A RELAÇÃO ENTRE VIOLAÇÃO DAS PRERROGATIVAS NO EXERCICIO DA ADVOCACIA E O DESRESPEITO AOS DIREITOS INDIVIDUAIS      

28/07/2018

  1. INTRODUÇÃO

 

Os que de alguma forma trabalham com o direito, já ouviram de um advogado ou advogada a seguinte expressão [ou similar]: vivemos em tempos sombrios. Certamente, o uso dessa parábola, serve para exprimir uma indignação, decepção ou receio do uso abusivo do poder estatal experimentado ou aguardado por aquele que assim se expressa. Um modo alegórico de se expressar. De fato, se faz necessário, não só a indignação, mas, principalmente a compreensão do contexto político/jurídico e suas desastrosas consequências, para com os que atuam na defesa dos direitos individuais. Tal cenário propicia a criação da figura do inimigo, aquele ser indesejado, que a própria sociedade o faz, e agora, o quer longe, preso ou morto. Esse ser indesejado, tratado como inimigo a ser combatido, encontra amparo e proteção somente na atuação de um advogado[a] que atua em sua defesa. Assim, a carga de ódio direcionada ao inimigo [oportunamente criado] passa, consequentemente para aquele ou aquela [advogado[a]] que ousa dizer algo em seu favor. Dessa forma, os ataques e violações às prerrogativas dos advogados são ampliados proporcionalmente na medida em que os direitos individuais dos inimigos são atacados.

As prerrogativas profissionais dos advogados[as] são um conjunto de direitos tão importantes quanto desconhecidos; observem que, para o cidadão comum [sem conhecimento técnico], prerrogativa comumente, confunde-se  com privilégio. Magistrados, membros do Ministério Público e Policiais frequentemente se referem às prerrogativas da advocacia como abusos e interferências inadequadas por parte dos advogado[a]s. Os próprios advogado[a]s muitas vezes não conhecem com clareza os seus direitos inerentes ao exercício de sua atuação defensiva. Direitos individuais dos inimigos [criados] e prerrogativas dos advogado[a]s tornam-se os empecilhos a serem superados/aniquilados pelo furor punitivo e discriminatório inserido no inconsciente coletivo e apropriado pelos órgãos constituídos no exercício do poder.

Talvez uma possível explicação esteja no fato de que a influência econômica no direito, analisada desde os ditames do liberalismo do Séc. XVI, dando origem ao chamado Neoliberalismo que emergiu no período pós Segunda Guerra Mundial, como uma reação teórica e política ao Estado de Bem Estar Social, alcançou adeptos e carisma de parcela popular pelos ataques a qualquer ideia de intervenção estatal na regulação dos mercados que tivesse por finalidade a proteção ou redução da desigualdade de direitos individuais. Basta observar, questões pontuais, como por exemplo, forte reação ao poder sindical, aos direitos sociais advindos do Estado, sobretudo nos países latinos americanos, cuja finalidade seria inibir a ação do Estado e incentivar as privatizações, por meio do capital transnacional. Os direitos individuais começam a sucumbir frente aos interesses econômicos das grandes potências nacionais, comerciais, industriais e etc...  Logo, o capital assume o papel de credor, que concedeu ou retirou o poder daqueles que participavam do Mercado. Materializou o seu poder nas Indústrias, grandes redes de comércio, multinacionais, bancos, rede de empresários, latifúndios, etc, criando seu próprio sistema que, além de político, fundamentou-se no econômico, e vejam: o excesso de direitos individuais se torna um entrave para a efetivação dos projetos econômicos. Já dizia Ludwig Von Mises [...] a nação mais próspera será aquela que não tiver colocado obstáculos ao espírito da livre empresa e da iniciativa privada.[1]

De fato, o respectivo afastamento do Estado nas relações sociais traria consequências desastrosas, pois, ao afastar-se de suas funções de promoção de igualdades e proteção de direitos, promoveria de forma omissiva a marginalização de determinados segmentos da soc iedade, propícios aos desmandos e violações. Assim, embora omisso de lado, ativo seria de outro, que seria atuar de forma incisiva contra aqueles [vilipendiados em seus direitos] que se insurgissem frente ao domínio econômico. O direito penal passa então à posição de protetor do livre mercado. Protetor do mais forte. Combatendo os mais fracos que sucumbem ao furor da concorrência econômica.

