“Os médicos são contratados pela terceirizada como pessoas jurídicas, na imensa maioria das vezes, para fugir das responsabilidades trabalhistas e fiscais. É mais conveniente para o gestor contratar uma empresa do que formar uma equipe. Mais conveniente ainda é deixar de fiscalizar o trabalho contratado, eximindo-se de substituições de profissionais e problemas no atendimento.
O médico se torna um profissional itinerante, mudando seu local de trabalho de acordo com a necessidade da empresa.
Frequentemente, esse médico é impedido de se comprometer com a comunidade e com os pacientes pelo tempo reduzido de seu trabalho, quase sempre na forma de plantões semanais. Desaparece o vínculo médico-paciente e a continuidade do atendimento, pilar da boa prática médica.
Os médicos estabelecidos nos municípios geralmente não são contratados pelas empresas terceirizadas, o que acaba reduzindo seu mercado de trabalho, causando, ainda, desestímulo à fixação e interiorização dos médicos, tão desejada por todos. O médico presente e integrado às pequenas e médias comunidades tende a desaparecer.
A qualidade do atendimento médico torna-se uma questão secundária. É o retrato da nova realidade na saúde – não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o país, em que o médico não tem vínculo com o município. Assim, acaba por não se integrar aos serviços e profissionais da comunidade. É um cigano, um andarilho, um marinheiro sem porto.
A luta dos médicos e das entidades almeja concursos públicos, plano de carreira no serviço público e SUS, pisos salariais. A partir da aprovação da terceirização, esses objetivos tornam-se ideias e desejos cada vez mais distantes.”
(Fernando Weber Matos)[2]
S U M Á R I O
- Introdução
- Locus do direito à saúde
- Formas de prestação do serviço de saúde
- Possibilidades de terceirização na saúde pública
- Limites da terceirização na saúde pública
- Consequências da terceirização irregular
- Contratações temporárias e comissionamentos irregulares
- Atuação do Ministério Público do Trabalho
- Conclusão
- Referências bibliográficas
Resumo: abordagem das possibilidades e limites da terceirização na saúde pública mediante a análise do conjunto de fontes normativas regentes do direito humano à saúde e sua concreção no Brasil, especialmente a partir da Constituição da República e do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com estudo das formas de prestação do serviço de saúde, possibilidades e limites de terceirização, além das consequências da terceirização ilícita. Contratações temporárias e comissionamentos irregulares são mencionados en passant devido à prática de sua substituição por terceirização. Por fim, pontua-se a necessidade de atuação corretiva, repressiva e rigorosa do Ministério Público do Trabalho, mediante ações civis públicas de improbidade administrativa em face dos responsáveis por ilicitudes na saúde pública.
Abstract: approach to the possibilities and limits of outsourcing in public health in analysis of the set of regulatory sources of the human right to health and its concretion in Brazil, specially based on the Constitution of the Republic and the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, with a study of the ways of providing public health services, possibilities and limits of outsourcing, in addition to the consequences of illicit outsourcing. Temporary hirings and irregular commissioning are mentioned en passant due to the practice of their replacement by outsourcing. Finally, point a need for corrective, repressive and rigorous action by the Public Labor Ministry, through public civil actions of administrative impropriety against those who are responsible for illicit acts in public health.
Resumen: enfoque de las posibilidades y límites de la tercerización en la salud pública mediante el análisis del conjunto de fuentes reguladoras del derecho humano a la salud y su concreción en Brasil, especialmente en base a la Constitución de la República y al Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales , con un estudio de las formas de proporcionar servicios de salud, posibilidades y límites de la tercerización, además de las consecuencias de la tercerización ilícita. Las contrataciones temporales y el comissionamiento irregular se mencionan en passant debido a la práctica de su reemplazo por tercerización. Finalmente, se señala una necesidad de acción correctiva, represiva y rigurosa por parte del Ministerio Público del Trabajo, a través de acciones civiles públicas de improbidad administrativa contra quienes son los responsables de actos ilícitos en la salud pública.
Palavras-chave: saúde pública; terceirização; formas e possibilidades de terceirização na saúde; limites; ilicitude; desgoverno do caos; ações civis públicas de improbidade administrativa
Key-words: public health; outsourcing; ways and possibilities of outsourcing in public health; limits; unlawfulness; mismanagement of chaos; public civil actions of administrative impropriety
Palabras Clave: salud pública; tercerización; formas y possibilidades de tercerización en la salud; desgobierno del chaos; acciones civiles públicas de improbidad administrativa
Introdução
Em tempos de pós reforma trabalhista, crucial indagar dos limites à terceirização na saúde pública. Conhecer as normas aplicáveis e o substrato social eleito para os princípios que regem a saúde pública no Brasil, com os consequentes desdobramentos relativos à contratação de pessoal para a consecução de uma das atividades mais primordiais do Estado é essencial para definir a quaestio em análise neste estudo.
Infelizmente, a realidade encontrada na prestação dos serviços de saúde pública é, notoriamente, nada mais e nada menos que caótica: no geral, prestada por profissionais vinculados de forma precária e sem as condições de trabalho necessárias para o desempenho responsável da atividade.
Décadas de descaso à criação de um corps d’État que garanta a continuidade e qualidade do serviço público de saúde, como também em relação à prática recorrente e abusiva de contratação emergencial e licitação emergencial para aparelhamento das unidades de saúde dão a tônica do desenho da situação atual, muitas vezes até desejada pelo gestor público: o desgoverno do caos[3], no qual as licitações de medicamentos e material hospitalar permitem ágio dissimulado pela emergência, enquanto a precariedade e temporariedade de admissões para cobrir os claros no serviço justificam apadrinhamentos de toda sorte e terceirizações abusivas, também procedidas com ágio.
Ou seja: um sintoma grave de corrupção aliada à deficiência e ineficiência da prestação do serviço público de saúde, impactando a população usuária do sistema num quadro dantesco de miséria, tragédia e desgraça.
Esta realidade não pode nem deve ser ignorada ao tratar da temática da terceirização: ela é parte necessária do entendimento do problema e da resistência dos gestores públicos na solução ou no abandono da prática.
E é neste sentido que o objeto deste estudo visa a contribuir mediante o traçado da lógica-constitucional e social brasileira relativa à saúde pública para definir os limites e possibilidades da terceirização na saúde pública.
Locus do direito à saúde
As modernas teorias sobre os direitos humanos qualificam os DESC – direitos econômicos, sociais e culturais, encontrando-se neles o direito à saúde, no mesmo plano dos chamados direitos humanos de primeira geração[4].
Com efeito, o pensamento jurídico atual não comporta mais a distinção entre direitos humanos de primeira, segunda, terceira ou quarta geração – senão no sentido meramente classificatório para fins didáticos, porquanto todos estão interligados e o descumprimento de um compromete o de todos os demais[5].
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948, prevê o direito à saúde como direito humano[6], e o Brasil, por sua vez, é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[7], adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, cujo art. 12 prevê o seguinte (Decreto 591/92):
ARTIGO 12
- Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.
- As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. (Grifou-se)
No plano constitucional, a menção do direito à saúde, enquanto direito humano, encontra-se no art. 6º da Constituição da República[8]. Por definição constitucional, trata-se, pois, de um direito social cujos fundamentos residem, como também em relação aos demais direitos sociais, nos postulados contidos no art. 1º da Constituição: cidadania; dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho (em referência à saúde enquanto prestação de serviço de ordem pública).
Como todos os DESC, a sua concretização é fundamental para a realização dos objetivos fundamentais da República relativos à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; redução das desigualdades sociais; promoção do bem de todos; erradicação da pobreza e da marginalização; garantia do desenvolvimento nacional.
Superada pela teoria crítica dos direitos humanos se encontra a discussão sobre a eficácia dos DESC, atualmente entendidos como dotados de plena e imediata exigibilidade, na exata forma do art. 5º, §1º, da Constituição, de modo que o direito à saúde também possui esta característica.
