A SOBREVIDA DA AÇÃO MONITÓRIA NO CPC/2015 E OS EMBARGOS À MONITÓRIA COMO GARANTIA DE DIALETICIDADE

02/10/2020

Projeto Elas no Processo na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

A ação monitória no sistema processual brasileiro

O Código de Processo de 2015, ao revés do que parcela da doutrina acreditava, não fulminou a ação monitória. Existente no direito brasileiro desde 1995, por meio da Lei 9.079, o mecanismo deixou inúmeras lacunas e foi objeto de muitas críticas, com várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais e hoje a ação monitória encontra-se prevista nos artigos 700 a 702 do novel Codex[i].

Sabe-se que, historicamente, o processo monitório (ou injuncional) é uma técnica processual concebida com a finalidade de obter, de forma rápida, o título executivo “obviando-se os percalços naturais da demora processual na obtenção da sentença condenatória”.[ii]  Pode-se dizer, à luz dos dispositivos legais, que a ação monitória oportuniza ao credor que possui prova escrita representativa de um crédito abreviar o percurso processual para que seja formado o título executivo. Nesse contexto, verifica-se que o instrumento é voltado para aqueles que não possuem um título executivo, mas apenas e tão somente uma prova documental: é o que a doutrina denomina como “forte aparência da existência do direito a crédito”[iii]. É de se dizer: a monitória é instrumento processual para dar eficácia executiva a um título que ainda não o é. Esse viés não foi modificado pelo Código de 2015.

Vale destacar que, diferentemente do que acontece com o procedimento comum, o procedimento especial da ação monitória não se inicia com uma audiência de conciliação ou mediação (disciplinado no art. 334). Essa diferenciação acontece uma vez que, se não houver resistência do réu [por meio dos embargos à monitória], a decisão será automaticamente convertida em título executivo judicial definitivo (nos termos do art. 701)[iv].

Destaca-se como inovação o cabimento da monitória: o novo código de Processo Civil, na tentativa de alastrar a monitória, ampliou o procedimento passando a permitir sua utilização para cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e generalizou o seu cabimento para exigir entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel.

Mister abordar o contraditório diferido: a decisão que defere a expedição do mandado monitório é proferida liminarmente (nos termos do art. 9º, III do CPC/15) é realizada sem que seja ouvida a parte contrária — decisão tomada a partir do juízo de evidência do direito do autor, cabendo ao réu, resistir à pretensão pela via dos embargos (e não por meio do agravo!), uma vez que provoca a automática suspensão do processo[v].

 

Dos embargos à monitória

À partida convém trazer a lume que o prazo para embargos da monitória seguiu os padrões no Código de Processo Civil de 2015: 15 dias nos termos do art. 701 (com prazo em dobro para a Fazenda Pública, Defensoria e litisconsortes com procuradores diferentes de escritórios distintos em processos físicos). Aplica-se à contagem do prazo o art. 231: a partir da juntada do AR da citação postal ou do mandado cumprido.

Após a oposição dos embargos à monitória, o autor poderá apresentar resposta também no prazo de 15 dias.

A respeito da natureza jurídica, acolhe-se a doutrina majoritária de que os embargos à ação monitória têm natureza jurídica de defesa — e não de ação: “é, pois a resposta do réu à pretensão do Autor”[vi]. O STJ também já se manifestou a respeito disso: “os embargos à monitória têm natureza jurídica de defesa”[vii]. Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini adotam a teoria de que é ação própria incidental[viii].

Sobre o recolhimento das custas, vale destacar sua dispensa: “mostra-se inadequada a imposição de recolhimento de custas processuais para sua oposição” (JTJ 329/37: AI 7.724.109-9) e, na mesma toada, dispensa garantia do juízo. Vale destacar, não se admite negativa geral[ix], nos termos do art. 341 do CPC.

Apresentados os embargos, a ação monitória torna-se uma normal ação de conhecimento, em procedimento comum, capaz de dar ensejo também a exceções processuais e até mesmo à reconvenção — a reconvenção na ação monitória, bem a propósito, foi assunto da Súmula 292 do STJ. Confira-se:

A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário.

Confira-se lição de Humberto Theodoro Júnior[x] sobre a conversão ao procedimento ordinário, após a oposição dos embargos à monitória:

Ao contrário do que se passa na execução, os embargos aqui não são autuados à parte. São processados nos próprios autos, como a contestação no procedimento ordinário (art. 1.102, c, § 2º).

