A chamada “consumação mínima” é uma taxa cobrada por bares e restaurantes, principalmente aqueles com atividade noturna e que, como o próprio nome diz, revela uma cobrança de um valor básico ao cliente, suplementar ao do valor do ingresso.
Tal cobrança vem sendo tratada pelos tribunais do país como “venda casada”, pois, normalmente, não é optativa, ou seja, não é fruto de escolha por parte do cliente. Pelas decisões encontradas, fornecedores passaram a não poder condicionar a venda de um produto à aquisição de outro, ou seja, o empresário não pode condicionar a entrada de um consumidor no respectivo recinto comercial ao pagamento de certa quantia mínima vinculada, determinando-lhe previamente quanto teria de gastar.
É verdade que os casos recentes que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, tiveram os respectivos conhecimentos esbarrados na Súmula 07 daquela Corte, que obsta a análise de matéria fática dos recursos. Em simples consulta, contudo, dois estavam nessa discussão material, podendo extrair-se o respectivo substrato conteudístico.
O primeiro, identificado no agravo em recurso especial 224741 – SP, é datado de 01 de dezembro de 2014, tendo sido analisado pelo Ministro Benedito Gonçalves, e o segundo, julgado em 02 de dezembro de 2015 pela Ministra Diva Malerbi, está no agravo em recurso especial 799.756 – SP. Em ambos, manteve-se o entendimento de origem, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que havia decidido pela ilicitude da cobrança.
Todas as decisões acima utilizaram-se do inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que determina que “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas” (I) condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin[1], ao comentar a norma consumerista acima apontada, comenta que “venda casada” é a negativa do empresário em fornecer o produto ou serviço sem que o consumidor concorde em adquirir também um outro por ele oferecido. Assim, até por isso, as decisões julgadas que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça tinham aparência de irretocáveis.
Sobre o tema, registre-se, há até o Projeto de Lei 5022/2016, que proíbe a cobrança de consumação mínima em bares, casas noturnas e festas em todo o País e que está em tramitação na Câmara dos Deputados.
O problema está justamente na generalização da interpretação sobre a cobrança antecipada nos mesmos bares e restaurantes.
É possível dizer que os procedimentos adotados pelos comerciantes nem sempre podem ser considerados abusivos. Veja-se, vincular a permanência no local à taxa de consumação mínima somente é abusiva se o consumidor não receber a alternativa para pagar as bebidas no momento em que consumi-las, ou após a saída do ponto comercial. Do contrário, tais análises não podem ser tão rigorosas, sob pena de acabar-se, em tese, com a liberdade consensual.
Logo, identificar previamente a consumação mínima como abusiva é um erro, ou, ao menos, um exagero. É necessário proteger o consumidor, mas também é indispensável dizer como vai ficar a situação do fornecedor, pois este necessita efetuar a cobrança de produtos que vende, após o ingresso do cliente no ponto comercial.
A questão é que o artigo 4o do Código Civil preceitua que “são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer” (III) “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade” exatamente a posição dos que se embriagam e necessitam pagar a comanda do bar ao final da noite.
Aqui, vale lembrar Paulo Nader[2], para quem os que eventualmente bebem e se embriagam, sem vício, desde que não se encontrem sob efeito do álcool, “são plenamente capazes para a prática de atos da vida jurídica”.
Ora, se a cobrança antecipada de consumação mínima é considerada abusiva, o que resta é a forma de cobrança está pautada, ou na entrega da coisa unitária mediante pagamento à vista, ou nas chamadas comandas nas quais o cliente solicita a bebida e há uma marcação num papel ou num sistema eletrônico para que haja o pagamento ao final da consumação.
O próprio e já mencionado Projeto de Lei 5022/2016, que tramita na Câmara dos Deputados, tem, no artigo 4o, o dizer de que “é vedado a qualquer estabelecimento, que trata esta lei, transferir ao consumidor a responsabilidade do controle de consumo”. Entende-se aqui por controle de consumo as marcações em comandas, por exemplo. Logo, o Projeto entende que as cobranças posteriores são válidas e que devem ser controladas pelo fornecedor, o que talvez, por si só, não tenha coerência.
Sobre isso, desnuda-se uma visão hipotética: determinado sujeito adentra em uma casa noturna, paga o ingresso e pede uma bebida de alto teor alcoólico a um atendente. Logo após terminar a primeira dose, solicita ao mesmo funcionário do bar mais um copo. Repete o mesmo procedimento várias vezes. Por certo, a perda da compreensão da gravidade dos negócios jurídicos de compra que pratica ocorreria inevitavelmente e, com ela, em sentido inverso, apareceria a possibilidade de aplicação do inciso III do artigo 4o do Código Civil. Assim, resta evidente que qualquer consumidor possa sofrer com a perda do discernimento para a prática e, com isso, teria em suas mãos, a possibilidade de interposição de ação anulatória quanto à cobrança recebida ao final.
Como já dito, os que eventualmente bebem e se embriagam perdem a capacidade para a celebração do negócio jurídico e isso coloca em xeque a posição daquele que vende a bebida alcoólica. Em tese, somente a primeira dose poderia passar pelo crivo da validade plena, restando as demais sob o pleito da anulabilidade.
Pois bem, entender que a cobrança antecipada é sempre abusiva acaba sendo algo que não leva em consideração o fato de que a embriaguez é fator de incapacidade relativa, o que é um absurdo.
O caminho adequado para tais questões, em sentido contrário ao que vendo tratado, é entender que a cobrança antecipada da taxa de consumação mínima é medida não abusiva, mas protetiva a consumidores e fornecedores, funcionando como um elemento de garantia contratual contra a anulabilidade decorrente da incapacidade relativa inerente à embriaguez.
Se o entendimento atual prevalecer, mantendo-se a ilicitude genérica da taxa antecipatória, muito em breve os consumidores poderão ingerir bebidas alcoólicas gratuitamente em bares e restaurantes, enquanto que os fornecedores deverão encerrar com as respectivas atividades empresariais.
Notas e Referências:
[1] In GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo [Coord.]. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: FORENSE UNIVERSITÁRIA, 2007, p. 380.
[2] NADER, Paulo. Curso de direito civil.: parte geral .v. I, 8 ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2011, pp. 172-173.
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