Neste diapasão, o art. 2º da Lei 8080/90[8] reforça o status de direito fundamental do ser humano o direito à saúde, prevendo expressamente a obrigação do Estado de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Esta norma se conjuga ao art. 37, caput, da Carta Republicana, ao destacar o princípio da eficiência na Administração Pública, impondo ao administrador o dever da eficiência na prestação de serviços de saúde pública, como direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF)[10].
Com estes breves lineamentos, se compreende o grau de importância do direito à saúde no ordenamento pátrio, a demandar comprometimento e esforço estatal para a sua concreção.
Formas de prestação dos serviços de saúde
As formas de como se operacionaliza a prestação dos serviços de saúde estão, basicamente, previstas na Constituição, cujo art. 197 estabelece que a execução das ações e serviços de saúde se dará através do Poder Público diretamente ou através de terceiros, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
No âmbito da Administração Pública direta e indireta, as ações e serviços de saúde correspondem ao denominado Sistema Único de Saúde (SUS). Já para a iniciativa privada, o art. 199 da CF reservou a condição de assistência à saúde, caracterizada pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados e de pessoas jurídicas e de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde, conforme regulamentado na Lei 8080/90[11].
O Sistema Único de Saúde – SUS, conforme a Constituição, opera com financiamento de recursos públicos e compreende as ações para garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, e, também, dentre outras atividades:
- ações e serviços de saúde (art. 198): promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (art. 5º, III, da Lei 8080/90);
- execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador (art. 200);
- ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde (art. 200);
- incremento do desenvolvimento científico e tecnológico (art. 200);
- colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200).
Por outro lado, a CF prevê que também a iniciativa privada obedece parâmetros na prestação de serviços de saúde, relativas à participação de forma complementar do SUS e com observância de suas diretrizes, mediante contrato de direito público ou convênio, e preferência às entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos, com vedação à participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo nos casos previstos em lei.
As diretrizes do SUS, segundo o art. 198 da CF, compreendem a descentralização, o atendimento integral (conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema - princípio contido no art. 7º, II, da Lei 8080/90), e a participação da comunidade.
Neste norte, resta bem claro que o papel do Estado é essencial, fundamental e primário na saúde pública, tendo a iniciativa privada caráter meramente secundário e acessório.
É por este prisma, ou seja, da conjugação do art. 197 ao 199 da Constituição que se compreende a prestação do serviço de saúde por terceiros: sempre em caráter complementar e acessório.
Possibilidades de terceirização da saúde pública
Com estas notas introdutórias sobre o direito à saúde e a forma de sua regulamentação no plano normativo interno, é possível extrair duas conclusões importantes: 1) a prestação deste serviço é de responsabilidade primária estatal, ante a posição do Estado como garante e provedor das condições indispensáveis ao exercício do direito à saúde; 2) o papel da iniciativa privada se dá em caráter meramente complementar à atividade estatal e, mesmo assim, em obediência às diretrizes do Sistema Único de Saúde.
No que tange à terceirização da saúde pública, é interessante anotar que o termo compreende três modalidades bastante distintas para os efeitos da legislação trabalhista:
- mediante contrato, convênio ou termo de parceria de gestão: é a transferência da unidade de saúde pública para gerenciamento, execução e prestação de serviços públicos de saúde pela entidade privada contratada, ou seja, por outras palavras, PRIVATIZAÇÃO[12].
- mediante contrato ou termo de parceria para prestação de serviços públicos de saúde: contratação de mão-de-obra complementar para prestação de serviços em toda a unidade de saúde pública ou em determinado setor, ou fora dela – TERCEIRIZAÇÃO[13] propriamente dita;
- mediante criação pelo Estado de um ente próprio para execução do serviço (e.g., autarquia, fundação pública), consoante permissivo do art. 198 da CF – DESCENTRALIZAÇÃO.
Como decorre naturalmente da normatização concernente à saúde pública, a privatização[14] só será lícita se houver aumento da capacidade instalada para cobertura da população, caso contrário haverá franca violação do art. 24 da Lei 8080/90[15], já que o serviço de saúde passaria à iniciativa privada de forma total e não em caráter complementar, o que se caracteriza como ato INCONSTITUCIONAL E ILEGAL. Vale a observação de que aqui se enquadra a imensa maioria das hipóteses de contratação do Poder Público com terceiros, pois geralmente o Estado (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal, seja administração direta ou indireta) constrói e finaliza a unidade de saúde (inclusive com equipamentos), e depois simplesmente a entrega para administração da iniciativa privada, sem qualquer melhoria do serviço (ou, muitas vezes, com máscaras de “melhorias” para aparência de legalidade).
No particular, cabe a observação de que, na hipótese de privatização regular, quando há efetiva melhoria do serviço de saúde em caráter complementar, e, portanto (e em tese), dentro da legalidade, o gestor privado, por ter assumido a unidade de saúde (e, assim, adquirido a atividade primária do Estado), já estaria na condição de terceiro e, como tal, sem condições de subcontratar, ou seja, de “quarteirizar”, porque desta forma estaria transmitindo a outrem sua atividade-fim, além de subverter o resultado da licitação e precarizar o serviço mediante o ágio cobrado do subcontratado.
Já para o caso de terceirização propriamente dita, as circunstâncias determinarão a legalidade, se o instituto está sendo usado para suprir carência permanente de pessoal, se meramente para substituir mão-de-obra efetiva, ou se é para aprimorar a prestação do serviço de saúde mediante ampliação do atendimento à comunidade.
Anote-se a possibilidade de terceirização na saúde pública no que diz respeito à prestação de serviços de saúde por cooperativas e organizações sociais. Em princípio, a ideia de auto-organização das pessoas em cooperativas é interessante, como também a cooperação de entidades do terceiro setor (organizações da sociedade civil), porém, a experiência denota que, na grande maioria dos casos, a intervenção destas entidades na saúde pública beira sempre o ilícito e não a legalidade.
Neste sentido, importante o destaque de que o Projeto de Lei 3711/2008[16], relativo às cooperativas de saúde, de conteúdo particularmente perigoso na temática, foi arquivado no Congresso Nacional, permanecendo a possibilidade de contratação de cooperativas na saúde adstrita aos limites da Constituição, Lei 8080/90 e os trabalhistas, que serão adiante detalhados, adiantando-se que só se vislumbra tal possibilidade para a contratação de cooperativas para serviços especializados e quando os profissionais detenham autonomia e o conhecimento técnico do ofício, observados rigorosamente os preceitos dos arts. 2º, 3º e 9º da CLT.
Quanto às organizações sociais, a Lei 9637/98 regulamenta esta possibilidade:
“Art. 1º. O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.” (Grifou-se)
Na contratação de organizações sociais pode ser dispensada a licitação para uso de bens públicos, de acordo com o art. 12, §3°, do referido diploma legal, porém, não para a gestão da saúde[17], que é a hipótese mais comum de ocorrência na saúde pública.
Nos contratos de gestão da Lei 9367/98, firmados com as organizações sociais, de acordo com o art. 7º da Lei 9637/98, deverão ser observadas as seguintes regras:
- observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade;
- especificação do programa de trabalho proposto;
- estipulação das metas e prazos;
- critérios objetivos de avaliação de desempenho;
- indicadores de qualidade e produtividade;
- estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais.
Ainda, deverão ser observados os princípios do SUS (art. 18).
Logo, nos contratos de gestão (leia-se parceria) da saúde pública as organizações sociais estão submissas aos princípios do art. 37, caput, da CF. As violações às regras do Direito Administrativo sujeitam os responsáveis das organizações sociais às penalidades de improbidade administrativa, conforme dicção do art. 1º da lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa): “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.”
E, como decorrência da aplicação das normas constitucionais que regem a Administração Pública nas contratações de gestão com as organizações sociais, estas devem observar a realização de concurso público para admissão de pessoal (art. 37, II, da CF).