As transformações ocasionadas pelo neoliberalismo não são inclusivas, pelo contrário, através deste modo de produção capitalista, geram diferenças e, por conseguinte, divisão de classes sociais, e, por esta razão, uma classe social acaba por prevalecer sobre a outra. É que uma classe social será a detentora dos meios de produção, vale dizer, do capital, regendo, pois, as leis do mercado, enquanto a outra apenas vende sua força de trabalho. Marx explica muito bem este movimento. Indo além, o Prof. Luiz Feracine, comentando Marx, ensina que a despeito da divisão simplista da sociedade em classes antagônicas, a realidade se apresenta mais complexa, na medida em que referida divisão faz surgir uma terceira classe social, a quem ele denomina de classe média[2].

O fato é que o neoliberalismo proporciona a redução do indivíduo que pertence a classe social mais pobre, que é justamente aquele cidadão que mais sofre a repressão do Estado através do sistema penal e que é o inimigo social; via de consequência, contra esse indivíduo, medidas de exceção com roupagens democráticas são adotadas, em nome da segurança social. Ao lado destas medidas de exceção, como, por exemplo, a flexibilização dos direitos e garantias individuais, e a redução do Processo Penal a uma mera formalidade, se estabelece, lamentavelmente, uma inaceitável violação das prerrogativas profissionais da Advocacia, pois o Advogado criminalista é visto no meio social como “defensor desse bandido” e, por isso, é equiparado ao delinquente[3].

Portanto, é preciso ter presente que toda sociedade civilizada prestigia o direito de defesa, sendo inaceitável que o Advogado seja equiparado a um delinquente e tenha suas prerrogativas violadas pelas autoridades do Estado, simplesmente por estar exercendo o sacerdócio da sua profissão, em nome do direito de defesa, ou seja, em nome de um direito individual inerente a todos! Mesmo que o capital, assim queira adjetivar o advogado e advogada.

 

  1. O NEOLIBERALISMO E SUA INFLUÊNCIA DIRETA NO ÂMBITO JURÍDICO.

 

Ao observarmos a base do Neoliberalismo e sem dispensar muitos esforços, identificamos que o alicerce está na auto-regulamentação do mercado e iniciativa privada, partindo da divisão do trabalho e dos níveis de produção. Ou seja, a mão invisível reguladora do Mercado, fundamentada nos escritos de Adam Smith, que descarta a interferência do Estado na divisão do trabalho, que infere na produção de valores, bem estar e mercadorias[4]. Este termo foi quase que automaticamente ligado à palavra econômico, isso porque o Neoliberalismo carregou consigo a tarefa de, diferentemente da máquina Estatal, demonstrar eficiência [eis o prenúncio dos ditames penais], não por meio de coação com força física ou a imposição positivada de regras, mas de maneira cooperativa e consensual, sendo associado a questões econômicas, de interesse coletivo e tomadas como de ordem natural.

Assim, não haveria eficiência sem que se consumisse menor quantidade de recursos com uma produção maior, ou que se produzisse mais com recursos mais baratos que se encontrasse em maior abundância na natureza, por exemplo, ou seja, o objetivo é a maximização do lucro. Todo assalariado, que na ótica capitalista sempre foi recurso para a produção, se ineficiente fosse, era descartado de sua área de atuação, como um produto defeituoso e sem valor. Esse descarte se perfaz[ia] através da demissão, como uma medida necessária para que a empresa [detentora do capital] não fosse prejudicada em sua expansão econômica.

Os preceitos Neoliberais foram aplicados por meio da lei natural de mercado, a lei de sobrevivência humana daqueles que suportaram, física e psiquicamente, a batalha invisível de produção acelerada, e que foram fiéis ao lucro [que não os pertenciam], ao qual nem mesmo tiveram acesso, mas que os confortou pelas migalhas ofertadas pelos donos do capital [salário mínimo, prêmios ínfimos comparados ao lucro obtido e ettc...]. Novamente, a ideologia dos grupos dominantes tomada como a verdade dos miseráveis que sonham utopicamente em alcançar o topo do sistema.

O capitalismo se baseia na diferença de condições para aquisição de bens, que são finitos, e feitos para suprir as necessidades humanas. Logo a ideia do assalariado, que dentro do sistema Neoliberal, autorizado[5] pela grande massa trabalhista, tem fundamentada sua segurança, obtida a partir da lealdade e cumprimento dos deveres para com a empresa e o patrão. A segurança tem a ver com o fator vida, e novamente o livre arbítrio, do homem que não mais é possuído pela força, e considera-se livre para escolher e trabalhar. O capital claramente se mostra nesta relação como o poder sem a força física, e que transita em todos os lugares da sociedade, utilizando uma enorme quantidade de pessoas necessitadas [financeiramente] a seu favor, para que a riqueza permaneça sendo consumida por quem se encontra no topo da pirâmide social, além dos portões da Indústria.  

