A responsabilidade tributária na sucessão empresarial  

18/07/2019

A responsabilidade tributária é tema que tem gerado preocupações no mundo empresarial, não apenas pelo risco de interpretações equivocadas, mas também pelas próprias dúvidas levantadas pelo empreendedor quando se depara com o problema.

Aquele que participa de uma atividade econômica por meio da sociedade empresária deve ficar atento para as questões relativas ao tema, pois além da posição de contribuinte, como sujeito passivo direto da obrigação tributária, há a responsabilidade tributária atribuída a sujeito diverso, por interesse do Fisco. É o que se classifica como sujeição passiva indireta, apesar de não ter definição unânime na doutrina, podendo ocorrer tanto pela substituição, como pela transferência. Esta, que interessa a este estudo pontual, apresenta-se em uma das três modalidades: solidariedade (ex. empregador que deixa de recolher obrigação tributária do contribuinte/empregado); sucessão (ex. aquisição, fusão, incorporação, transformação e cisão) e de terceiros (ex. sócio no caso de liquidação da sociedade).

O presente texto trata do tema da responsabilidade tributária decorrente da transferência em razão da sucessão, considerando-se os inúmeros questionamentos prático-jurídicos vinculados ao desenvolvimento da atividade empresarial. O erro na condução dos atos em uma operação societária pode resultar em responsabilidade tributária decorrente de fatos jurídicos tributários realizados por outras pessoas jurídicas, com consequências gravosas ulteriores em razão de riscos inesperados ao negócio, não levados a efeito no momento da tomada de decisão.

O Código Tributário Nacional dedicou disposições específicas sobre o tema nos seus artigos 132 e 133, da Seção II, que versam sobre a responsabilidade dos sucessores, dentro do Capítulo V, destinado à responsabilidade tributária. O artigo 132 dispõe sobre operações societárias e a decorrente responsabilidade tributária que delas pode emanar, confira-se:

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.[i]

Percebe-se que o texto legal foi formulado essencialmente com a finalidade explícita de garantir o cumprimento da obrigação tributária, de maneira que a responsabilidade pelos valores devidos como “tributos” é atribuída ao sucessor, ou seja, à pessoa jurídica que resultar da operação societária.

Ponto que merece destaque é a sucessão tributária nas operações de cisão empresarial. A Lei nº 6.404/1976, que dispõe sobre as sociedades por ações, foi a responsável por regular o instituto da cisão entre as operações empresariais, sendo promulgada após o Código Tributário Nacional. Portanto, gerou-se uma discussão para determinar a quem seria atribuída a responsabilidade tributária na sucessão empresarial em casos de cisão, o que abriu grande divergência na doutrina.

Para Sacha Calmon Navarro Coelho:

Diz-se que há cisão total quando a empresa se reparte em várias partes, cada qual tornando-se uma nova empresa com o desaparecimento da empresa-mãe. Na cisão parcial, a empresa-mãe é preservada. A cisão se dá por conveniência (especialização de atividades) ou para acomodar divergências (separação de sócios, v.g.). Entendemos que a disciplina legal deva estender-se aos casos de cisão, por isso que configuram uma forma, junto com as demais previstas no artigo, de mutação empresarial. ‘Onde a mesma razão, a mesma disposição’, já ensinavam os praxistas, com espeque na clarividência jurídica dos jurisconsultos romanos. O parágrafo único do art. 132, ademais, reforça essa percepção, ao estender a normatividade do dispositivo aos casos de extinção de pessoas jurídicas de Direito Privado quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por sócio remanescente ou seu espólio, sob a mesma razão social ou outra, ou sob forma individual. Tem-se aí configurada uma sucessão empresarial, implicando transferência de responsabilidade pelo pagamento de tributos.[ii]

O entendimento apontado no trecho foi o que, por fim, acabou sendo majoritário, no sentido de que a responsabilidade pelos tributos é transferida para as pessoas jurídicas resultantes na cisão total, e permanece com a empresa-mãe de forma solidária com as resultantes, na cisão parcial.

O parágrafo único, por sua vez, acrescenta uma determinação para a administração tributária, ao estabelecer a transferência da responsabilidade pelos tributos de uma pessoa jurídica extinta ao sócio que der continuidade a exploração da atividade. De igual maneira, isso se aplica em caso de continuação da atividade pelo espólio da pessoa jurídica, sendo indiferente em ambos os casos a razão social utilizada. Não passa despercebida a utilização da transferência de responsabilidade em prol da praticabilidade tributária, com a facilitação da fiscalização e efeito arrecadatório.

Prosseguindo a análise dos dispositivos reguladores da responsabilidade por sucessão, tem-se a redação do artigo 133:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

§1O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

I – em processo de falência;

II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

§2Não se aplica o disposto no § 1odeste artigo quando o adquirente for:

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

§3Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário.

