A traição amorosa na relação de emprego entre cônjuges enseja dispensa por justa causa? – Por Antonio J. Capuzzi

19/09/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

A relação de emprego entre cônjuges é perfeitamente possível de ser constatada, desde que provada a presença dos elementos configuradores do vínculo empregatício insculpidos no art. 3o, da CLT, já que não há impeditivo legal para tanto[1].

A jurisprudência trabalhista, reconhecendo a natureza jurídica peculiar da sociedade encetada entre os cônjuges, exige prova contundente dos pressupostos próprios da relação de emprego[2], de forma a superar a relação de afeto/pessoal existente entre ambos[3] ou, ainda, mitigar seus efeitos.

Também assim se manifestou a saudosa professora Alice Monteiro de Barros, ensinando que o parentesco e a afeição não constituem obstáculo para a formação do vínculo de emprego[4]. Na mesma linha, posiciona-se o Ministério do Trabalho e Emprego no Precedente Normativo n. 85, dispondo que “A caracterização da relação de emprego pode ser estabelecida entre familiares, não sendo o parentesco fator impeditivo da configuração do vínculo empregatício”, referenciando o art. 3o, da CLT.

Sendo legítima a formação do vínculo de emprego, de igual modo factível a sua resolução por justa causa cometida pelo empregado.

Prevê a alínea k do art. 482, da CLT[5], que um dos motivos para a resolução do contrato de trabalho por justa causa dá-se quando o empregado comete ato lesivo a honra do empregador.

Quanto ao alcance da expressão “ato lesivo”, sigo o posicionamento de Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Wagner Giglio e Vólia[6], de que qualquer ato do empregado que vulnere a honra do empregador é passível de enquadramento como ensejador de justa causa. Abraçando referido conceito elastecido, considera-se este, no particular, como toda conduta praticada pelo empregado que afronte a dignidade, respeitabilidade ou honorabilidade patronal.

Nessa ordem de ideias, a questão que se levanta é a seguinte: a traição amorosa reflete ato lesivo a ofender a honra do empregador?

Traição é a ausência de fidelidade prometida ou dedicada[7]. Numa relação conjugal, é dever recíproco dos cônjuges a fidelidade recíproca, a teor do art. 1.566, inciso I, do CC[8]. Com efeito, há que se argumentar que relação de emprego e relação conjugal não se misturam, fundamento com o qual concordo, embora entenda que uma poderá desaguar reflexos na outra.

A simultaneidade de dois contratos, um de sociedade conjugal e outro de trabalho entre as mesmas pessoas, sem dúvida alguma é capaz de gerar um partilhamento contratual a ponto de engendrar uma parcial promiscuidade entre eles. A partir disso, é possível argumentar que a conduta de um cônjuge/companheiro em um contrato não há que gerar efeitos em outro.

Ocorre que não há como dissociar totalmente ambos os contratos ainda que, como regra, vinculem apenas as partes pactuantes, pois o princípio da relatividade contratual permite que certos efeitos contratuais podem alcançar terceiros, aqui entendidos como os componentes relação oposta. Ou seja, os contratos de trabalho e de sociedade conjugal não possuem índole exclusivamente subjetivista, afetando, em certa medida o contrato parelho na medida em que o Direito permite.

Desse modo, conquanto teoricamente haja essa divisão dos contratos, em algumas situações, a conduta das partes poderá ensejar reflexos recíprocos, a exemplo da traição amorosa, que poderá ocorrer, inclusive, fora do local de trabalho.

Referida conduta praticada pelo cônjuge/companheiro-empregado contamina, invariavelmente, o contrato de trabalho, sendo possível enquadrá-la como ato lesivo a honra do empregador (que também é cônjuge/companheiro). Perceba que a tipificação desta modalidade de justa causa visa proteger o contrato de trabalho em razão da condição da pessoa ofendida[9], de forma que a ofensa obreira não precisa vincular-se ao contrato de trabalho.

Assim sendo, s.m.j., entendo que a traição amorosa é passível de ser enquadrada como ato tendente a ensejar a dispensa por justa causa do empregado.


Notas e Referências:

[1] Nesse sentido, Alexandre Agra Belmonte, citado por Cristiano Chaves de Farias em postagem no Facebook.

[2] VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CÔNJUGES. Não obstante a dificuldade de se identificar o verdadeiro contrato de trabalho formalizado entre cônjuges, naquelas situações em que o empregador, pessoa física ou pessoa jurídica de sociedade limitada - mais formal do que real-, em que um dos sócios é quem age como exclusivo dono, a doutrina entende ser possível o reconhecimento de contrato de trabalho entre cônjuges. Nesta vereda, não se pode admitir o matrimônio como forma de inclusão no quadro societário de uma empresa, muito menos como forma de rescisão do contrato de trabalho, quando este já estava em curso. Desta forma, deve-se perquirir acerca da existência das características básicas do contrato de trabalho: onerosidade, trato sucessivo, comutatividade e subordinação. (...) (TRT-10 - RO: 02619201210110000 DF 02619-2012-101-10-00-0 RO, Relator: Desembargador Dorival Borges de Souza Neto, Data de Julgamento: 19/03/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: 28/03/2014 no DEJT)

[3] TRT-3 - RO: 3050608 01041-2008-063-03-00-5, Relator: Antonio Fernando Guimaraes, Nona Turma, Data de Publicação: 04/02/2009,DJMG . Página 26. Boletim: Sim.

[4] Curso de Direito do Trabalho. Alice Monteiro de Barros – 7a edição – São Paulo: LTr, 2011. Página 245.

[5] Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (...) k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem

[6] Todos os eminentes doutrinadores citados por Vólia Bonfim Cassar, in: Direito do Trabalho. Vólia Bomfim Cassar – 11a edição. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2015.

[7] http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/traição/

[8] Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca;

[9] Curso de Direito do Trabalho. Gustavo Filipe Barbosa Garcia – 8a edição – Rio de Janeiro – Forense: 2014. Página 1.618.


 

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