A corroborar este entendimento, a Lei 9637/98 fixa disciplina fiscalizadora das organizações sociais[18], nos arts. 9º e 10, estabelecendo que qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por OS deve ser comunicada ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária do contratante, e que, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público para fins de indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
De forma muito semelhante é o trato com as OSCIP’s – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que também podem firmar Termo de Parceria com o Poder Público para promoção gratuita da saúde, observada a complementariedade da participação da entidade e a universalização do serviço, na forma do art. 3º da Lei 9790/99.
Outra questão relativa à terceirização na saúde pública é a que decorre dos programas sociais conveniados com o Governo Federal e com os Governos Estaduais, prática instituída há décadas na administração pública brasileira como medida de fomento a determinadas atenções específicas do Estado, mediante a capilarização da atividade pelos Municípios, com aporte de verbas federais ou estaduais para tanto. O programa social consiste numa política pública aderida espontaneamente pela municipalidade que, assim, sabe de antemão da necessidade de pessoal que terá para execução do serviço público conveniado - o que afasta, obviamente, a invocada emergencialidade para as famosas “ACT’s”, admissões em caráter temporário.
A par da multiplicidade de programas sociais existentes ao longo da história, tradicionalmente, no que concerne à saúde pública, os mais comuns e que merecerão destaque neste texto, são os que envolvem a contratação de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias.
Relativamente a estes profissionais, a Emenda Constitucional 51/06, ao alterar o art. 198 da Constituição da República, vetou a terceirização das atividades correspondentes de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, exigindo a sua contratação direta pelos Municípios. Portanto, a execução dos programas sociais conveniados com o Governo Federal e ou Estadual, tais como PSF – Programa Saúde da Família (atualmente ESF – Estratégia Saúde da Família), PACS – Programa Agentes Comunitários de Saúde, PNCD – Programa Nacional de Controle da Dengue, PEAa – Programa de Erradicação do Aedes Aegypt, se dá através da admissão direta dos agentes, não sendo possível a terceirização.
A Lei 11350/06, regulamentando a EC 51/06, disciplina a exigência de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos para admissão de pessoas para as funções de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, priorizando o regime celetista para a regência do contrato[19].
Na verdade, todos os demais programas sociais conveniados com o governo federal e ou estadual, tais como PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, PFP – Programa Farmácia Popular, PSB – Programa Saúde Bucal, Sentinela, Esporte e Lazer, Carta de Crédito FGTS, etc., embora não abrangidos textualmente pela EC 51/06 e Lei 11350/06, demandam contratação de pessoas em caráter similar aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, atraindo, desta forma, por interpretação extensiva analógica, a disciplina idêntica da estabelecida no art. 198 da CF e na referida lei.
Convém lembrar que, de acordo com a EC 51/06 e Lei 11350/06, as pessoas que atualmente exercem atividades nos programas sociais conveniados dos Municípios que não satisfizeram às exigências de prévia realização de certame de provas ou de provas e títulos, observados os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, estão sujeitas à disciplina do art. 37, §2º, da CF (contrato nulo), e devem ser desligadas.
Ainda outra possibilidade de terceirização seria a constituição de consórcio municipal, na forma da Lei 8080/90[20], mediante agrupamento de Municípios que venham a dividir a prestação de serviços na medida de suas necessidades, com a vantagem de pagamento proporcional ao serviço requisitado e recebido. Obviamente que o consórcio deve obediência aos princípios que regem a Administração Pública, restando obrigado à realização de concurso público para admissão de pessoal, além de não poder subcontratar (o que representaria, na verdade, “quarteirização”, pois o consórcio já é o terceiro).
Por derradeiro, sempre que o Poder Público entender pela descentralização do serviço de saúde, v.g., através da criação de autarquias ou fundações públicas (empresas públicas e sociedades de economia mista não são recomendáveis pelo óbvio intuito de lucro, incompatível com os princípios e diretrizes do SUS), estas restarão constituídas com a finalidade primordial de prestação do serviço fazendo as vezes do ente criador e responsável primário. Assim, não há cogitar de legalidade em subcontratações que venham a proceder, pela evidente desnaturação de seu fim. Por outro lado, sempre que a entidade criada para atender a descentralização do serviço não honrar com suas obrigações sociais, o ente público criador será responsável solidário (garante do serviço), conforme entende a jurisprudência:
FUNDAÇÃO HOSPITALAR SANTA TEREZINHA DE ERECHIM. MUNICÍPIO DE ERECHIM. DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE SERVIÇOS PÚBLICOS NA ÁREA DA SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. 1. Fundação criada após autorização dada ao Poder Executivo do Município de Erechim pela Lei Municipal 2.654/94 (art. 1º) para celebrar contrato de desapropriação amigável das cotas sociais do Hospital Santa Terezinha Ltda., declarado de Utilidade Pública para fins de desapropriação pelo Decreto 2.169, de 08/09/94, sucedendo os cotistas expropriados na referida sociedade hospitalar. 2. Por disposição legal, o Município de Erechim permaneceu na condição de sucessor dos cotistas expropriados do Hospital Santa Terezinha Ltda. até a criação da Fundação, autorizada pela Lei Municipal 3.431/01, instituída para prestar apoio ao Município, na assistência médico-hospitalar, propiciando o uso de seus serviços em âmbito universal (art. 2º da Lei Municipal 3.488/02). 3. A ingerência da administração municipal na Fundação é evidente, pois, nos termos do Estatuto, seus diretores serão escolhidos pelo Chefe do Poder Executivo, o Conselho Deliberativo terá em sua composição o Secretário Municipal de Saúde, e o Conselho Fiscal terá participação de um representante do Poder Executivo. Portanto, a FHSTE está diretamente ligada ao Poder Executivo do Município de Erechim, constituindo-se em verdadeira longa manus do Município para promover a assistência médico-hospitalar, ativando-se em atividade primária e precípua da municipalidade. 4. Descentralização administrativa de serviços públicos via fundação para execução dos serviços municipais de saúde, a determinar a responsabilização solidária do Município, como corolário lógico da transferência de execução de serviços. 5. Aplicação da disciplina prevista no art. 37, §6º, da Constituição da República: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa"[21].
FUNDACAO ATTILA TABORDA. MUNICIPIO DE BAGE. DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE SERVIÇOS PÚBLICOS NA ÁREA DA SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Empregada contratada pela Fundação Áttila Taborda para exercer a função de agente comunitário de saúde, tendo laborado em consultório odontológico, junto aos postos de saúde da rede municipal, através de convênio firmado entre a Fundação ré e o Município de Bagé, para implantação do Programa Saúde da Família em Bagé. Descentralização administrativa de serviços públicos via fundação para execução dos serviços municipais de saúde, a determinar a responsabilização solidária do Município, como corolário lógico da transferência de execução de serviços. Aplicação da disciplina prevista no art. 37, §6º, da Constituição da República: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".[22]
Destarte, vislumbram-se as seguintes possibilidades de terceirização lícita na saúde pública:
- prestação de atividades-meio (limpeza, vigilância, conservação, copeiragem);
- prestação de serviços especializados[23] (fora da unidade de saúde ou, se dentro, mediante incremento das instalações com os meios e instrumentos para prestação do serviço terceirizado, sendo que, neste caso sempre que não haja correspondência da atividade terceirizada com as de servidor do quadro);
- prestação de serviços de fomento e execução de atividades relacionadas à saúde por organizações sociais (Lei 9636/98) ou OSCIP’s (Lei 9790/99);
- descentralização para consórcios municipais (art. 10 da Lei 8080/90).
Como corolário lógico, para aferição da licitude da terceirização da saúde pública, podem ser listadas as seguintes características essenciais como conditio sine qua non:
- complementariedade;
- acessoriedade;
- ampliação/melhoria do serviço público pela parceria com a iniciativa privada;
- preferência às entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos;
- temporariedade.