Após os embargos, o desenvolvimento do iter procedimental seguirá o rito ordinário do processo de conhecimento, até a sentença, que poderá acolher ou não a defesa. Rejeitados os embargos, e execução terá início, pois a sentença transformará ação monitória em execução de título judicial. O devedor será intimado para pagar ou segurar o juízo e a execução prosseguirá dentro da marcha prevista para as obrigações de quantia certa ou de entrega de coisa (Livro II, Título II, Capítulos II e IV, do CPC).

Acolhidos os embargos, revogado estará o mandado inicial de pagamento e extinto será todo o processo. Se o acolhimento for apenas parcial, a execução terá curso sobre o remanescente do pedido do autor não alcançado pela sentença[xi]

Nessa mesma toada e, diferentemente do que acontece nas ações executivas, os embargos à monitória abrem a possibilidade de ampla discussão da matéria com a possibilidade de produção de provas em audiência, com contraditório pleno e cognição exauriente[xii]. O ponto é expresso no § 1º do art. 702: Os embargos podem se fundar em matéria passível de alegação como defesa no procedimento comum. Significa, ainda, dizer que o réu, em sede de embargos pode arguir qualquer das matérias previstas nos arts. 337[xiii] e 342[xiv] do CPC[xv].

O CPC/15 traz inovações ao apontar expressamente o recurso cabível: nos termos do dispositivo legal (art. 702, § 9º), cabe apelação contra sentença que acolhe ou rejeita os embargos.

A dúvida permanece sobre os efeitos da apelação: mais bem explicando, falta definir se o recurso teria ou não efeito suspensivo. A resposta advém da leitura e interpretação do § 4º: “A oposição dos embargos suspende a eficácia da decisão referida no caput do art. 701 até o julgamento em primeiro grau” — evidenciando-se, assim, o evidente efeito suspensivo do apelo. Todavia, a exceção se mostra na possibilidade de concessão da tutela de evidência na sentença, de modo a subtrair o efeito suspensivo do apelo e a permitir o cumprimento provisório de sentença:

A sentença de procedência do pedido da ação monitória, após o oferecimento de embargos pelo réu, é exemplo do momento em que o juiz pode conceder ao autor tutela provisória da evidência, com fundamento no art. 311, IV. Isso porque o autor terá instruído a petição inicial com prova “documental suficiente dos fatos constitutivos” de seu direito e o réu, por não ter sucesso em impedido a condenação, não terá apresentado “prova capaz de gerar dúvida razoável[xvi].

Vale trazer a lume, ainda, que, muito embora o Código não tenha dito expressamente, no caso de procedência dos embargos, os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o proveito econômico obtido, ou seja: a diferença entre o valor cobrado e aquele que se verificou ser efetivamente devido, conforme entendimento já firmado pelo Superior Tribunal de Justiça[xvii].

Elucida-se, assim, que, ocorrendo o julgamento pela procedência da ação monitória, rejeitando a matéria dos embargos, forma-se, o título executivo judicial. Em caso de pagar quantia certa, o autor deve dar prosseguimento no “tradicional” cumprimento de sentença”. Já no caso de obrigação de fazer ou não fazer, caso não haja cumprimento espontâneo, o juiz poderá determinar nos termos do art. 536, as medidas necessárias para a satisfação do direito exequente — com arbitramento de multa, busca e apreensão, remoção de pessoas, etc.

À derradeira, o Código de Processo Civil de 2015 inova ao incorporar no procedimento especial da ação monitória, o dever de boa-fé das partes, prevista no art. 5º do CPC, uma vez que possibilita a aplicação de multa de até 10% quando, de má-fé for ajuizada a ação monitória ou os embargos à monitória.

 

Notas e Referências 

BATISTA DA SILVA, Ovídio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. XI art. 796-889. Do processo cautelar. 2ª Ed. LEJUR. 1986. p. 31.

BUENO, Cassio Scarpinella. Custo sistematizado de direito processual civil. v. 2 T. II, 2011, São Paulo: Saraiva, p. 179/180.

NERY JUNIOR, Nelson. ANDRADE NERY, Rosa Maria. Comentários ao Código de Processo Civil. Ed. Revista nos Tribunais, 2015. p. 1520.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. (in As Inovações do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 86.

VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. Art. 702. In Streck, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Saravia, 2016. p. 740. 

ZENI, Fernando César. Aspectos Polêmicos da Ação Monitória, artigo publicado no SÍNTESE JORNAL, ano 2 - n. 18 - agosto/1998 - Editora Síntese Ltda.

