A solidariedade ambiental como um dever do Ser Humano – Por Wagner Carmo

08/10/2017

1.Introdução

O meio ambiente é o local onde a vida acontece, ligando intimamente o homem com a natureza e com os demais seres viventes da fauna e da flora. Neste sentido, a lei n.º 6.938/81 dispõe que o meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

A partir da premissa legal, a doutrina fixa que o conceito de  meio ambiente abrange o meio ambiente natural, compreendido pela atmosfera, pelo solo, pela fauna; o meio ambiente cultural, alcançando os bens de natureza material e imaterial de valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, paleontológico e científico; o meio ambiente artificial, formado pelas edificações, equipamentos e alterações provocadas pelo homem (cidades/urbanizações), e meio ambiente do trabalho, formado pelas condições relacionadas ao local de trabalho do homem.

A Constituição Federal de 1988[1], por sua vez, no art. 225 estabelece que todos têm direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, bem de uso comum do povo, impondo ao poder público e a coletividade o dever de preserva-lo para as presente e futuras gerações.

O texto da Carta Magna enceta a questão elementar de que não existe direito sem dever e tampouco dever sem direito, pois, ao mesmo tempo que estabelece ser o meio ambiente um direito, prescreve um dever como contrapartida, do poder público e do cidadão, de preserva-lo.

Trata-se de um direito-dever constitucional e fundamental. É direito pelo fato de que toda a sociedade possui a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. É um dever em razão de que a preservação do meio ambiente é essencial para a vida das presente e futuras gerações do planeta terra.

Ivy de Souza Abreu[2] explica que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, consequentemente, o dever de protege-lo se traduzem como formas da expressão e desenvolvimento da dignidade humana, um dos fundamentos basilares e inconcussos do Estado Democrático de Direito.

A partir destas premissas, o presente artigo analisará a relação do binômio direito-dever ao meio ambiente sob a ótica do princípio da solidariedade.

2. A constitucionalização do princípio da solidariedade

A introdução do conceito de solidariedade nos textos constitucionais decorreu dos ideais contidos nas grandes revoluções históricas da humanidade, dentre as quais pode-se destacar a Independência dos Estados Unidos da América de 1776 e a revolução francesa de 1789. A revolução francesa, por sua vez, motivou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com destaque para os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Sob o ponto de vista histórico, ainda, a fraternidade sempre foi reconhecida como ideal filosófico, religioso e moral, porém, enquanto categoria jurídica e princípio de orientação à formulação de leis, o reconhecimento e a solidez veio através da Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

Os ideais da Revolução Francesa[3] deixaram de ser apenas uma carta de intenção, da boa convivência ou de obediência a ordem religiosa, mas se transformaram numa Forma de Governo cujo valores universais foram inseridos nos textos Constitucionais daqueles países tornando-se obrigatórios no aspecto jurídico, onde as ações dos governantes em relação aos governados deveriam obedecer tais princípios revolucionários sob pena de atentar contra o próprio Estado Democrático e Social de Direito.

Norberto Bobbio, estudando as gerações dos direitos humanos, incluiu a fraternidade como um direito de terceira geração – denominados de direitos da fraternidade ou direitos de solidariedade. São direitos fundamentais voltados para o progresso e para desenvolvimento da humanidade, o que inclui o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Norberto Bobbio explica que a terceira geração de direitos tem início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948, possuindo como característica a afirmação dos direitos de forma universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado[4].

O art. 3º da Constituição Federal[5] dispõe que a solidariedade constitui um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Em verdade, a Constituição Brasileira transpôs os princípios da revolução francesa, pois, ao exprimir que o objetivo da República é a constituição de uma sociedade livre, expressou o princípio revolucionário da liberdade. Ao afirmar que o objetivo da República é uma sociedade justa, retratou o princípio revolucionário da igualdade e, por fim, ao fixar que o objetivo da República é uma sociedade solidária, consolidou o ideal de fraternidade.

Carlos Ayres Brito[6] considera que a cooperação entre os Seres Humanos é fruto de um processo histórico, destacando que efetivamente, se consideramos a evolução histórica do Constitucionalismo, podemos facilmente ajuizar que ele foi liberal, inicialmente, e depois social. De par com isso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação do valor do Desenvolvimento, do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, da Democracia e até de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais. Tudo na perspectiva de se fazer a interação de uma verdadeira comunidade; isto é, uma comunhão pela consciência de que, estando todos em um mesmo barco, não têm como escapar da mesma sorte ou destino histórico. 

