etc.

A criminalidade é reflexo da falta de estrutura nas comunidades carentes do nosso país, sendo que ao mesmo tempo que os criminosos criam conflitos, e geram vítimas, alguns prestam apoio as pessoas que necessitam de remédios e outros pertences que geram melhoria na vida do ser humano.

"[...] surgia da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas e, por isso, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinqüente não era diferente, [...] do indivíduo normal"[2]

Os fatores mais relevantes que giram em torno deste grave problema social são: tráfico de drogas, sistema de saúde e de educação precários, desigualdade social, etc.

Estes fatores fazem parte do ciclo do tráfico, e somente as instituições de Segurança Pública, leia-se Polícia Militar, Polícia Civil, Departamento de Administração Prisional, não irão solucionar este problema que afeta a sociedade como um todo.

É essencial o apoio e a aproximação do Estado perante as comunidades que necessitam ajuda e, assim, passarão a ter conhecimento a respeito da realidade vivenciada e sofrida por essas comunidades, com vistas a resolução do problema (que perdura décadas) a longo prazo.

A Sociedade e os problemas sociais: A ausência do Estado e de Políticas Públicas

Atualmente a sociedade vem sofrendo cada vez mais com a criminalidade, em virtude da ausência do Estado perante as comunidades carentes, as quais necessitam de apoio nas áreas de saúde, educação, segurança e emprego.

Os sistemas de saúde, segurança e educação estão totalmente defasados, o comércio de drogas por sua vez, dá origem há vários outros crimes que prejudicam a população (matriz criminal)

"A necessidade de segurança da cidadania não é somente uma necessidade de proteção frente à criminalização e aos processos de criminalização: é uma necessidade de ser e sentir-se garantida em todos os direitos, o de existir, de ser livre, de desenvolver as próprias capacidades, de se expressar e se comunicar, de ter uma qualidade de vida digna e gratificante, de ter voz e poder influir sobre as condições das quais, concretamente, depende a forma própria de ser e existir"[3]

Devido a ausência dos sistemas governamentais nas comunidades, a criminalidade ganha espaço e dá oportunidade a menores para que os mesmos entrem para o mundo do crime.

A falta de segurança na sociedade é reflexo do descaso dos governantes perante as pessoas que necessitam de segurança, educação e saúde para ter uma vida mais digna.

O índice de criminalidade, em especial, os de letalidade violenta, como os homicídios, que acabam por vitimar dezenas de pessoas anualmente, como resultado do crime organizado nas comunidades carentes e que passam a ultrapassar tais limites, deslocando tais índices de violência e não é de hoje que isso ocorre, para o que chama de “asfalto”, ou seja, os centros urbanos e até mesmo nas áreas rurais, onde o cidadão busca por maior tranqüilidade, o que muitas vezes, é utópico tal pensamento.

Tais números não sensibilizam o Estado na adoção de medidas e ações que tenham por finalidade frear, minimizar e prevenir o crescimento desordenado da violência, da criminalidade e do tráfico de drogas.

Agente de Segurança Pública no contexto Social

Atualmente o maior desafio da democracia brasileira, é (além de minimizar os altos índices de corrupção, os quais tomamos conhecimento pelos órgãos de imprensa) amenizar os conflitos sociais nas comunidades carentes onde os criminosos influenciam (e porque não dizer, recrutam) fortemente os jovens a ingressar ao mundo do crime.

Hoje os poderes governamentais, como já mencionado, estão muito ausentes das comunidades, as pessoas dependem do sistema público para solucionar os problemas e sem (ou quase nenhuma) eficiência.

O efeito se reflete através do crescimento da criminalidade na sociedade, que envolvem pessoas de boa índole, que são vitimadas como resultado do problema social e da ausência do Estado.

Os governantes que deveriam elaborar soluções para os problemas que a sociedade enfrenta, uma vez que os índices de criminalidade aumentam a cada ano, tornando a situação quase que insustentável nos estados brasileiros, sendo que apenas as instituições responsáveis pela manutenção e preservação da ordem pública não solucionam por si só a gravidade desses problemas.

É essencial a presença das instituições governamentais nas comunidades, tanto as instituições que são responsáveis pela preservação da ordem pública, quanto às instituições responsáveis pela preservação do sistema de educação e de saúde, por exemplo, tratando a todos, conforme previsão constitucional, sem distinção de qualquer natureza, e concedendo/permitindo a estes o acesso a direitos básicos, vitais a dignidade da pessoa humana.

Através da união das instituições responsáveis pela manutenção e preservação da sociedade é que talvez, possamos traçar mecanismos e ações com vistas a buscar (ou idealizar) soluções aos problemas que a sociedade brasileira enfrenta, uma vez que tão somente as instituições de Segurança pública, não são suficientemente capazes de restabelecer a paz e a ordem.


Notas e Referências:

[1] Sistema precário do governo, a corrupção, ausência de ações na área de educação, saúde e a falta de oportunidade no mercado de trabalho para as novas gerações, dentre outros fatores.

[2] BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do Direito Penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 31.

[3] BARATTA, A. Defesa dos direitos humanos e política criminal. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: Revan, ano 2, n. 3, p. 57-69, 1997


 

Imagem Ilustrativa do Post: Violência no Complexo do Alemão - Um Mar de Maconha // Foto de:  Adriano Ferreira Rodrigues // Sem alterações

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