[i] A ação monitória não estava recepcionada no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil e foi incluída já no Senado. Em um primeiro momento, a inserção da monitória foi rejeitada ao fundamento de que o Novo Código adotava uma linha simplificada e que a monitória iria de encontro com esse novo perfil. Conta no voto de rejeição do Senador Valter Pereira: ““Na prática, quando a ação monitória é embargada, o procedimento é similar ao de uma ação de cobrança. Isso significa que, na hipótese de resistência, não existe ganho de tempo de tramitação. Ademais, o projeto adota a linha da simplificação, com a adoção de um procedimento único, orientação que merece ser mantida. Além disso, a forma prevista na Emenda dispensa a realização da audiência de conciliação, divergindo, portanto, de outra das linhas centrais do projeto, que é o estímulo à autocomposição”. O assunto foi posto novamente em debate e a monitória foi incluída, ainda no Senado, ao fundamento de que esse procedimento especial era bastante utilizado no Brasil, com vasta jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça.

[ii] BATISTA DA SILVA, Ovídio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. XI art. 796-889. Do processo cautelar. 2ª Ed. LEJUR. 1986. p. 31.

[iii] NERY JUNIOR, Nelson. ANDRADE NERY, Rosa Maria. Comentários ao Código de Processo Civil. Ed. Revista nos Tribunais, 2015. p. 1520.

[iv] Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.  (..)

[v] Nesse sentido: Já que o oferecimento daquele provoca a automática suspensão do processo e a sentença a ser proferida em cognição exauriente (tutela definitiva) substituirá a decisão proferida em cognição sumária (tutela provisória). Vale dizer, o oferecimento dos embargos à ação monitória retira a eficácia da decisão que defere a expedição do mandado inicial para pagamento (art. 702, § 4º). VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. Art. 702. In STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Saraiva, 2016. p. 740. 

[vi] BUENO, Cassio Scarpinella. Custo sistematizado de direito processual civil. v. 2 T. II, 2011, São Paulo: Saraiva, p. 179/180.

[vii] STJ. Resp 1.265.509-SP, Dje 27/03/2015.

[viii] WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil.v.1. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 384-385.

[ix] Ressalvada a exceção da citação por edital que enseja a nomeação de curador especial (art. 72, II), podendo, assim, ofertar embargos por negativa geral. (art. 341, parágrafo único).

[x] Também, no mesmo sentido, Fernando César Zeni (Aspectos Polêmicos da Ação Monitória, artigo publicado no SÍNTESE JORNAL, ano 2 - n. 18 - agosto/1998 - Editora Síntese Ltda.):8. Reconvenção no procedimento monitório. Também não é incompatível com o procedimento monitório a reconvenção (art. 315), na medida em que, com o oferecimento dos embargos, que se dá no prazo de quinze dias, o feito converte-se em ordinário. Assim, só pode o devedor reconvir ao credor, na medida em que ofereça embargos e a reconvenção no mesmo prazo (artigo 297 do CPC). Sendo a modalidade de resposta do réu, a reconvenção, constituindo-se como ação judicial do demandado ao autor do pedido, em cumulação objetiva de ações, deve ser aceita no procedimento injucional, apesar de ter este procedimento especial. Trata-se de cumulação objetiva de ações, não se confinando à defesa o reconvinte, que vai ao ataque, propondo uma outra ação, no dizer de Clito Forniciari Junior, o qual sustenta ainda que o princípio da economia processual tem encontro com o pedido reconvencional. E segundo orienta a melhor doutrina, desde que a ação que se processa seja compatível com o processamento da reconvenção, sua admissão não encontra óbice algum, apesar de no Direito alemão a inoponibilidade de reconvenção ser prevista expressamente, segundo anota J. M. Othon Sidou. Porém, referido jusliterato não deixa de enaltecer a desvirtualização com que vem sendo utilizado o procedimento monitório no direito tedesco.

[xi] THEODORO JÚNIOR, Humberto. (in As Inovações do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1996, p. 86.

[xii] STJ 4º T., Resp 1.172.448, Min Luis Felioe, j. 18.6.13, DJ 1.7.13

[xiii] Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:

I - inexistência ou nulidade da citação;

II - incompetência absoluta e relativa;

III - incorreção do valor da causa;

IV - inépcia da petição inicial;

V - perempção;

VI - litispendência;

VII - coisa julgada;

VIII - conexão;

IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;

X - convenção de arbitragem;

XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual;

XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;

XIII - indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.

[xiii] Art. 342. Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando:

I - relativas a direito ou a fato superveniente;

II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;

III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição.

[xiv] Art. 342. Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando:

I - relativas a direito ou a fato superveniente;

II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;

III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição

[xv] VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. Art. 702. In STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Saravia, 2016. p. 939. 

[xvi] VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. Art. 702. In STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Saravia, 2016. p. 740. 

[xvii] STJ 3ªTurma. Resp 730.861, Min Castro Filho, j. 10.10.06 DJU 13.11.06)

 

 

 

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