A Repercussão Penal no Âmbito da Improbidade Administrativa em Matéria de Direito Ambiental

12/01/2017

Por Felipe André Laranjo - 12/01/2017

A Administração Pública tem como seus princípios básicos a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade dos bens e interesses públicos. Nessa seara, a defesa do ambiente encontra-se inserida pela CR\88 em tais princípios, não sendo, portanto, sujeita à livre disposição do administrador. Nesse sentido, a doutrina de Milaré:

[...] o interesse na proteção do ambiente, por ser de natureza pública, deve prevalecer sobre os direitos individuais privados, de sorte que, sempre que houver dúvida sobre a norma a ser aplicada a um caso concreto, deve prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade a dizer, in dubio pro ambiente. De igual sentir, a natureza pública que qualifica o interesse na tutela do ambiente, bem de uso comum do povo, torna-o também indisponível. Não é dado, assim, ao Poder Público – menos ainda aos particulares – transigir em matéria ambiental, apelando para uma disponibilidade impossível. (MILARÉ, 2004, p. 139).

Por ser o ambiente equilibrado um dos direitos inseridos na CR\88, como direito fundamental, o administrador, bem como qualquer agente público tem, entres suas atribuições, a obrigação de agir em respeito à proteção do ambiente e à legislação ambiental sob pena de incorrer nas hipóteses sancionadoras da Lei de Improbidade Administrativa.

Portanto, o atuar administrativo que cause dano ambiental, será punido das mesmas formas que as sanções aplicáveis ao administrador ímprobo, em geral, por meio dos tipos sancionadores da Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

No entanto, a sanções previstas na LIA, não eximem o agente causador do dano, de sofrer as sanções penais, que tem o Estado o único titular do interesse material de impor as sanções penais, que segundo Mazzilli:

“O direito de punir não é interesse difuso, nem coletivo, nem individual homogêneo: como decorrência ou expressão direta da soberania estatal, é interesse público, em sentido estrito. O Estado é o único titular do interesse material de impor sanção pelo descumprimento da lei criminal que ele próprio previamente tenha editado. Há dois mecanismos básicos para aplicar a lei penal: ora se vale o Estado de seus próprios órgãos para instaura a ação para exercer o jus punied (ação penal pública), ora, em casos excepcionais, permite que o particular acione a jurisdição (a ação penal privada)”. (MAZZILLI, 2015).

Para o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais Marcos Paulo Miranda, a necessidade de sanções penais em matéria de direito ambiental vieram da insuficiência prática das medidas administrativas e cíveis em coibir reiteradas práticas lesivas ao meio ambiente, com exposto:

“A experiência demonstrou que as sanções de natureza cível e administrativa aplicáveis aos violadores dos bens ambientais bem como as tímidas e arcaicas construções penais a respeito do tema não foram suficientes para coibir as reiteradas práticas lesivas, tomando-se realmente indispensáveis a pronta colaboração do Direito Penal para a proteção da integridade desse patrimônio cuja efetiva tutela penal foi expressamente assegura em nível constitucional, no art. 225, §3º da CR/88”. (MIRANDA, 2015).

Na hipótese de descumprimento da norma prevista no art. 10 do DL nº. 25/37, pode implicar em configuração, conforme o caso, dos ilícitos penais tipificados nos arts. 62 e 63 da Lei nº. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que assim dispõem:

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar: I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa. Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa (BRASIL, 1998).

Nesse sentido, o eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de uma ação de improbidade administrativa por cancelamento de tombamento, com ausência do devido processo legal, assim decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – CANCELAMENTO DE TOMBAMENTO – AUSÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO LEGAL – DILAPIDAÇÃO DE BEM PÚBLICO – VIOLAÇÃO AO ART. 10 DA LEI Nº 8.429\92 – DANO AO ERÁRIO. 1 – O agente que pratica ato ímprobo, causador de prejuízo ao erário, nos termos do art. 10 da lei nº 8.429\92, se sujeita às penalidades previstas no art. 12, inciso II, da aludida lei, na proporção da gravidade dos seus atos. (...) 3 – O cancelamento do tombamento não resulta de avaliação discricionária da Administração Pública, estando estritamente vinculado ao parecer do respectivo órgão competente de proteção ao patrimônio cultural. (TJMG. Apel. Nº 1.0456.10.007276-2\0001. Rel. Des. Jair Varão, p. 30.06.15).

Como salientado, vale observar que ainda que a lei penal proteja um interesse individual ou um interesse transindividual (meio ambiente) ou um interesse público, a violação de qualquer norma penal constitui sempre violação ao interesse público de que é titular o Estado.

Sendo assim, a danosidade ambiental tem repercussão jurídica tripla, já que o poluidor, por um mesmo ato, pode ser responsabilizado, alternativamente ou cumulativamente, na esfera penal, na administrativa e na civil. (MILARE, 2009, p. 971).

Assim, a Lei nº. 9.605\98, em consonância com a nova concepção protecionista da Constituição da República de 1988, tem sido considerada um marco de eficiência de proteção ao meio ambiente, não restando dúvida de que se o fato trouxer risco de dano ao patrimônio ambiental, todas as esferas de responsabilidade devem intervir de modo a evitar sua concretização, inclusive a legislação penal.


Notas e Referências:

BELLO FILHO, Ney de Barros et al. Crimes e infrações administrativas ambientais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 3 jun. 2015

BRASIL. Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 jul. 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7347Compilada.htm>. Acesso em: 3 jun. 2015.

BRASIL. Lei nº. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 jun. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8429compilado.htm>. Acesso em: 3 jun. 2015.

BRASIL. Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 fev. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm>. Acesso em: 3 jun. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

DOBROWOLSKI, Samantha Chantal (coord.) et al. Questões práticas sobre improbidade administrativa, Brasília: ESMPU, 2011.

ELLOVITCH, Mauro Fonseca. Improbidade administrativa e patrimônio cultural. In: MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; SOARES JÚNIOR, Jarbas; ALMEIDA, Gregório Assagra de (Coord.). Patrimônio Cultural. Coleção Ministério Público e Direitos Fundamentais, Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2014.

FERREIRA, Márcia Eustáquio. Direito Processual.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Processo Apel. nº. 1.0456.10.007276-2\001. Relator: Des. Jair Varão. Belo Horizonte, 30 jun. 2015.


felipe-andre-laranjo. Felipe André Laranjo é Advogado atuante na área criminal. Palestrante, pós graduado em Direito Público pela FESMPMG, Membro da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB\MG, Sócio Fundador da AACO\MG - Associação dos Advogados do Centro Oeste de Minas. Defensor Dativo do TED - OAB\MG - Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, Seção Minas Gerais..

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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