Voltemos ao simbolismo, que se encontra definitivamente em discursos capazes de atingir às massas populacionais. Sob a forma de ajuda humanitária, isso mesmo, os Direitos Humanos, que dentro do país são chamados de Direitos Fundamentais, incorporados à Constituição, os grupos detentores de capital conseguem mover a população à cooperação articulada em favor de seus interesses políticos. Os programas sociais implementados e constitucionalmente previstos são postos como vilões em gastos públicos, e salvadores daqueles que não se adequaram ao modo produtivo do sistema Neoliberal.

Esta impossibilidade de resolver a desigualdade que gera dor, sofrimento e violações de direitos demonstra uma elaboração quotidiana da condição do desamparo que nos leva a reconhecer e romper com o falso discurso humanista que invadiu o marketing das propagandas e mensagens nos últimos anos. Dessa forma, não há espaço para debate, nem tempo para reflexão, basta olhar para a questão da educação, colocada à margem da produção do capital. A redução dos gastos públicos com os direitos sociais é aceita pacificamente pela maioria, que segue cega a ideologia macabra dos grupos capitalistas de exploração humana. Daí a morte do Bem Estar Social, conquistado com sangue de milhares, durante revoluções como a Industrial ou durante a Ditadura Militar brasileira, e surgem os novos símbolos de verdade. Afinal, aqui nessa terra, melhor crer que há outros articulando a nosso favor, que envolver-se em algo tão sujo quanto a política, e a definição das leis que nos guiam, vivendo no simbolismo constante dos príncipes regentes dessa corte.[6]

Assim o poder simbólico exercido, se faz presente a todo o momento[7]. Vejam: O consumo de objetos culturais, originado por um poder simbólico criado, está em todo lugar e em lugar nenhum, havendo cumplicidade daqueles que a ele estão sujeitos com aqueles que o exercem, não se liga à violência, dominando ambientes diversos, sem que se tenha consciência e percepção dessa dominação, e estando ela em todos os lugares, sem que neles, propriamente, esteja posta. A exploração do indivíduo e da sua individualidade não parte da dominação física, mas da dominação psicológica, sendo o objeto de desejo daquele que não possui o bem, a cartilha que o “catequiza” a agir socialmente, negando a si mesmo, e absorvendo um valor cultural, que é posto como universal[8].

A massa, que trabalha para o capital, vê em si a sociedade, que necessita produzir bens para ter valor, tanto individual quanto coletivo. A abdicação do individualismo [prenúncio da redução de direitos individuais] se concentra na aquisição de bens fundamentada na diferença entre empregados e patrões, e que é natural e aceita, pela simbologia fundamentada no poder do pai provedor, educador, e detentor de uma verdade inquestionável, que exerce seu papel quando institucionaliza as relações, e passa a ditar padrões comportamentais a todos os seus subordinados[9]. Porém, se nos situarmos no nível da realidade, podemos dizer que pela experiência, o pai, pode estar presente, mesmo não estando, ou o inverso, estando presente, mesmo não parecendo estar, logo: peca pela adesão ao primado da figura do ‘pai personificado’. 

O desejo pelo exercício do poder de influência sobre os que “não possuem” criou o mito, onde, as ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente apropriado, servem interesses particulares, que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante, [assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes]; para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, a desmobilização [falsa consciência] das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções [hierarquias] e para a legitimação destas distinções[10].

A desmobilização das classes dominadas torna-se ponto chave na dominação legitimada por todos aqueles que se dá por dominados pelo sistema social classicista. Esse sistema abarca em si o culturalismo adquirido, por meio de repetições que difere de recordações/hábitos, ou seja, a recordação está do lado da lembrança daquilo que pode ser lembrado, enquanto que a repetição está do lado da atuação movida por componentes psíquicos recalcados que não pode ser lembrado. O que se repete, é o próprio furo na linguagem, é a falta, que faz mover os significantes dentro de uma cadeia associativa. A repetição, assim entendida, nos diz sobre sua capacidade de fazer funcionar o simbólico, dar ao desejo seu mote original, de fazer do desejo motor da capacidade dos sujeitos de se conectarem e reconectarem a objetos. A alienação do sujeito na linguagem é o que se repete. É da impossibilidade de significar o desejo, fazendo da coisa em si algo impossível de ser decodificado[11]. Ou seja, a repetição é a busca pelo desejo inalcançável oriundo da crença de que qualquer que seja o sistema econômico do Estado, este sistema visa o desenvolvimento social para todos igualitariamente [caso o trabalhador mereça por seu empenho pessoal], e pela crença de que os donos do capital querem realmente lucrar e dividir.