Em contrapartida, considerando os critérios supra explanados que dimensionam a licitude, possibilidade e limites da terceirização, podem ser elencados os seguintes indicadores de ilegalidade:
- existência de cargos/empregos correlatos previstos no quadro de pessoal do órgão público contratante do prestador;
- falta de autonomia do pessoal contratado frente ao órgão público tomador;
- gasto superior à contratação direta (ágio do intermediador);
- falta de licitação (“dispensa por inexigibilidade”, e.g.);
- falsa licitação ou máscara de licitação (ex.: tomada de preço, carta-convite, pregão viciados);
- contratação de empresa/entidade inidônea;
- permanência das mesmas pessoas na prestação de serviços (ex.: “ACT”, “comissionado” que viram “terceirizados”, “cooperados”, “bolsistas”, “pesquisadores”, etc.);
- convívio de servidores efetivos com terceirizados executando as mesmas funções;
- “pejotização” (constituição de pessoa jurídica pelo servidor para contratação como empresa/entidade para assumir a execução do serviço);
- execução de atividade finalística, permanente ou essencial à saúde pública;
- execução total dos serviços de saúde sem caráter temporário e sem qualquer ampliação ou melhoria;
- status quo ante – a prestação de serviço continua a mesma, sem ampliação, trocando apenas o prestador;
- lucratividade do prestador;
- perenidade da terceirização (contínuas renovações de contratos);
- etc.
A aferição de irregularidade nestas situações, no caso concreto, pode ser enquadrada como abuso do direito de terceirizar do Estado[24], na forma do art. 187 do Código Civil, de modo que, qualquer que seja a forma utilizada para a terceirização na saúde pública (contrato de gestão com OS, termo de parceria com OSCIP, PPP – parceria público-privada, etc.), a aferição da legalidade se dá à luz dos preceitos e critérios acima explanados, considerando os estritos limites constitucionais-legais impostos à transferência em caráter excepcional da atividade primária estatal.
Limites da terceirização da saúde pública
Identificadas as possibilidades lícitas de terceirização e os indicadores de ilegalidade, cabe frisar que a terceirização de uma atividade primária e primordial do Estado só pode ocorrer de forma excepcional. Neste compasso, indaga-se quais os limites da terceirização na saúde pública[25]?
Como resposta, além dos que naturalmente decorrem da excepcionalidade da situação, frise-se, por se tratar de atividade primária estatal, na Lei 8080/90, em especial nos arts. 24 e segs., encontra-se um limite muito claro: quando as disponibilidades do SUS são insuficientes para cobertura assistencial à população local, permite-se contratação da iniciativa privada. Em segundo lugar, a atuação de terceiros é prevista como complementar e prestada preferencialmente por entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. Mas existem outros importantes: quando houver contrato com instituição privada com fins lucrativos não pode haver destinação de recursos públicos (auxílios ou subvenções); a formalização da terceirização se dá sempre mediante contrato ou convênio, com observância do Direito Público, ou seja, obrigatoriedade de licitação, etc.; submissão dos serviços contratados às normas técnicas, administrativas, princípios e diretrizes do SUS; art. 18, §1º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00) - contabilização das despesas de terceirização em “outras despesas de pessoal”.
Pois bem. Até aqui se tratou dos limites diretamente relacionados à prestação do serviço de saúde, mas devem ser acrescidos ainda os trabalhistas, ligados à execução do serviço propriamente dita, por pessoas (mão-de-obra). Quanto a estes, a diretriz básica é a da Súmula 331 do TST[26]. Ora, a regra geral de hermenêutica do Direito do Trabalho veda terceirização em atividade-finalística, permitindo apenas a subcontratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (e, ainda assim, se inexistente a pessoalidade e a subordinação direta).
E nem se pode, com relação à terceirização da saúde pública, objetar as inovações da Lei 13429/17 e da Lei 13467/17 na Lei 6019/74, porquanto a generalidade da prestação de serviços temporários conferida pela nova lei de terceirização e pela reforma trabalhista não prepondera sobre o regramento específico e rigoroso da saúde pública, que tem diretrizes constitucionais expressas relativas à primariedade do serviço de saúde pelo Estado brasileiro. Basicamente, há expressa incompatibilidade entre a aplicação da Lei 6019/74 (com as mudanças das Leis 13429/17[27] e 13467/17[28]) para atividades finalísticas, ou seja, as que não se configurem como meio, com os postulados previstos nos arts. 196 a 200 da CF, e no art. 2º da Lei 8080/90, além de múltipla violação ao art. 37, caput, da Carta Republicana (princípios da legalidade, publicidade, moralidade, impessoalidade e eficiência administrativas), e à regra do concurso público prevista no inciso II, com as consequências previstas no §2º.
Por outro lado, quando terceirizado regularmente o serviço de saúde (ou seja, do Estado para a iniciativa privada, nos estritos limites acima expostos), completamente vedada está a chamada “quarteirização”, ou seja, a subcontratação pelo prestador da iniciativa privada que, ao fim e ao cabo, deverá fazer as vezes do Estado na execução e entrega do serviço de saúde ao cidadão (mas de forma assistencial, complementar, ampliativa da cobertura e sempre temporária).
E, com relação às cooperativas, acrescem-se mais cuidados da praxe trabalhista que devem ser observados:
- prevalência do aspecto real sobre o aspecto formal (pseudo-cooperativas ou cooperativas de fachada, quando somente os diretores auferem lucros e os cooperados são precarizados, realizando-se reuniões com pouca ou nenhuma representação ou poder de deliberação dos associados);
- autonomia, participação do cooperado, detenção dos meios de produção, conhecimento técnico do ofício;
- avaliação da suposta relação autônoma dos cooperados em cotejo da possível subordinação dos cooperados;
- análise de discrepância remuneratória: cúpula x “cooperado”;
- etc.
Uma vez detectada a presença de pseudo-cooperativa na prestação de serviços de saúde, ante o princípio da primazia da realidade que orienta a aplicação do Direito do Trabalho, afasta-se a regra do art. 442, parágrafo único, da CLT, em favor da norma geral do art. 9º:
“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Tal fraude, no âmbito da saúde pública, desborda para além do Direito do Trabalho, pois a contratação de falsas cooperativas pelo Poder Público implica em quebra do princípio da isonomia entre os participantes de licitação, já que a redução ilegal de encargos sociais obtida por essas entidades à custa da precarização dos trabalhadores as coloca em posição privilegiada na concorrência de preços, implicando, pois, improbidade administrativa.
Destarte, existem limites administrativos próprios do regramento da saúde pública, além dos trabalhistas, que restringem severamente as possibilidades de terceirização da saúde pública.
No particular, é importante que se faça o cruzamento de todos os diplomas legais aplicáveis, que transbordam além-fronteiras do Direito do Trabalho, para que não ocorra uma leitura estanque da situação fática a ser analisada, a provocar um entendimento parcial da questão. Para exemplificar, trago à baila o seguinte precedente, que demonstra como a apreciação de um caso apenas sob a ótica da terceirização trabalhista genérica (atividade fim x atividade meio), sem a consideração das premissas orientadoras da prestação do serviço de saúde - a partir da Constituição da República, do PIDESC e da Lei 8080/90, pode conduzir a um resultado legitimador de terceirização ilícita da saúde:
“TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE FIM. HOSPITAL. A ré possui médicos empregados que dão suporte à atividade fim do hospital, e também médicos autônomos, que assim se qualificam e que optaram em prestar seus serviços nessa condição, sem qualquer alegação de coação. Diante disso, não há como se concluir pela ilicitude da ré na contratação de empresas prestadoras de serviços médicos. E não cabe a esta Justiça Especializada determinar o registro de vínculo empregatício de pessoas (físicas ou jurídicas) que não reconhecem a violação de seus direitos, tampouco possuem interesse em alguma reparação. Recurso do ente público a que se nega provimento”.[29]
O caso citado é de uma entidade filantrópica prestadora de serviços de saúde. Ora, em consonância do presente estudo, fácil concluir que se trata de uma contratação procedida pelo Poder Público em caráter complementar e acessório do serviço de saúde, logo, a subcontratação por esta entidade de pessoas jurídicas (a chamada “pejotização”) evidencia, a priori, uma quarteirização absolutamente ilícita e vedada no ordenamento, porquanto, sendo ela já a terceira a operar a saúde (e pela iniciativa privada), a subcontratação procedida subverte as normas de Direito Público aplicáveis (mormente a licitação), além dos princípios e diretrizes do SUS, permitindo o contrato de pessoas jurídicas diversas com fins lucrativos (desnaturando, assim, a contratação inicial da entidade filantrópica sem fins lucrativos).
