Em algumas oportunidades, na coluna Empório do Direito, tratamos sobre contratos de colaboração, cujo raciocínio também se aplica às sociedades cooperativas.
Uma pessoa, individualmente considerada, por mais empreendedora que seja, tem dificuldades para impulsionar a sua atividade econômica, diante dos custos de transação que o mercado competitivo impõe.
A união entre colaboradores, mediante ajuda mútua, poderá potencializar o negócio no sentido de tornar a atividade tão mais competitiva, quanto mais colaborativa, especialmente em um mundo globalizado, onde o associativismo ganha ênfase como um bom modelo para propiciar o desenvolvimento econômico, social e cultural, capaz de trilhar qualquer sistema político.
A reunião de pessoas em uma organização cooperativa é considerada uma alternativa para reduzir custos e aprimorar o investimento, considerando-se o aumento do poder de compra, o compartilhamento de competências, a transferência de tecnologias, a centralização e a otimização dos custos gerenciais e administrativos entre outras situações peculiares deste tipo organizacional, inclusive, de cunho tributário, no que se refere aos incentivos quanto à prática de atos cooperativos.
Alfredo Assis Gonçalves Neto, após incursão sobre a natureza jurídica da sociedade cooperativa, questiona a opção legal pela catalogação dela como “sociedade simples”, no sentido de que não haveria justificativa para não caracterizá-la como “sociedade empresária”, exceto para afastá-la do regime falimentar, hipótese legal sobre a qual questiona e levanta divergência. Esclarece que é igualmente questionável a sua natureza societária diante da conjugação de aspectos associativos (não visar lucro) e de aspectos societários (apoio prestado ao cooperado no exercício de suas atividades profissionais e a distribuição dos resultados). O referido autor faz críticas ao legislador por ter perdido a oportunidade de dar um tratamento autônomo e intermediário entre as figuras citadas, como ocorre em outros países, ao designar a cooperativa como sendo uma empresa de economia social[1].
A sociedade cooperativa está regulada pelo Código Civil, artigos 1.093 a 1.096, pela Lei n. 5.764/71 e pela Lei 12.690/2012. A mencionada lei de 2012 institui a Sociedade Cooperativa de Trabalho e o Programa Nacional de Apoio ao Associativismo e Cooperativismo Social — PRONACOOP, que, mais tarde, foi regulamentado pelo Decreto 8.163/2013.
O Código Civil não traz o conceito legal para a sociedade cooperativa, mas alguns pressupostos essenciais. O conceito legal da cooperativa singular está disciplinado no art. 3º da Lei n. 5.764/71 que expressa: “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. Por outro lado, para as cooperativas de trabalho, o artigo art. 2º da Lei n. 12.690/2012 estabelece que: “considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”.
De qualquer forma, nesse contexto e como premissa, pode-se dizer que a cooperativa se estrutura a partir de “um negócio jurídico celebrado entre um determinado número de pessoas, destinado a constituir um sujeito de direito, distinto daquelas, com patrimônio e vontade próprios, para atuar na ordem jurídica como novo ente, como um organismo de apoio às atividades de produção ou circulação de bens ou serviços de seus membros”[2].
Entre as características previstas no artigo 1.094 do Código Civil, pode-se destacar: a variabilidade ou dispensa do capital social; a desvinculação do direito ao voto do valor da participação, pois cada participante terá direito a apenas um voto nas deliberações; e a forma de distribuição dos resultados, que será proporcional ao valor das operações efetuadas pelo cooperado.
Lançadas algumas premissas sobre a estrutura jurídica da sociedade cooperativa e algumas particularidades especiais, cabe realçar que o modelo cooperativista não contrasta com o sistema capitalista.
Marcia Carla Pereira Rodrigues e Giovani Ribeiro Rodrigues Alves sustentam que as cooperativas não são incompatíveis com o sistema capitalista e que cooperativismo contribui para um mundo mais justo e igual, sem que precise desempenhar um papel contrário ao capitalismo[3].
A estratégia de fomento à atividade decorre da análise do sucesso deste modelo no mundo, sendo que, no Brasil, tal modelo está em crescente evolução, mas ainda distante em relação aos Países que estão na vanguarda quanto à adoção ao cooperativismo e o incentivo a ele.
