A TOMADA DE DECISÃO APOIADA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

23/08/2019

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

A Tomada de Decisão Apoiada é um instituto criado e incluído ao Código Civil, por força do artigo 116, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que se perfaz no sentido de assegurar às pessoas com deficiência notas de apoio de que necessite para o exercício pleno da capacidade legal.

Proclama o artigo 1.783-A, do Código Civil, introduzido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, in verbis:

A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

Tal medida se perfaz no sentido de assegurar às pessoas com deficiência apoio para o exercício de determinados atos da vida civil, como casamento, maternidade/paternidade, transações jurídico-negociais, etc., com a escolha de pelo menos duas pessoas de confiança do próprio interessado.

Ressalte-se que a lei é flexível em relação à salvaguarda, não limitando as questões a serem apoiadas, o que pode ser definido pela pessoa com deficiência.

Assim, todos os apoios e salvaguardas apropriadas serão com vistas para o alcance da autonomia plena e liberdade da pessoa com deficiência, protegendo seus direitos, suas vontades e preferências.

Isso para que seja assegurado o direito de igualdade com as demais pessoas, preconizado no caput do artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Maria Helena Diniz pontua:

A opção pela tomada de decisão apoiada não conduz à perda da capacidade, mas a validade do negócio efetuado pelo deficiente. O portador de deficiência, portanto, preservará sua capacidade, visto que não será interditado[1].

Trata-se, portanto, de medida judicial, com pedido feito pela pessoa com deficiência, assistida por equipe multidisciplinar (assistente social, médico, psicólogo etc), para assegurar a autogestão dos atos da vida civil por parte da pessoa com deficiência.

O juiz ouvirá a parte interessada no apoio e seus apoiadores, após oitiva do Ministério Público e se pronunciará sobre o pedido. Isso é o que dispõe a lei material, porque na lei processual não há qualquer tratamento sobre o tema.

Na formulação do pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência juntamente com seus apoiadores deve apresentar termo constando os limites do apoio, o compromisso dos apoiadores, bem como o prazo de vigência do acordo, consoante disposição do parágrafo 1º, do artigo 1.783-A, do Código Civil.

Os limites constantes do termo devem ser seguidos rigorosamente para que as decisões tomadas fronte ao instituto tenha validade, por disposição do parágrafo 4º, artigo 1.783-A[2], do Código Civil, podendo ainda o terceiro com quem o apoiado tenha relação solicitar a assinatura dos apoiadores no instrumento fruto da relação, consoante disposição do parágrafo seguinte, do mesmo artigo.

Os apoiadores na tomada de decisão apoiada deverão assumir compromisso formal perante o Poder Judiciário e prestar contas[3] conforme as disposições da curatela, sob pena de destituição e responsabilização civil ou penal pelos danos causados.

Ressalte-se que, nos termos do parágrafo 7º e 8º, do artigo 1.784-A, do diploma supracitado, o apoiador que não cumprir os termos da decisão apoiada, ultrapassando os limites desta ou agindo com negligência, poderá ser destituído, mediante denúncia ao Ministério Público de qualquer interessado, dando espaço, assim, para nomeação de outro apoiador.

Poderá a pessoa apoiada, mesmo sem culpa do apoiador, “solicitar o término do acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada”, segundo o parágrafo 9º, do artigo 1.784-A, do Código Civil.   

Assim, é por acreditar na autonomia da pessoa com deficiência que o legislador deixou à escolha dos apoiadores e o pedido de tomada de decisão apoiada a cargo da pessoa com deficiência, bem como a sua revogação, como pode ser verificado no parágrafo 2º, do artigo 1.783-A[4], do Código Civil e no mencionado anteriormente.

A questão que surge é: Uma pessoa com deficiência mental, com grau de severidade elevado, terá o discernimento necessário para decidir a hora certa de pedir apoio via o instituto da tomada de decisão apoiada? E mais: conseguirá exprimir sua vontade plena na pronuncia e escolha de seus apoiadores?

Acreditamos ser “não” a resposta para as duas questões apresentadas, sobretudo em se tratando de pessoas com deficiência mental ou enfermidade que impossibilite a expressão de sua vontade. Portanto, “o novo dispositivo aplica-se aos casos de pessoas que possuem algum tipo de deficiência, mas podem, todavia, exprimir a sua vontade”[5].

Pondera, ainda, Maria Helena Diniz que, “para optar por este novel instituto, o deficiente deverá ter certa lucidez e um grau de discernimento”[6].

E se a equipe multidisciplinar e o Ministério Público constatar que a pessoa com deficiência não tem condições de fazer a escolha sem vícios, com a revogação do instituto da Interdição (inclusive do Código de Processo Civil como se verá) e a Tomada de Decisão Apoiada ser facultativa, como se dará a resolução desse tipo de demanda?

É mister ressaltar que, a curatela especial, da pessoa com deficiência mental, aduzida no artigo 1.780 do Código Civil[7], foi revogada pelo Estatuto em estudo para dar lugar ao instituto da tomada de decisão apoiada, privilegiando, assim, o espaço de escolha da pessoa com deficiência.

De toda sorte, o Estatuto da Pessoa com Deficiência não retirou a curatela ordinária do ordenamento civilista, mantendo-a em casos excepcionais, com natureza de “medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso”[8], o que deverá durar o menor tempo possível.

