A sociedade e o conceito de meio ambiente

09/09/2018

Introdução.

É recorrente que as discussões e os debates sobre preservação, conservação e restauração do meio ambiente repousem apenas nas preocupações com o meio ambiente natural. De regra, o senso comum não inclui o meio ambiente artificial (construído), o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho como espaços ou ambientes que exigem cuidados, ora por desconhecimento, em razão da falta de educação ambiental e ora pela ausência de cidadania ambiental, relegando-os a um plano secundário.

O resultado prático da ignorância ambiental é comumente apresentado à sociedade da pior forma possível, e quando o descaso é com o meio ambiente, geralmente as consequências geram danos à incolumidade física e aos bens materiais e imateriais. É o caso das enchentes nas grandes cidades (meio ambiente artificial), da constituição de uma sociedade sem rosto, pelo abandono das tradições e dos marcos históricos de um povo (meio ambiente cultural), e também, pelo flagelo do trabalho escravo, do subemprego ou do emprego sem as condições de atender a dignidade humana (meio ambiente do trabalho).

Discute-se no presente ensaio, as consequências para a sociedade em razão da incompreensão do seja meio ambiente.

A abrangência do conceito de meio ambiente na legislação brasileira.

No ordenamento jurídico, o conceito de meio ambiente foi estabelecido, inicialmente, pela Lei da Politica Nacional de Meio Ambiente – Lei n.° 6.938/81, quando estabeleceu no art. 3º que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Parte da doutrina, como é caso de RODRIGUES (2002, p. 76)[1], explica que o conceito legal de meio ambiente previsto na Lei n.º 6.938/81, é restritivo, vinculando o espirito do meio ambiente apenas ao aspecto natural ou físico, excluindo, portanto, os demais.

Para MILARÉ (2004, p. 84)[2], o conceito da Lei n.º 6.938/81 é mais amplo e não se atém apenas aos recursos naturais, alcançando também o meio ambiente artificial (urbano ou construído), cultural e do trabalho. Para o renomado autor, trata-se, portanto, de uma compreensão de meio ambiente sistêmica, envolvendo todo o ecossistema.

A posição de MILARÉ decorre da ótica de interpretação sistemática do ordenamento jurídico a partir da Constituição Federal de 1988 que  destacou e classificou o meio ambiente em natural (contido no capítulo VI, título VIII art. 225) em meio ambiente artificial, construído ou urbano (capítulo II, título VII), em meio ambiente cultural (título VIII, mas no capítulo III e seção II) e em meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII).

Entretanto, embora o conceito de meio ambiente disposto na Lei n.° 6.938/81 e na Constituição Federal estejam alargados pela doutrina e pela jurisprudência, há lacunas expressivas por não incluir, objetiva e textualmente o Ser Humano como parte essencial do meio ambiente; por não considerar o meio ambiente cultural e, muito menos reconhecer a existência do meio ambiente do trabalho.

Nesse sentido, o art. 225 da CF/88, por sua vez, de clara orientação antropocêntrica, trata o ambiente natural de forma utilitarista e não considera o homem com parte do ecossistema e, muito menos como sujeito de direitos e de deveres em relação à sustentabilidade da sociedade e do planeta. 

A Constituição Federal de 1988, diferentemente da Lei n.º 6.938/81, não propôs uma definição de meio ambiente, entretanto a norma fundamental esboçou diversos princípios a partir da redação do caput do art. 225, quando fixou que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e  preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O art. 225, mesmo não sendo um princípio conceitual, fixou as seguintes diretrizes: a) que o meio ambiente é um direito de todos os Seres Humanos; b) que o meio ambiente é um bem público – da categoria bem de uso comum -; c) que a responsabilidade pela preservação e conservação do meio ambiente é um dever do cidadão, constituindo a face da cidadania ambiental e da sustentabilidade.

Consequências da incompreensão do meio ambiente do trabalho

Os elementos que compõem o conceito de meio ambiente já foram colocados, ou seja, a necessidade de inclusão do Ser Humano e de todos os aspectos de sociabilidade (cultura, trabalho, lazer) como imprescindível à preservação da qualidade dos sistemas ecológicos e do crescimento econômico sustentável (compreendido como aquele que seja capaz de satisfazer as necessidades entre as gerações presente e futura).

Desta forma, percebendo que o meio ambiente não é um conceito restrito à natureza; a visão excludente ou minimalista que não envolve o Ser Humano e o (ambiente de) trabalho acaba produzindo a insustentabilidade social, com a deterioração de todo o ecossistema, principalmente, pelo empobrecimento da população, cujo recrudescimento gera o miserável e o excluído, um substrato social altamente vulnerável, capaz de adaptar-se à desarmonia do ambiente, relativizando a vida e a  violência.

A sociedade, como um todo, parece não reconhecer que a dignidade da pessoa humana, a redução da violência e o respeito à vida passa necessariamente pela adoção de políticas públicas que incluam a preservação de todos os ambientes e de todos os Seres Vivos e, que a  falta de respeito aos Seres Vivos, de trabalho e oportunidade de desenvolvimento social do Ser Humano deterioram o meio ambiente, colaborando para o empobrecimento social, ético e econômico de toda a sociedade. Não se entendeu, também, que os problemas não estão isolados, ao contrario, estão indiscutivelmente interligados; exigindo, para resolução, ações transversais e interdisciplinares.

Tal percepção foi observada com agudez por Sachs (1986), citado por TAYRA[3], numa análise que foi corroborada pelas conclusões do Relatório Brundtland, se a degradação ambiental agrava as condições de vida dos mais pobres, a pobreza destes conduz a uma exploração predatória dos recursos naturais, fechando um ciclo perverso de prejuízos sócio-ambientais. É continua aduzindo que uma observação mais simples da realidade, por seu turno, nos mostra que são mais pobres aqueles que não possuem emprego.

O desemprego e a pobreza estão enraizados no modo de organização e estruturação da sociedade capitalista, este constitui um mal capaz de segregar pessoas em estamentos e de utilizar os recursos naturais indiscriminadamente; sem responsabilidade socioambiental com sustentabilidade da sociedade, seja material, psicológica, emocional ou alimentar.

Consequências da incompreensão do meio ambiente cultural

De regra, o patrimônio cultural nas sociedades modernas é reconhecido apenas pelas manifestações folclóricas e pelos museus, cuja importância é  relegada a um plano inferior de estruturação das políticas públicas e alocado em espaços específicos de modo que não atentem contra a perspectiva da estética moderna. Trata-se de uma visão equivocada que desconsidera os aspectos antropológicos da cultura que, no dizer de PELEGRINI[4] define-se como "todo conhecimento que uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material em que vive e sobre sua própria existência".

O patrimônio cultural, na visão esboçada por PELEGRINI compreende também as maneiras de o ser humano existir, pensar e se expressar, bem como as manifestações simbólicas dos seus saberes, práticas artísticas e cerimoniais, sistemas de valores e tradições.

Correntemente somos levados a expressar e a agir de forma simplista em relação ao patrimônio cultural, como se a cultura fosse o passado que deve ser apenas conservado em um recipiente para ser visto ou observado pela história. Lado outro, a fluidez da modernidade e das tecnologias não permitem a adequada compreensão da complexidade que envolve a expressão patrimônio cultural. Se em uma ponta temos o passado, na extremidade oposta temos a coexistência da pluralidade cultural no meio ambiente moderno, pois, o patrimônio cultural passa a articular, em um único conceito, o patrimônio natural (aspectos paisagísticos) e o Ser Humano através de suas relações com o meio (políticas de gênero, modos de vida, forma de expressão do saber).

A partir dessa compressão, a preservação do patrimônio cultural adquire dimensões de ordem social, ambiental, econômica, política, cultural e, sobretudo de dignidade humana. A importância do patrimônio à sociedade atinge o status de consciência coletiva quanto ao respeito pelo Ser Humano e pelo Planeta, uma compreensão solidária de uso racional dos bens comuns e necessários para a Vida.  Portanto, o desprezo pelo patrimônio cultural significa curiosamente o desprezo pelo Ser Humano,  a destruição dos ecossistemas, das paisagens naturais, dos conjuntos arquitetônicos, dos monumentos, dos sítios arqueológicos, das peças móveis, das  manifestações culturais e artísticas (da memoria de um povo)

Nesse contexto, considerando que o Brasil é um país territorialmente vasto e culturalmente diversificado, a exclusão do meio ambiente cultural acaba por desprezar toda a riqueza cultural existente, privando as gerações do futuro de reconhecerem os valores praticados pela sociedade do passado e do presente, pois, não haverá transmissão de conhecimento de geração para geração.

Conclusão.

Conclui-se, primeiro, que a discussão que envolve o meio ambiente vai muito além da preservação da natureza física, devendo sempre incorporar o meio ambiente do trabalho e da cultura e, segundo, que o meio ambiente é transversal à sociedade e às ciências, devendo ser estudado a partir dos diversos e múltiplos enfoques da vida em sociedade. 

 

 

Notas e Referências

[1] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituição de direito ambiental. vol. 1, São Paulo: Max Limonad, 2002

[2] MILARÉ, Édie. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos T ribunais, 2004

[3]TAYRA, F. A relaçao entre o mundo do trabalho e o meio ambiente: limites para o desenvolvimento sustentável.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (72), 2002. [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-72.htm Disponível em http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn119-72.htm. Acesso em 06 de set. 2018.

[4] Sandra C. A. Pelegrini. Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira de História. Disponível em  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882006000100007. Acesso em 07 de set. 2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post: NATURE // Foto de: val489 // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/78700052@N05/7211596824/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura