Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
Como bem aponta Jean Baudrillard[i], é uma característica de toda e qualquer sociedade o ato de desperdiçar, dilapidar, gastar e consumir além do necessário. Atualmente, a multiplicação dos objetos, dos serviços e dos bens materiais deixa em evidência o consumo em abundância.
Além disso, a sociedade de consumo busca praticidade, não se importando com o custo econômico e ambiental que esta escolha possa gerar. Um exemplo simples são as garrafas de vidro retornáveis que foram substituídas por garrafas de plásticos. Apesar de ecologicamente mais adequadas por possibilitarem a reutilização por longos anos, o fato de ter que armazenar as embalagens de vidro em casa e levá-las para o mercado toda vez que se queira comprar uma nova bebida, fez com que muitas pessoas aprovassem a nova versão descartável, mesmo conscientes de que garrafas produzidas com plásticos levarão em torno de 400 anos para se decompor e que, por decorrência do descarte irregular, acabam poluindo a natureza ou entupindo bueiros.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, é mais prático usar copos e pratos de plástico (que depois do evento serão descartados) do que lavar copos de vidro. O problema é saber onde todos esses objetos irão parar quando virarem “lixo”.
O que era para ser apenas momentos de divertimento no festival do Rock in Rio 2019, gerou a impressionante produção de 162,2 toneladas de lixo na parte interna do evento, considerando apenas os seus três primeiros dias de apresentações no mês de setembro[ii]. Deste total, 65,9 toneladas correspondia a resíduos orgânicos e 96,3 toneladas tinham potencial para reciclagem, o que não significa dizer que receberam este destino.
O mesmo resultado foi presenciado no dia 1º de janeiro de 2019, quando percebeu-se que 25 tonéis e mais de 30 contêineres instalados para descarte de lixo próximos a Usina do Gasômetro de Porto Alegre não foram suficientes para armazenar o lixo produzido por cerca de 140 mil pessoas presentes para a comemoração de Réveillon. Segundo dados da Prefeitura, a maior parte das toneladas de lixo encontradas na orla do Guaíba eram formadas de latas de bebidas, garrafas e embalagens plásticas[iii].
Este cenário, entretanto, não é específico do povo brasileiro. Uma pesquisa sobre produção e reciclagem de plástico[iv] realizada em mais de 200 países pelo Banco Mundial em parceria com o Fundo Mundial para a Natureza, apontou os países que mais produzem plásticos e o quanto eles reciclam. O estudo foi publicado no início de 2019 e considerou o total descartado em lixo eletrônico e resíduos sólidos urbanos, industriais, agrícolas e oriundos da construção, no período de um ano.
A primeira posição é liderada pelos Estados Unidos. O país produz um total de 70.782.577 toneladas de lixo plástico, dos quais recicla o equivalente a 34,6% e incinera 12,8%, gerando um excedente de 8.989.387 toneladas ao ano.
Em segundo lugar, está a China. Com uma produção de 54.740.659 toneladas, recicla o correspondente a 21,92% e incinera 21,9%, originando uma sobra de 30.752.102 toneladas de lixo plástico.
Já o terceiro lugar, é ocupado pela Índia, que produz 19.311.663 toneladas. Deste total, recicla 5,73% e incinera 0,07%, gerando um excedente de 18.191.442 toneladas.
Por outro lado, a Alemanha possui um dos melhores resultados da pesquisa. Apesar de ocupar o sétimo lugar, com a produção de 8.286.827 toneladas de lixo plástico todos os anos, destaca-se pelo percentual de reciclagem, o equivalente a 37,94%. Além disso, incinera cerca de 58%, o que resulta em uma sobra de 267.100 toneladas, bem inferior que a maioria dos países.
O Brasil é classificado como o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, com 11.355.220 toneladas. Em 2010, o país elaborou sua própria Política Nacional de Resíduos Sólidos[v] (Lei Federal nº 12.305/2010). Uma novidade trazida por esta lei é a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Compõem-se de um conjunto de atribuições aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, bem como aos consumidores e aos responsáveis pelos serviços públicos de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. Visa reduzir o volume de resíduos sólidos gerados e minimizar os impactos causados à saúde humana e ao meio ambiente, por meio de medidas como o incentivo à utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade, o estímulo à reciclagem, o incentivo às boas práticas e o aproveitamento de resíduos sólidos para produção de novos produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis.
A mesma lei também dispõe sobre a logística reversa. Apresentado como um instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracteriza-se por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição de determinados resíduos sólidos ao setor empresarial após o uso pelo consumidor, para reaproveitamento em ciclos produtivos ou outra destinação final ambientalmente adequada.
Passados 9 anos da elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o Brasil ainda possui um longo caminho a percorrer. De acordo com o relatório do Fundo Mundial para Natureza referido acima, além de ser um dos maiores produtores de resíduos plásticos no mundo, recicla apenas cerca de 1,28% do seu lixo (o equivalente a 145.043 toneladas). Este resultado é alarmante, visto que a média mundial de reciclagem plástica é de 9%. Percebe-se, assim, que o caminho é realmente longo...
Notas e Referências
[i] BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Portugal: Edições 70, 2011.
[ii] Fonte: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/rock-in-rio/2019/noticia/2019/09/30/lixo-no-rock-in-rio-comlurb-recolhe-1622-toneladas-de-residuos-nos-primeiros-dias-do-festival.ghtml.
[iii] Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2019/01/orla-do-guaiba-amanhece-tomada-por-lixo-apos-festa-de-ano-novo-cjqdmsub20on901pijqfx0ys8.html.
[iv] Fonte: https://www.wwf.org.br/?70222/Brasil-e-o-4-pais-do-mundo-que-mais-gera-lixo-plastico.
[v] O inciso XVI da Lei nº 12.305/10 define resíduos sólidos como “material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível”.
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