Nesse sentido aplaudimos o novel legislador, que deveria ter se posicionado de tal forma para todas as questões jurídico-negocial que envolvam pessoas com deficiência, sobretudo a mental, pois é cediço que a pessoa com deficiência, a depender do grau de seu discernimento mental é sim vulnerável, necessitando de amparo e maior proteção, por não ter discernimento.

Pois, como exposto por Maurício Requião, a teoria das incapacidades existe na ordem jurídica para proteger o incapaz:

É justamente para não ter ele o discernimento necessário para a prática dos atos da vida civil, de modo que praticá-los sem a interferência de terceiros lhe traria grandes chances de danos, que se retira de todo ou parcialmente a possibilidade de realizá-los[9].

Ainda conforme o Estatuto, a curatela mantida somente afetará os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o “direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”[10], mantendo o viés autônomo trazido pelo Estatuto à pessoa com deficiência.

Imperioso mencionar o Projeto Lei nº 757/2015, em tramitação no Congresso Nacional, que visa acabar de vez com as disposições do Código de Processo Civil que tratam da interdição, para dar lugar ao procedimento da tomada de decisão apoiada, como se desprende do texto, regime alternativo à curatela.

Mencionada revogação chega tarde, posto que atualmente, nas palavras de Flávio Tartuce, há “um atropelo legislativo”[11], razão pela qual se não há mais qualquer sorte do incapaz maior de 18 anos, para que se presta a instrumentalização da interdição disposta no CPC?

A única resposta possível para ainda haver o procedimento de interdição no CPC, além do descuido do legislador, é a instrumentalização da curatela excepcional (patrimonial e negocial).

De qualquer forma, o legislador pretende reparar referido equivoco revogando no Código de Processo Civil, dos artigos 747 ao 753, 755 e 756, que tratam especificamente da interdição e fazer incluir o procedimento da Tomada de Decisão Apoiada nos art. 747-A, 749-A, 749-B, 751-A, 752-A, 753-A, 755-A, 755-B, 756-A, 757, 759, §2º e 763-A.

Dispõe a ementa:

Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei do Senado nº 757, de 2015, dos Senadores Antonio Carlos Valadares e Paulo Paim, que altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para dispor sobre a igualdade civil e o apoio às pessoas sem pleno discernimento ou que não puderem exprimir sua vontade, os limites da curatela, os efeitos e o procedimento da tomada de decisão apoiada.[12]

Teoricamente falando pode parecer humano a liberdade e autonomia conferida à pessoa com deficiência para a promoção da igualdade em similitude com a pessoa sem deficiência, contudo, retirada a interdição também do Código de Processo Civil, como ficará a pessoa que não pode ou não detém a expressão da vontade para escolher seus apoiadores?

O fato é que, por ser instituto relativamente novo, só o tempo irá dizer como funcionará na prática forense.

 

Notas e Referências

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, v. 1 – 33 ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.

__________. A Nova Teoria das Incapacidades. Revista Thesis Juris. Publicado em: 21 ago. 2016. Disponível em: http://www.revistartj.org.br/ojs/index.php/rtj/article/view/426/pdf Acesso em: 17 ago. 2019.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, v. 6 – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.

KÜMPEL, Vitor Frederico; BORGARELLI, Bruno de Ávila.  A destruição da teoria das incapacidades e o fim da proteção aos deficientes. Migalhas. Publicado em: 12 ago. 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI225012,101048-A+destruicao+da+teoria+das+incapacidades+e+o+fim+da+protecao+aos Acesso em: 17 ago. 2019.

LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da (coordenadores). Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência – São Paulo: Saraiva, 2016.

LIMONGI, Viviane Cristina de Souza. A Capacidade civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal n. 13.146/2015): reflexos patrimoniais decorrentes do negócio jurídico firmado pela pessoa com deficiência mental; Dissertação (Mestrado em Direito), sob a orientação do Prof. Dr. Giovanni Ettore Nanni – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – São Paulo, 2017.  Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19707  Acesso em: 17 ago. 2019.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado, 12 ed. rev., ampl. atual. – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2017.

REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência, incapacidades e interdição. Coordenador Fredie Didier Jr. – Salvador: Juspodivm, 2016.

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I. Migalhas. Publicado em: 29 jul. 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com  Acesso em: 20 ago. 2019.

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte II. Migalhas. Publicado em: 26 ago. 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com  Acesso em: 20 ago. 2019.

[1] A Nova Teoria das Incapacidades. Revista Thesis Juris. Publicado em: 21 ago. 2016. Disponível em: http://www.revistartj.org.br/ojs/index.php/rtj/article/view/426/pdf, p. 283.

[2] “A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.”

[3] Código Civil. § 11.  Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de contas na curatela.

[4] “O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.”

[5] Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família, p. 700.

[6] A Nova Teoria das Incapacidades. Revista Thesis Juris. Publicado em: 21 ago. 2016. Disponível em: http://www.revistartj.org.br/ojs/index.php/rtj/article/view/426/pdf, p. 284.

[7] A disposição era a seguinte: “A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.”

[8] Estatuto da Pessoa com Deficiência. Art. 84, § 3º.

[9] Estatuto da Pessoa com Deficiência, incapacidades e interdição, p. 76.

[10] Estatuto da Pessoa com Deficiência. Art. 85 § 1º.

[11]  Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com Acesso em: 29 out. 2018.

[12] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7887419&ts=1559285065061&disposition=inline Acesso em: 20 ago. 2019.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Código de Processo Civil // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/23249263305/

Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura