A Copa do Mundo possui uma magia incomum, sobretudo para os brasileiros. Grande parte da população vibra em cada gol da seleção canarinho, famílias e amigos se unem para juntos comerem amendoim e pinhão, acompanhando uma cerveja ou chimarrão. Todo brasileiro tem alguma história para contar da Copa do Mundo. Onde estava quando Roberto Baggio chutou para fora em 94, o que fazia quando Ronaldo fez 2 gols em 2002.
É estranho, mas ao mesmo tempo sensacional, porque essa paixão e interesse pelo futebol, para grande parte das pessoas, surge muito forte quando tem Copa do Mundo. E, convenhamos, essa camiseta amarela fica muito mais bonita e orgulhosa em jogos de futebol da Copa do Mundo do que em manifestos por prisões e processos judiciais.
O mais interessante é que, na época de Copa do Mundo, todos viram técnicos de futebol, especialistas em táticas ofensivas e, sobretudo, saudosistas das seleções que encantaram o mundo com os últimos títulos. Não há qualquer problema nisso. Bem pelo contrário, é até divertido. A grande questão que tentarei demonstrar é a forma como passamos a tratar o Direito da mesma forma com que abordamos os pitacos de Copa do Mundo.
Vejam que, em tempos de midiatização do Poder Judiciário, é muito comum saber a escalação dos 11 (onze) Ministros do Supremo Tribunal Federal e errar grande parte dos 11 (onze) titulares eleitos pelo técnico Tite. Da mesma forma em que é possível reconhecer que um juiz de direito responsável por uma grande operação é tão assediado quanto um craque de futebol. Ainda, o que falar quando um interrogatório é aguardado e comentado, em revistas e plataformas virtuais, como se fosse uma final de Copa do Mundo?
Todas essas questões demonstram o problema que o Direito vem percorrendo em tempos atuais, em que a mídia adentrou a porta do fórum, transformou processos em verdadeiros palcos de especulações, com verdadeiros enterros de reputações, e, por consequência, diminuiu o direito enquanto ciência. No entanto, nada parece mais sintomático do que a Ministra Presidente da mais alta Corte anunciar à imprensa que o Supremo não fechará os ouvidos ao que pedem as ruas[1].
A decisão judicial não pode ser construída pelo que dizem as pessoas nas ruas, assim como não cabe ao magistrado preocupar-se com as opiniões e manchetes de jornais. A mão que segura a caneta de juiz não pode tremer por postagens no facebook. Isso porque, decidir em processo penal não é um ato de escolha, baseado em gostos e palpites, mas um compromisso constitucional-histórico em que cabe ao julgador interpretar o caso penal a partir da Constituição Federal e da tradição jurídica, pura e tão somente contando com a construção probatória realizada no caderno processual.
A partir de uma matriz que visa a resistir ao positivismo, a decisão judicial, portanto, precisa ser realizada a partir da integridade e coerência (Dworkin e Streck), preocupada com a autonomia do direito e a essência democrática do ato decisório. É para isso que o Brasil tem juízes.
A toga do juiz não é concedida por meio do voto, justamente porque o ato de julgar não pode estar atrelado às opiniões públicas e publicadas. A decisão não pode depender dos aplausos de uma população desiludida com os desmandos que assolam o país ou das críticas de quem quer que seja.
Não importa quem é o réu, nem o que bradam as ruas, a essência do juiz é ser a garantia de um cidadão contra a unanimidade.
Assim, deixemos a opinião das ruas para as comemorações de mais uma Copa do Mundo, para os palpites sobre a escalação, com suas faixas amarelas e gritos de gol. Aliás, a mais famosa injustiça que já aconteceu na história da humanidade ocorreu quando Pilatos lavou as mãos e deixou, uma decisão “judicial”, ser resolvida pela opinião das ruas.
Talvez também fosse essa a importância de tantos crucifixos nas salas dos juízes.
Notas e Referências
[1]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/06/30/o-clamor-por-justica-que-ecoa-pelo-pais-nao-sera-ignorado-por-essa-casa-diz-carmen-lucia-no-stf.htm.
Imagem Ilustrativa do Post: aguardando o gol do brasil // Foto de: dan vieira // Sem alterações
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