As cooperativas se destacam em vários segmentos do mercado. Entre os tipos mais comuns no mundo, segundo o SICOOB, estão: as agrícolas, financeiras, consumo, habitacionais, saúde, sociais e indústria[4].
Os números realmente impressionam, vejamos: “Se as 300 maiores cooperativas do mundo fossem um país, elas seriam a 6ª maior economia do mundo, com um PIB de US$ 2,53 bilhões. No mundo, 1 em cada 7 pessoas está associada a uma cooperativa. No Brasil, 51,6 milhões de pessoas são beneficiadas direta ou indiretamente pelo cooperativismo. Em 564 municípios brasileiros, as cooperativas de crédito são as únicas instituições financeiras locais; 807 municípios são atendidos por cooperativas de eletrificação no país; 428 milhões de toneladas de cargas são transportadas anualmente por cooperativas; 48% de toda a produção agrícola brasileira passa de alguma maneira por uma cooperativa agropecuária; 38% dos brasileiros com assistência médica são atendidos por cooperativas de saúde. As cooperativas de táxi transportam cerca de 2 bilhões de passageiros por ano, com média de 5,5 mil pessoas por dia. No Brasil, 372 mil empregos são gerados pelas cooperativas; US$ 5,137 bilhões é o volume de recursos movimentados pelas exportações realizadas por 240 cooperativas brasileiras a 147 países”[5].
Tem-se evidenciado, em algumas situações, a utilização da cooperativa para burlar o regime jurídico trabalhista, mas essa é uma exceção desviante decorrente de uma conduta especulativa e de má-fé ou em razão de fundadas dúvidas, especialmente antes da tipificação legal das cooperativas de trabalho. Os embates sobre a utilização deste modelo pautou e tem pautado os Tribunais em razão do oportunismo, no que se refere aos desvios de finalidade, ou seja, a utilização deste tipo de estrutura jurídica onde não tem aplicação, cuja consequência é a desconsideração ou a desconstituição, com graves repercussões na esfera jurídica dos supostos cooperados ou gestores.
Antes mesmo da entrada em vigor da Lei 12.690/2012, que serviu para pôr fim a uma boa parte das divergências jurisprudenciais a respeito da viabilidade ou não da sociedade cooperativa de trabalho, alguns autores já sustentavam a cooperativa como uma estratégia para o desenvolvimento econômico e social, a partir de resultados individuais compartilhados para além do conceito tradicional da sociedade capitalista, acreditando na possibilidade democrática da reunião de esforços comuns em prol da redução dos custos e da ascensão econômica dos integrantes da sociedade. Ao fazerem alusão à experiência do cooperativismo, destacam a França e o Canadá, a partir dos quais sustentam o modelo para o favorecimento do desenvolvimento individual e coletivo, justamente porque, nos países mencionados, o grau de desenvolvimento humano ostentado é um dos mais elevados, servindo como paradigma de sucesso[6].
Cabe concluir que a utilização do modelo cooperativo onde tem espaço e cabimento, trata-se de uma estratégia de mercado para alavancagem da atividade econômica, individual e coletiva, favorecendo o ambiente de negócios, estimulando o investimento, propiciando resultados operacionais mais atraentes para a atividade e impactando positivamente no desenvolvimento econômico, social e cultural do País.
Notas e Referências
[1] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 521.
[2] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 524.
[3] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e ALVES, Giovani Ribeiro Rodrigues. Empreendedorismo e inovação: a cooperativa como alternativa empresarial para o desenvolvimento. Scientia Iuris, Londrina, v. 14, p. 190.
[4] http://www.sicoobsc.com.br/altovale/noticias/dados-desenvolvimento-cooperativismo-pelo-mundo/.
[5] Revista Expressão do Cooperativismo Gaúcho, 2017, dados em: http://geracaocooperacao.com.br/numero-do-cooperativismo-no-brasil-e-no-mundo/.
[6] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e ALVES, Giovani Ribeiro Rodrigues. Empreendedorismo e inovação: a cooperativa como alternativa empresarial para o desenvolvimento. Scientia Iuris, Londrina, v. 14, p. 190
Imagem Ilustrativa do Post: Numbers And Finance // Foto de: reynermedia // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/89228431@N06/11322953266/
Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/