Neste prisma, a análise casuística procedida apenas sob a ótica trabalhista pode comprometer a justiça do julgado, de modo que se faz necessária a adoção do método interpretativo da teoria do diálogo das fontes (desenvolvida por Erik Jayme, na Alemanha, e Cláudia Lima Marques, no Brasil), trazendo as normas relativas à saúde pública e aos regramentos administrativos de contratação com a iniciativa privada para o âmbito do Direito do Trabalho, aferindo-se, primeiramente, se a hipótese de terceirização está permitida no contexto das normas externas ao direito laboral.
Sobre a teoria do diálogo das fontes, Claudia Lima Marques esclarece que Erik Jayme defende a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais e gerais, com campos de aplicação convergentes, mas não iguais, pois, em face do pluralismo pós-moderno, num direito de fontes legislativas plúrimas, surge a necessidade de coordenação entre leis no mesmo ordenamento como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo.[30]
Ora, o Direito é uma unidade interativa e dinâmica e, assim, o uso coordenado de normas de diversos ramos e diplomas legais nada mais é do que explícita concretude da jurisdição, que jamais será estanque, mas antes pautada pela aplicação da totalidade de preceitos que incidam ao caso concreto independentemente da sua origem.
Em se tratando de saúde pública, é indispensável a análise de todas as fontes normativas ora citadas, principiando pela Constituição e o Pacto Internacional de DESC de que o Brasil é signatário, para a correta aplicação do Direito.
Consequências da terceirização irregular
Toda terceirização irregular na administração pública produz múltiplas violações à ordem jurídica. Como efeitos genéricos da conduta, se pode elencar:
- inobservância das normas de Direito Público, em especial os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, e ao princípio da universalidade do acesso a cargos, empregos e funções públicas, pois a terceirizada atua no sistema pelas normas de Direito Privado (sem licitação, sem concurso público, etc.);
- violação múltipla ao princípio da legalidade na intermediação irregular de mão-de-obra no serviço público, devido à precarização de contratos de trabalho mediante paga de ágio ao atravessador em prejuízo do piso salarial, descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho (terceirização até de engenheiros e técnicos de segurança do trabalho, v.g.), direitos sindicais frustrados, vínculo direto elidido (arts. 2o, 3o, 29 e 41, c/c art. 9o da CLT), etc.;
- apadrinhamento político (indicação de apadrinhados para contratação pelo intermediador);
- facilitação do nepotismo (com a presença do intermediador irregular quebrando o vínculo direto que deveria existir com a administração pública, se acresce uma máscara à prática);
- contratação legitimadora de terceirizados (exploração dos trabalhadores de boa-fé), seja para dar ares de legalidade à terceirização e ágio procedido, seja para legitimar apadrinhados indicados para contratação transversa;
- precarização dos “legitimantes” (trabalhadores de boa-fé) e benesses aos “legitimados” (apadrinhados), com a violação de direitos dos primeiros e concessão de benefícios aos segundos (melhores funções, melhores salários, inclusive em alguns casos com violação de piso/teto remuneratório do serviço público nessa modalidade de ilícito);
- ágio do intermediador;
- esquiva da Lei de Responsabilidade Fiscal;
- “licitação” direcionada ou simulada (ex.: carta-convite, tomada de preços, pregão viciados);
- formação de quadrilha;
- falso cooperativismo: quando envolvido na terceirização ilícita ainda potencializa os efeitos danosos aos trabalhadores, ao erário e à Justiça.
Particularmente, a terceirização irregular na saúde pública, por veicular prestação de serviço estatal primordial à população, tem acréscimo de outras gravíssimas violações à ordem jurídica. Pode-se acrescer às anteriores citadas as seguintes:
- violação de diretrizes e princípios do SUS: falta de atendimento integral (com a terceirização o Estado deixa de prestar o serviço completo de saúde, transferindo total ou parcialmente à iniciativa privada); falta de participação da comunidade: com o serviço terceirizado, via de regra a comunidade não participa (art. 1º, §2º, da Lei 8142/90 – Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde);
- prejuízo à formação de recursos humanos (alta rotatividade da mão-de-obra terceirizada, falta de qualificação e requalificação profissional, etc.);
- violação do princípio da integração das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
- violação do princípio relativo à capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;
- descuido com o meio ambiente de trabalho que resulta em prejuízo à efetivação do direito de saúde, porquanto o público recebe a prestação de serviço de pessoal precarizado, com falta de condições de trabalho, instalações impróprias, exploração predatória de instalações públicas, etc.
Ainda, a Lei 8080/90, em consonância do PIDESC, estabelece uma política de recursos humanos (que deveria formar, por assim dizer, o corps d’État) que resta comprometida quanto a sua formalização e execução, por vários fatores decorrentes da terceirização, como a falta de organização do sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da falta de elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal, e da falta de valorização da dedicação exclusiva aos serviços do SUS.
Além do mais, a potencialidade danosa da terceirização na saúde pública verte-se também em outros efeitos nefastos:
- na múltipla violação do ordenamento jurídico vista acima, encontram-se condutas e atos administrativos violadores da moralidade pública que importam lesão aos direitos sociais das pessoas que prestam serviços;
- na contratação irregular via intermediação ilícita, há potencial aumento de litigiosidade trabalhista provocada pelo próprio Estado (multiplicação de ações trabalhistas - Súmulas 363 e 331, impeditivas de vínculo direto com o órgão público, por falta de concurso, com responsabilização meramente subsidiária[31] do ente tomador que, pasme-se, na vala comum da repercussão geral atribuída pelo STF ao RE 760.931/DF[32], depende de demonstração de culpa - a qual, por óbvio, diante de todo arcabouço específico regente da prestação do serviço de saúde, deve ser presumida);
- valor social do trabalho: fundamento da República vilipendiado com a terceirização irregular no serviço público;
- improbidade administrativa: violação de princípios administrativos, enriquecimento ilícito, lesão ao erário;
- serviço público mal prestado ao usuário: população descoberta, comprometimento do SUS;
- saúde: consequências desastrosas – evento morte/lesão corporal (falta de medicamentos, de recursos para preservação da vida, de condições e instrumentos de trabalho, responsabilização do profissional de saúde, comprometimento do sistema previdenciário, aumento da litigiosidade no Judiciário, exploração predatória das instalações, equipamentos e pessoal, etc.).
Anote-se que a quarteirização da saúde pública (subcontratação), além das implicações anteriores, constitui agravante da terceirização, pois dificulta a fiscalização das verbas públicas, aumenta o ágio, potencializa a precarização de contratos de trabalho e funciona como escudo extra para a máscara de burla ao concurso público. A quarteirização permite, pois, a esquiva da aplicação do Direito Público, violação dos princípios e diretrizes do SUS, em especial mediante a permissão de lucro na subcontratação. E é certo que o costumeiro desaparecimento do sub-intermediador, no curso da execução do contrato, multiplica os efeitos danosos a trabalhadores, ao erário e à Justiça.
Contratações temporárias e comissionamentos irregulares
Finalmente, passa-se à abordagem das contratações temporárias e comissionamentos irregulares por ser comum a sua substituição por terceirização ilícita.
Atualmente, todos os entes federativos fazem uso da exceção prevista no art. 37, IX, da CF, mesmo a administração indireta, e contratam temporariamente, sendo frequente, nas áreas mais sensíveis de prestação de serviços do Estado ao cidadão, como a saúde e educação, tornar-se regra a exceção e serem pouquíssimos os servidores efetivos do quadro, enquanto milhares de professores, médicos e enfermeiros são admitidos em caráter temporário.