3. O Estado e o meio ambiente

A partir da Constituição Federal de 1988 o meio ambiente passou a ser um bem tutelado juridicamente. Como leciona José Afonso da Silva[7]a Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental, trazendo mecanismos para sua proteção e controle, sendo tratada por alguns comoConstituição Verde.

A matéria tratada pelo art. 225[8] criou (a) uma nova categoria de bem: o bem ambiental, um bem de uso comum do povo, e, ainda, um bem essencial à sadia qualidade de vida e (b) um dever de solidariedade com a sociedade de preservação do meio ambiente.

Sendo o meio ambiente um bem comum, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[9] ensina que o Estado deve garantir igualdade de condições para uso e fruição. Compreende-se que o meio ambiente é um bem que o povo utiliza, sem restrição, de forma gratuita ou onerosamente e sem necessidade de permissão especial. Celso Antônio Pacheco Fiorillo[10] explica que a utilização do meio ambiente não comporta exclusividade de pessoa ou de grupo, tampouco se atribui a quem quer que seja sua titularidade.

O Estado, a partir da Constituição Federal é responsável pela defesa e pela proteção do meio ambiente.

4. O Ser Humano e o meio ambiente

Em regra, o homem relaciona-se sempre a partir da ideia de receptor de direito, deixando de lado duas premissas essenciais: a) que é sujeito de deveres e, b) que deve ser protagonista dos próprios direitos.

Em matéria ambiental, em regra, o que se observa não é diferente. O homem relaciona-se com os elementos do meio ambiente de forma antropocêntrica; considerando-se como fonte de todo valor – acima ou fora da natureza. Assim, atribui para o meio ambiente um valor apenas instrumental ou utilitário. O homem, neste particular apropria-se e utiliza-se dos recursos do meio ambiente como receptor de um direito absoluto e sem fomentar qualquer contrapartida.

É necessário que o Ser Humano altere o paradigma de vida em sociedade, assumindo a responsabilidade com agente ativo pelo implemento de ações em favor do meio ambiente, com destaque para a alfabetização ecológica; para a implantação de novos valores relacionados ao estilo de vida e de negócios e sobretudo, pela preservação dos recursos naturais.

5. A solidariedade ambiental

A solidariedade ambiental se traduz na percepção prática de que a preservação do meio ambiente é um dever do Estado e todos os Seres Humanos.

Segundo Ivy de Souza Abreu[11], a solidariedade reflete a corresponsabilização de todos os indivíduos pelos problemas sociais e pela solução desses problemas. Os cidadãos são mutuamente detentores de direitos e de deveres perante a comunidade e aos demais cidadãos. O binômio direito-dever expressa a relação solidaria do Estado Democrático de Direito.

A solidariedade constitui um dever fundamental, uma responsabilidade mutua entre os cidadãos e o Estado para com o bem-estar, a qualidade de vida e a dignidade dos outros cidadãos. Assim, em relação ao meio ambiente, a solidariedade constitui um dever fundamental dos indivíduos em favor da coletividade para preservar os recursos naturais e, inclusive, a vida do Ser Humano.

6. Conclusão

A solidariedade, fundada no Estado Democrático de Direito, exige a compreensão social de que todos os Seres Humanos são iguais e possuem o direito de ter uma vida digna e, ainda, que a consecução da dignidade humana requer a cooperação e a participação cidadã pela exigência de direitos e pelo cumprimento de deveres.

É necessário alcançar uma definição operacional de solidariedade em relação ao meio ambiente. A chave para alcançar a definição está em reconhecer que o Ser Humano possui deveres e obrigações em relação a defesa e a proteção do ambiente em que vive.


Notas e Referências:

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília. Senado Federal, 1988. Disponível em www.planalto.gov.br – Acesso em 02 de out. 2017.

[2] ULHOA, Paulo Roberto. FARO, Júlio Pinheiro. (coord.) Direito humanos e meio ambiente. Vitoria: Cognorama, 2014. Artigo O binômio direito-dever fundamento ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e seu alicerce na solidariedade.

[3] SALMEIRÃO, Cristiano. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13090&revista_caderno=9 – Acesso em 04 de out. 2017.

[4] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: ed. Campus, 1992.

[5] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária.

[6] BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003..

[7] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília. Senado Federal, 1988. Disponível em www.planalto.gov.br – Acesso em 02 de out. 2017

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

[10] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.

[11] ULHOA, Paulo Roberto. FARO, Júlio Pinheiro. (coord.) Direito humanos e meio ambiente. Vitoria: Cognorama, 2014. Artigo  O binômio direito-dever fundamento ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e seu alicerce na solidariedade.


 

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