É inegável a importância da análise do dispositivo em questão, pois sua redação pode levar a diversas interpretações. O inciso I estabelece a responsabilidade integral do adquirente do fundo de comércio ou estabelecimento comercial, pelos tributos relativos a ele, até a data da operação societária, caso o alienante cesse a exploração da atividade. No entanto, adverte-se sobre a existência de duas interpretações para a palavra “integralmente”.

A primeira, no sentido de “exclusivamente”, ou seja, os débitos tributários do estabelecimento são de responsabilidade apenas do adquirente, eis que o alienante não possui mais atividade que lhe forneça renda para a quitação da dívida tributária. Em sentido diverso, a segunda interpretação é a de que o legislador teve a intenção de transformar a responsabilidade do adquirente em solidária, de maneira que tanto ele quanto o alienante sejam responsáveis pelos débitos tributários, com o efeito de majorar as garantias do Fisco e evitar fraudes, seguindo o entendimento de Hugo de Brito Machado.[iii]

Em relação ao inciso II do art. 133, observa-se a determinação da responsabilidade subsidiária do adquirente com o alienante, se este prossegue na exploração da atividade ou inicia dentro de 6 (seis) meses da data da alienação, uma nova atividade empresária no mesmo ou em outro ramo. É imprescindível, portanto, atentar-se para a responsabilidade tributária na sucessão empresarial, porque a venda do estabelecimento ou do fundo de comércio nem sempre eximirá o alienante do dever de quitar as dívidas tributárias dele decorrentes, observada a divergência doutrinária na interpretação e jurisprudencial. Atenção redobrada para os alienantes que desejam iniciar uma nova atividade, mesmo que em área diferente de exploração comercial, visto que tal conduta implica em manutenção da responsabilidade tributária.

Tratando-se de responsabilidade tributária por sucessão, deve-se ressaltar que o CTN utiliza a palavra “tributo” nos dispositivos que regulamentam o tema, no entanto, o entendimento atual da jurisprudência sedimentou-se no sentido de considerar como transferíveis ao sucessor todos os débitos relativos à atividade empresarial, incluindo as multas. Esse é exatamente o conteúdo da Súmula 554/STJ: “Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.”[iv]

Por fim, a respeito dos parágrafos 1º e 2º do artigo 133 do CTN, introduzidos pela Lei Complementar nº 118/2005, faz-se a observação de que foram responsáveis por adequar o Código à legislação falimentar, para possibilitar o soerguimento da pessoa jurídica em processo de recuperação judicial, ou permitir a continuação da atividade por outro grupo no caso de falência, mas também determinando responsabilidade tributária em casos específicos, a fim de evitar fraudes realizadas por meio da operação societária. Ao parágrafo 3º, coube apenas a relativização da preferência do crédito tributário nos processos de falência.[v]

O assunto revela intimidade com a complexidade da empresa e dos arranjos empresariais, pois o processo decisório a respeito da sucessão por transferência depara-se com a necessidade de uma visão multidisciplinar do negócio, alinhada com os preceitos legais definidores da responsabilidade. Neste contexto, Mackaay e Rousseau esclarecem que “cada uma das formas de empresa estabelece arranjos contratuais diferentes. A eficiência desses arranjos contratuais para a redução dos custos de agência varia em função da complexidade da empresa. Essa eficiência variável permite explicar a coexistência de diferentes formas de empresas”[vi]. Os movimentos societários e o planejamento tributário, certamente passam por esta percepção de complexidade e de eficiência, cabendo toda a atenção para ancorar o processo decisório em terreno firme, não movediço, a ponto de inviabilizar a atividade empresária e comprometer sujeitos a um passivo tributário não desejável.

Conclui-se que apesar de sucinta, a legislação tributária possui disposições específicas para a responsabilização dos sucessores em relação às dívidas tributárias remanescentes da pessoa física ou jurídica sucedida. Cabe ao empresário, iniciante ou não, realizar o detalhado exame da situação tributária das empresas envolvidas nas possíveis operações, considerando as determinações legislativas a respeito da responsabilidade por sucessão. Deste modo, poderão ser efetivadas negociações seguras e que reduzam os riscos para o sucessor empresarial, tanto na continuação de uma atividade, como na realização de operações societárias mais complexas.

 

Notas e Referências

[i] BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis a União, Estados e Municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27out. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>.

[ii] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 660.

[iii] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 160-161.

[iv]  BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 554. Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão. In: Súmulas do STJ. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=@docn=4297#TIT1TEMA0>.

[v] MINARDI, Josiane. Manual de direito tributário. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 350.

[vi] MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 534.

 

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