Das estatísticas extraídas da atuação no Ministério Público do Trabalho se apura que,nos Municípios brasileiros, a média de contratação temporária equivale a 30% do quadro efetivo total e os comissionamentos (admissões sem concurso) representam número superior a 20% do quadro efetivo total (ex.: para 3000 efetivos, 1000 temporários e 600 comissionados), o que traduz a exata dimensão do problema e a dificuldade de implementação do concurso público como regra geral para admissões no serviço público.
As conseqüências desta nociva prática são conhecidas da população:
- falta de continuidade do serviço público;
- quebra do plano de governo (projetos abandonados);
- precarização dos serviços públicos, especialmente saúde e educação públicas;
- empreguismo e apadrinhamento = curral eleitoral;
- ineficiência administrativa;
- etc.
São condutas gravíssimas no âmbito da administração pública os comissionamentos irregulares e simulacros de licitação para contratação de pessoa física para burla ao concurso público, pelas conseqüências e violações ao ordenamento jurídico produzidas. No comissionamento irregular ocorre quebra no princípio da universalidade do acesso a cargos, empregos e funções públicas; apadrinhamento direto de pessoas, em detrimento dos aprovados em concurso; remunerações significativamente superiores à dos cargos efetivos; máscara de legalidade; etc. Já os simulacros de “licitação” produzem encobrimento da irregular contratação de profissionais (v.g., advogados, médicos); falsidade, má-fé; quebra no princípio da universalidade de acesso ao serviço público; ofensa ao direito dos aprovados no certame para a vaga; etc.
Neste tipo de ilícito - comissionamento irregular e simulacro de licitação, por envolver fraude, deve-se afastar a presunção de boa-fé do contratado, respondendo tanto o gestor contratante quanto o profissional contratado, que inegavelmente participou e contribuiu para a ilicitude (profissionais apresentando propostas, documentos e currículos no “certame licitatório”), sendo certo que todos os integrantes da empresa/escritório “vencedor” de licitação auferem, de forma direta - remuneração percebida per capita, pro labore, honorários ou indireta - composição das rendas do escritório, vantagem indevida pela burla ao concurso público, pelo custo extra aos cofres públicos em comparação com a realização de concurso ou simples chamada de aprovados, etc.
Não em demasia, convém mencionar que em algumas localidades é comum encontrar a chamada “máfia branca”, que nada mais é do que a organização de verdadeiro cartel para frustração de concurso público, em que profissionais da saúde se reúnem e passam a fixar os preços da prestação de serviços, decidindo entre si quem fica com qual Prefeitura/órgão público, mediante contratos por “tomada de preços”, “carta-convite”, etc., através de simulacro de “licitação”.
São típicos casos que demandam, além da declaração de nulidade da contratação, o acionamento por improbidade administrativa dos agentes públicos responsáveis e partícipes da iniciativa privada. Destarte, tais condutas nada mais são do que variantes de um mesmo tema: formas diversas de violação do princípio da universalidade de acesso à administração pública, expresso no art. 5º, caput, c/c art. 37, caput, II e §2º da Constituição da República. Do quanto visto até aqui, a terceirização da saúde pública se enquadra como modalidade específica, juntamente com as genéricas costumeiramente encontradas na administração pública em todos os níveis e esferas, e que também podem ocorrer na saúde:
- admissão direta sem concurso público ou com sua burla para cargos e empregos públicos;
- execução de programas sociais através de admissões irregulares ou terceirização e quarteirização;
- falsas contratações temporárias;
- admissões “em comissão”;
- fraudes no concurso para admissão irregular;
- contratos verbais;
- “licitações” com pessoas físicas;
- contratação de “Autônomos”;
- “pejotização”;
- formas anômalas de prestação de serviços (“bolsistas”, “voluntários”, “pesquisadores”, etc.);
- plano de cargos e salários e transposições inconstitucionais;
- falso cooperativismo;
- desvirtuamento de estágio;
- etc.
E como agravantes desse quadro de burla ao concurso, podem ser encontradas ainda outras condutas ilícitas dos gestores públicos como a mora contumaz na realização de concurso; renitência na convocação de concursados; nepotismo; abertura de número ínfimo de vagas (concurso “faz-de-conta”); etc.
Vale insistir nos efeitos deletérios deste nefasto comportamento administrativo:
- ferimento do princípio da igualdade no acesso;
- ineficiência administrativa;
- apadrinhamento e criação de currais eleitorais;
- frustração da expectativa da massa que almeja o serviço público;
- criação de ambiente propício para corrupção;
- descrédito da Administração Pública;
- múltipla lesão aos princípios vetores da AP;
- desqualificação profissional do servidor;
- falta de cobertura previdenciária e ferimento de direitos sociais;
- desprezo do valor social do trabalho;
- mau exemplo estatal;
- má-gestão do serviço público;
- etc.
Atuação do Ministério Público do Trabalho
Na análise dos ilícitos na saúde pública, se percebe que não discrepam dos normalmente encontrados na Administração Pública. Em relação a estes, de forma geral, na sua prevenção, repressão e combate são encontrados alguns problemas adicionais, relativos ao choque entre a necessidade de imposição definitiva do concurso público na admissão para o serviço público com a cultura de apadrinhamento político que persiste nos gestores.
Com relação à atuação do Ministério Público do Trabalho, os termos de ajuste de conduta não tem sido suficientes para resolver o problema, já que, atualmente, todos os Municípios e Estados brasileiros possuem compromisso firmado com o MPT nesse sentido, persistindo, no entanto, as contratações irregulares. Evidente, pois, que apenas a regularização das contratações (desligamento do pessoal irregular e realização de concurso) não soluciona o problema, devendo ser promovida, de forma rigorosa, a responsabilização do gestor público que cometeu o ilícito.
Assim, a maior dificuldade atual diz respeito à instituição da cultura do concurso público, o que representa, em números, 90% dos casos de atuação do MPT na Administração Pública.
Por outro lado, a Súmula 363 do TST à qual o STF conferiu repercussão geral (RE 705140[33]) não resolve a contento a situação, acabando por beneficiar o mau-administrador (pois normalmente são demandados nas ações trabalhistas os entes públicos e não a pessoa do gestor), prevendo como consequência dos contratos nulos (admissões sem concurso), apenas a paga de salários em sentido estrito e FGTS. Logo, compensa aos agentes públicos persistirem na contratação irregular, cientes da impunidade trabalhista, já que as ações trabalhistas se esgotam na Súmula 363 do TST e, ainda assim, quem por elas responde é apenas o ente público acionado.
Também a Justiça Comum não é capaz de equacionar o problema devido ao tempo de resposta – congestionamento judiciário, sofrendo os Ministérios Públicos estaduais do mesmo congestionamento da Justiça na qual atuam, além de possuírem problemas locais comprometedores da questão (como discussão de orçamento, criação de Promotorias, aumento do quadro, etc., nas assembleias legislativas onde os gestores costumam figurar como parlamentares), que podem impedir o distanciamento institucional necessário para uma atuação exemplar.
Espera-se que o Ministério Público do Trabalho venha a consagrar o uso do instrumento previsto na Lei 8429/92, promovendo ações civis públicas de improbidade administrativa na Justiça do Trabalho[34], para aplicação das penalidades próprias por este tipo de comportamento nefasto dos gestores públicos.
Conclusão
Evidente que as normas buscam as condições ideais para a concreção dos direitos, podendo haver distância entre a previsão legal e a situação fática concernente a sua aplicação. É este, lamentavelmente, o caso relativamente à saúde pública no Brasil, porquanto bem demonstradas as más práticas de gestão do Estado brasileiro, por seus agentes, na condição de provedor primário de saúde, que deixam a prestação do serviço distante até do mínimo tolerável, estando a anos-luz da implementação da previsão constitucional. Na realidade, a prática concernente à prestação dos serviços de saúde revela uma verdadeira inversão do valor constitucional-legal ao ponto da iniciativa privada provê-la com muito mais qualidade.
