A relativização dos Direitos Fundamentais é a absolutização da barbárie

10/07/2016

Por Wagner Francesco – 10/07/2016

Em defesa da garantia dos Princípios Constitucionais do Direito Penal.

Tenho para mim que coisas fundamentais são fundamentais e acabou a conversa. O que é uma coisa fundamental? É uma coisa que sem ela tudo irá desmoronar. Fundamento é alicerce. Como então poderemos relativizar coisas fundamentais? Seria como se um engenheiro dissesse: pra este prédio se manter em pé é fundamental mantermos este plano, mas a gente pode tentar fazer diferente pra andar mais rápido…

O fato é que a relativização dos Direitos Fundamentais está fundamentada em dois pontos:

1. Os direitos fundamentais que devem ser relativizados são o do outro e;

2. O discurso que legitima este pensamento é considerado completamente pragmático e (enganosamente!) travestido de objetividade.

Os que querem relativizar os direitos alheios dizem sempre que se deparam com quem pretende proteger estes direitos: “mas isto é pura ideologia, mundo das ideias, mera pressuposição”. Ora, contra esta afirmativa Michel Löwy diz: “os que pretendem ser sinceramente seres objetivos são simplesmente aqueles nos quais as pressuposições estão mais profundamente enraizadas”. Isto é: o discurso de quem defende a relativização dos Direitos Fundamentais está cheio da negativa da relativização de seus pressupostos bárbaros. Enfim: paciência.

Do meu ponto de vista só há uma coisa a defender: relativização, não. É que não poderemos sustentar uma sociedade minimamente humana se não estivermos alicerçados os fundamentos que nos mantém minimamente humanos. Não se é desumano com (o que consideramos ser) atos desumanos. A ninguém devolvei mal por mal. (Romanos 12:17)

Provoco uma reflexão: Como relativizar o princípio da reserva legal? Imagine um mundo onde haverá crime mesmo sem lei que o defina... Como relativizar o princípio da vida e da integridade do indiciado? Vai valer, de boa, sem trauma, o direito ao tratamento desumano e a tortura? Agora imagine a cena você sendo torturado por ter cometido um crime que, sem lei que o definia, não sabia que era crime. Pois, as águas da relativização de Direitos e Garantias Fundamentais desaguam neste mar.

Direitos Fundamentais não podem ser relativizados porque os direitos fundamentais são prerrogativas mínimas que norteiam a dignidade humana e que nos possibilita sermos chamados de Estado Democrático. Aliás, estes grupos islâmicos radicais que odiamos relativizaram tanto os Direitos Fundamentais que acabaram por destruí-los completamente. Mas lá eles são bárbaros, aqui a tortura do inimigo é vista como necessária para o fim da impunidade. É tudo uma questão de perspectiva?

O fato é que nenhum Direito Fundamental pode ser relativizado, pois todos gozam de determinados princípios: da Universalidade - todo ser humano é detentor de direitos fundamentais, pois decorrem da dignidade humana, atributo inerente a toda pessoa; e da Irrenuncialidade - ninguém pode deixar de ser detentor de seus Direitos Fundamentais.

Ora, se todo ser humano é detentor de direitos fundamentais e ninguém pode abandonar estes direitos, como pode ser possível uma relativização destes direitos? Impossível. Se eu não posso abrir mão de meus Direitos, como outro pode os retirar de mim?

Relativizar Direitos é violar Princípios - e já dizia o grande mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa, não só a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”.

A sociedade muda, mas ela deve mudar sendo sustentada pelos Direitos e Garantias Fundamentais. Caso não seja assim sociedade nenhuma mudará, pois terá deixado de existir. E para que este mal não nos alcance deveremos pensar como pensa o Salo de Carvalho que diz que nosso projeto político deve ser reduzir o punitivismo. Em parte importante de seu pensamento ele nos alerta: o desejo de punitividade ofusca os cuidados necessários quando se está a legitimar intervenções dos poderes punitivos.

Devemos resistir, (como diz Salo de Carvalho) a despeito daqueles “seres objetificados pelo estigma periculosista”, que consideram que os direitos humanos não podem e não devem ser garantidos, que Direitos Fundamentais devem ser relativizados, e que, por isto, “trata qualquer ser humano inadequado à moral punitiva ou à estética criminológica como objeto a ser eliminado, como inimigo.


Wagner Francesco. . Wagner Francesco é teólogo, acadêmico de Direito e pesquisador do Direito Penal. . . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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