Mas há estritos e severos limites para a terceirização na saúde pública no Brasil, por se constituir em atividade primária estatal primordial, logo, qualquer que seja a máscara de contrato usada (parceria público privada – PPP, contratação de OSCIP, OS, etc.), a sua licitude há de ser analisada sempre à luz dos elementos essenciais permissivos do instituto em consonância das normas constitucionais-legais aplicáveis, basicamente quando as disponibilidades do SUS são insuficientes para cobertura assistencial à população local (complementariedade e acessoriedade da contratação), mediante ampliação/melhoria do serviço público pela parceria com a iniciativa privada, tudo de forma temporária (até o Estado se reestruturar e encampar a atividade repassada à iniciativa privada) e com preferência às entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos.
Neste norte, com o cabedal de normas específicas e próprias à saúde pública, não há o menor espaço para que se pretenda a aplicação da Lei 6019/74 com as alterações da Lei 13429/17 e da reforma trabalhista (terceirização ampla).
No exame da realidade da saúde pública brasileira, as más práticas de gestão evidenciam que a criatividade é usada sempre para burla da lei e não para o seu cumprimento, pois, diante da primeira dificuldade encontrada, o gestor público busca como “solução” o ilícito e não uma alternativa legal para contornar o problema encontrado. Isto quando a situação de emergencialidade não é provocada pelo próprio gestor, que almeja o “desgoverno do caos” (com consequências trágicas para a população que resultam em cenários de guerra nas unidades de saúde, quando a vida humana se reduz à miséria, com instalações depredadas, doentes esperando atendimento em filas intermináveis, pacientes largados no chão, médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde tendo de escolher qual a urgência a atender primeiro, dentre tantos absurdos com os quais se pode deparar).
Os graves problemas gerados pela terceirização da saúde pública vão continuar ocorrendo se não houver uma sensibilização social para o tema, em urgente resgate contra o tripúdio sobre as normas que disciplinam a concretização do direito à saúde do cidadão como direito humano, a ser feito através de fiscalização ampla e denúncia da sociedade (profissionais de saúde, CRM’s, CRE’S, Conselhos de Saúde, Sindicatos, etc.) e atuação firme do Ministério Público, em especial, o do Trabalho.
Finalmente, a punição efetiva (e não meramente em tese) dos administradores e partícipes que terceirizam ou quarteirizam irregularmente os serviços públicos de saúde, especialmente via ação civil pública de improbidade administrativa para cassação de direitos políticos e ressarcimento integral ao erário, é o caminho mais eficaz para estimular a criatividade positiva do gestor público e desencorajar a repetição de ilícitos e o desgoverno do caos.
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[1] Artigo de atualização da publicação do autor na Revista do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em Santa Catarina, Ano III, nº 3 – 2010, pp. 138 e segs., também disponível em http://www.ipeatra.org.br/site/artigos/2010/10/terceirizacao_na_saude_publica. Acesso em 15.10.2017.
[2] MATOS, Fernando Weber. Terceirização e trabalho médico, Porto Alegre: Gaúcha ZH Opinião, 2017. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2017/05/fernando-weber-matos-terceirizacao-e-trabalho-medico-9803235.html. Acesso em 15.10.2017.
[3] Sempre pungentes e indeléveis na memória as imagens cruéis de um cenário de guerra, nos hospitais públicos de Rondônia, nos anos de 2001-2003 (Processo 00333.2001.001.14.00-0, da 1ª Vara do Trabalho de Porto Velho – RO), um espetáculo degradante da miséria humana, de insuficiência de leitos, em que idosos jaziam amarrados a camas em quartos coletivos sem ar condicionado, parturientes davam à luz em cima de macas enferrujadas sem lençóis, gatos perambulavam no necrotério, salas de cirurgia tinham tetos de madeira aonde passeavam ratos enquanto pacientes eram operados, médicos e enfermeiros não tinham condições de trabalho (carrinho de anestesia quebrado, falta de medicamentos e material penso, falta de EPI’s, etc.), ao passo que centenas de cânulas e outros materiais hospitalares de custo altíssimo, comprados em licitações emergenciais desmedidas, sem critério e sem gestão adequada perdiam a sua validade sem chegar aos doentes. Este é um exemplo de retrato do desgoverno do caos: quando a omissão ou a repetição intencional de condutas deletérias e descomprometidas com a saúde pública, pela falta de formação de corpo funcional efetivo e compromissado, pelas licitações de emergência fabricadas pelo descalabro, sucessivas admissões de pessoal em caráter temporário e má-gestão de recursos materiais e humanos transformam a prestação de serviço público numa loteria na qual ganha quem não precisar se submeter a este tipo de degradação.
[4] Neste sentido, a Declaração e Programa de Ação de Viena – Conferência Mundial de Direitos Humanos de junho de 1993:
- Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve considerar os Direitos Humanos, globalmente, de forma justa e eqüitativa, no mesmo pé e com igual ênfase. Embora se deva ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os diversos antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais.
Consagrando o entendimento, a Lei 13445/17 (Lei de Migração), dispõe:
Art. 3º. A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:
I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; (Grifou-se).
[5] Por este viés, o art. 3º da Lei 8080/90 reconhece como fatores determinantes e condicionantes da saúde a alimentação, renda, moradia, educação, saneamento básico, transporte, meio ambiente, lazer, acesso a bens e serviços essenciais, e, ainda, que “os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País”.
[6] Artigo 25
- Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (Grifou-se)
[7] “T.H. Marshall, uno de los impulsores del PIDESC (ratificado a día de hoy por 160 países de todo el mundo), sostuvo que los derechos sociales, junto con los derechos civiles y los derechos políticos, dotan de contenido al concepto de ‘ciudadanía’. Para Marshall, la ciudadanía social conlleva la garantia, en tanto en cuanto derecho, de un estándar mínimo de bienestar necesario para asegurar la participación plena en la sociedad. En base a esta interpretación de la idea de ciudadanía, la exclusión social se manifiesta en la inaccesibilidad al libre y pleno ejercicio de la ciudadanía. El Estado de bienestar construido en Europa occidental tras la Segunda Guerra Mundial responde a este modelo de ciudadanía. No en vano, el artículo 14.1 del PIDESC reconoce ‘el derecho de toda persona a un nível de vida adecuado para sí y su familia, incluso alimentación, vestido y vivienda adecuados, y a una mejora contínua de las condiciones de existencia’.” In LOS DERECHOS HUMANOS COMO BASE DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS EN TIEMPOS DE CRISIS ECONÓMICA. Estudio del Ararteko, junho de 2012, p. 9.
[8] Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Sublinhou-se)
[9] Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
- 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
- 2º. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
[10] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
[11] Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
[12] Na privatização, desaparece o servidor público, passando a unidade a contar com o pessoal contratado diretamente pelo gestor privado.
[13] Na terceirização, o servidor público pode conviver ou não com o funcionário terceirizado.
[14] A “privatização” da saúde, portanto, nos limites constitucionais-legais, compreende apenas a possibilidade do Estado, diante da insuficiência de suas disponibilidades, recorrer, de forma complementar (e não principal) à iniciativa privada. Ademais, só se admite a privatização em caráter temporário, no tempo que for necessário para recomposição e reorganização plena do papel do Estado no caso concreto.
[15] Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
[16] Em boa hora foi arquivado o projeto, já que, caso viesse a ser aprovado nos moldes em que vazado, abertas estariam as portas da Administração Pública para fraudes de todo o gênero na saúde, já que o poder de polícia do Estado, na inspeção do trabalho, seria completamente retirado em prol de decisão irrecorrível da Justiça do Trabalho - inconstitucionalidade do art. 5º proposto no PL. De outra parte, a mera liberdade de substituição de atendimentos por cooperados prevista no projeto de lei não é parâmetro técnico seguro para aferir a licitude de cooperativa. Eis o teor da proposição arquivada:
“Art. 1º. É assegurado aos seguintes profissionais de saúde de nível superior a organização sob a forma de cooperativa, com o objetivo de prestação de serviços aos estabelecimentos de saúde.
I – Médicos
II – Fisioterapeutas
III – Terapeutas Ocupacionais
IV – Fonoaudiólogos
V – Odontólogos
Art. 2º. Não haverá vínculo empregatício entre o profissional de saúde e o respectivo estabelecimento contratante, desde que o cooperado tenha liberdade de fazer-se substituir na escala de atendimentos por outros cooperados, que atendam os mesmos requisitos fixados pelo estabelecimento, na forma do artigo 3º.
...
Art. 5º. Desde que atendidos os pressupostos contidos nesta lei, a aplicação de penalidade trabalhista decorrentes do reconhecimento da relação de emprego pela autoridade administrativa deverá ser precedida de decisão irrecorrível da Justiça do Trabalho, reconhecendo a relação de emprego.”
[17] Necessário observar que a figura do gestor de saúde, consoante a Lei 8080/90, coincide com a do Ministério da Saúde, a nível federal, e a das Secretarias de Saúde, no plano estadual e municipal, não se confundindo com o conceito de contrato de gestão previsto na Lei 9637/98, que visa ao fomento e execução de atividades às áreas relacionadas à saúde, na forma do art. 5º:
Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º.
[18] Também neste ponto cabe o registro de discrepância de tratamento legislativo proposto no arquivado PL 3711/08 relativamente às cooperativas de saúde em contraposição ao rigor corretamente imposto nos contratos de gestão das organizações sociais, mais um indicativo de flagrante equívoco do referido PL.
[19] Quanto ao regime do contrato, a CLT deveria ser a opção usual do administrador, pois, embora os programas sociais tenham uma certa extensão temporária, fato é que podem vir a ser extintos como também o próprio gestor público pode entender em não mais prosseguir com o convênio, já que se trata de política pública e, nesta condição, com prazo certo de duração. Nesta hipótese, se as admissões tiverem sido procedidas pelo regime celetista, extinto o programa/convênio, extinto estará o contrato de trabalho, ao passo que se as contratações tiverem ocorrido pelo regime estatutário, os servidores do programa ficarão pendentes em quadro em extinção, restando ao Município a dificuldade de aproveitamento desta mão-de-obra que passa a ser excedente ao quadro efetivo.
[20] Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.
- 1º. Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção única, e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância.
- 2º. No nível municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em distritos de forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a cobertura total das ações de saúde.
[21] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. Acórdão 2ª. Turma, Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso, Processo 0020431-20.2014.5.04.0522, julg. Em 08.07.2016.
[22] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. Acórdão 2ª. Turma, Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso, Processo 0020521-94.2015.5.04.0812, julg. em 04.09.2017.
[23] Como hipóteses de serviços especializados, nas condições acima, podem-se elencar:
- consultas (de alto grau de especialização);
- exames;
- serviços de apoio (radiologia, etc., variando caso a caso, conforme a necessidade do ente público);
- outros serviços especializados ligados à atividade-meio.
A licitude de contratação de cooperativas na saúde pública, como dito, está jungida a esta hipótese, quando não for usada como máscara para fraudar vínculo empregatício, obviamente, e quando não deturpar os princípios e diretrizes do SUS.
[24] Para aferir um quadro de terceirização irregular na saúde pública, é possível apurar indicativos a partir do seguinte elenco sintomático de má-gestão do serviço público (desgoverno do caos), que pode ser composto por uma ou mais das seguintes situações:
- omissão contumaz na realização de concursos;
- omissão contumaz na ampliação do quadro de pessoal;
- falta de fiscalização do serviço prestado;
- contratação irregular, terceirização exacerbada, quarteirização, assédio moral, perseguição política;
- má-alocação ou gerenciamento ineficaz de recursos humanos (escalação esdrúxula, alocação incorreta de pessoal);
- mau gerenciamento de recursos materiais;
- falta de condições ou de instrumentos de trabalho;
- descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho (meio ambiente laboral insatisfatório);
- funcionários “fantasmas”;
- etc.
A repressão destas condutas encontra enquadramento certo na legislação pátria: o mau gestor pode ser responsabilizado por improbidade administrativa (Lei 8429/92).
[25] Em se tratando de exceção, cabe identificar os problemas e condições capazes de fomentar a sua ocorrência ou opção pelo administrador público. Por este viés, notoriamente constituem problemas que gravitam no entorno da saúde pública brasileira: demanda x escassez de profissionais de saúde; baixa remuneração de médicos; Municípios de difícil acesso ou de condições particulares de difícil provimento (distância da capital e centros maiores, população pequena, falta de atrativos, equipamentos médico-hospitalares de alto custo, etc.); limites de pessoal com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00); cartéis de saúde (estabelecimentos privados e profissionais liberais com influência política na comunidade); pseudo-cooperativas (empresas mascaradas de “cooperativas” para barateamento dos custos); corrupção administrativa; má-gestão pública; falta de conhecimento/assessoramento jurídico adequado do gestor público; etc.
[26] CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
[27] Altera a redação da Lei 6019/74 para a seguinte:
Art. 1º. As relações de trabalho na empresa de trabalho temporário, na empresa de prestação de serviços e nas respectivas tomadoras de serviço e contratante regem-se por esta Lei.
Art. 2º. Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
- 1º. É proibida a contratação de trabalho temporário para a substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos previstos em lei.
- 2º. Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal.
[28] Altera novamente a redação da Lei 6019/74 incluindo os dispositivos abaixo, relevantes para este estudo:
Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.
Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.
Somente por amor ao argumento, destaca-se que o art. 2º refere a expressão “empresa tomadora de serviços”, no que se conjuga ao art. 5º-A, incluído pela reforma trabalhista, concluindo pela impossibilidade de terceirização não só na saúde como na administração pública direta como um todo, e indireta quanto às autarquias e fundações, que não se inserem no conceito de “empresa tomadora de serviços”.
[29] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO. Acórdão 11ª. Turma, Processo 0000960-60.2015.5.02.0062, Rela. Desa. Odete Silveira Moraes, pub. em 12/07/2016.
[30] MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pp. 89-90.
[31] Na verdade, o cabedal de normas de ordem pública regentes da saúde pública no Brasil autoriza a responsabilidade solidária do ente público que promove a terceirização irregular, porquanto se trata de violação gravíssima da ordem jurídica (art. 187 c/c art. 942, parágrafo único, do CC, ante a violação do art. 37 da CF).
[32] “Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Luiz Fux, que redigirá o acórdão, vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, fixou a seguinte tese de repercussão geral: ‘O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93’. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 26.4.2017. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=760931&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 19.10.2017.
[33] Excerto da notícia sobre o julgado pelo STF, em 28.08.2014: “’Ainda que o levantamento do FGTS esteja previsto em lei específica, a censura que o ordenamento constitucional levanta contra a contratação sem concurso é tão ostensiva que essa norma [artigo 19-A da Lei 8.306] chegou a ter sua inconstitucionalidade reconhecida por cinco dos 11 ministros do STF no julgamento do RE 596478’, lembrou o ministro Teori. Ele citou ainda diversos precedentes das Turmas do STF no sentido de negar o direito a outras verbas rescisórias típicas do contrato de trabalho, ainda que a título de indenização.
‘Na verdade, o alegado prejuízo do trabalhador contratado sem concurso não constitui dano juridicamente indenizável’, afirmou. ‘Embora decorrente de ato imputável à administração, se trata de contratação manifestamente contrária à expressa e clara norma constitucional, cuja força normativa alcança também a parte contratada, e cujo sentido e alcance não poderia ser por ela ignorada’. Segundo o ministro, o reconhecimento do direito a salários afasta, ainda, a alegação de enriquecimento ilícito por parte da Administração.” Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=273905. Acesso em 19.10.2017.
[34] A sentença proferida pelo Exmo. Juiz do Trabalho, então em exercício na 1ª Vara do Trabalho de Porto Velho – RO, Dr. Jônatas dos Santos Andrade, em 31.05.2004, nos autos do processo 00333.2001.001.14.00-0, foi a primeira condenação por improbidade administrativa com trânsito em julgado relativa à primeira ação civil pública ajuizada com esta temática na Justiça do Trabalho, no ano de 2001.
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