As crenças no mundo igualitário e humanitário sem dúvida distorcem a realidade, e depois de enraizadas nas massas destroem pacificamente qualquer forma individual de repensar o todo, legitimando a desmobilização para qualquer questionamento [prenúncio dos ataques ao exercício da advocacia]. A violência aparece-nos hoje, como sinal de desespero das massas ou de grupos, e, designada então como violência social, ela testemunha tão só a raiva [gêmea da impotência], ou seja, o impulso destrutivo dos sem esperança. Dir-se-ia que progressivamente a palavra se foi esvaziando da sua negatividade exemplar [fundante, por exemplo, da revolução francesa] para se colorir de um negativismo em que nenhum ideólogo se reconhece[12].

 

  1. AS PRERROGATIVAS.

 

Todo o contexto acima descrito reflete diretamente na atuação do advogado[a]. Trata-se de único profissional habilitado e designado para defesa dos direitos individuais, dos indivíduos, que tiveram suas individualidades reduzidas ou mesmo subtraídas. O projeto Neoliberalista depende de um distanciamento e forte omissão do Estado em âmbito social, e, em contra partida, uma atuação incisiva e eficiente em matéria repressiva. Dessa forma, observem: temos não só a dominação econômica na redução ou aniquilação das individualidades, como também, a subordinação do estado ao poderio econômico para manutenção da condição de superioridade perseguindo e punindo aqueles que tentem se insurgir contra a ordem estabelecida.

O exercício da advocacia, para que seja pleno e efetivo, requer inevitavelmente direitos e garantias que permitam a livre atuação defensiva e profissional. As prerrogativas dos advogados estão previstas pela Lei n° 8.906/94 em seus artigos 6º e 7º. A lei garante a esse profissional o direito de exercer a defesa plena de seus clientes, com independência e autonomia, sem temor do magistrado, do representante do Ministério Público ou de qualquer autoridade que possa tentar constrangê-lo ou diminuir o seu papel enquanto defensor das liberdades. Essas regras garantem, por exemplo, que um advogado tenha o direito de consultar um processo, até mesmo sem procuração, ou nos casos de ações penais e inquéritos protegidos por sigilo judicial. Ou seja, são garantias fundamentais, previstas em lei, criadas para assegurar o amplo direito de defesa. Prerrogativas profissionais não devem ser confundidas com privilégios, pois tratam apenas de estabelecer garantias para o advogado[a] enquanto representante de legítimos interesses individuais de seus clientes[13].

O advogado é a única linha de proteção que separa uma pessoa comum, investigada ou acusada pela prática de um delito, do poderoso aparato coercitivo do Estado representado pelo juiz, promotor público e autoridade policial, por exemplo. Sem direitos e garantias específicas para defender seus clientes, não haveria um mínimo equilíbrio de forças. O advogado[a] exerce um papel de serviço público e de função social ao atuar na defesa dos direitos do cidadão. As pessoas confiam seus interesses aos advogados, outorgando poderes, fornecendo informações e documentos para que sejam defendidas por esse profissional. A lei garante que essa defesa possa ser feita com autonomia, independência e em situação de igualdade do advogado perante as autoridades.

Ocorre que, as violações às prerrogativas no exercício da advocacia, se naturalizaram, tal quais as violações dos direitos individuais em decorrência do projeto NeoLiberal. Dessa forma, surge então inciativas [das mias diversas] legislativa de criminalização da violação das prerrogativas. O Projeto de Lei 8.347/2017 visa alterar o Estatuto da Advocacia [Lei 8.906/1994] e fixar pena de um a quatro anos de prisão para quem ofender os seguintes direitos da classe:

  1. impedir o exercício da profissão;
  2. impedir o auxílio da OAB em caso de prisão;
  3. impedir o acesso de documentos judiciais;
  4. impedir a retirada dos autos de processos finalizados por até 10 dias, mesmo sem procuração;
  5. impedir de ter vista dos processos judiciais ou administrativos;
  6. impedir o profissional de auxiliar seus clientes durante investigação;
  7. ser preso, antes do trânsito em julgado, em local que não seja Sala de Estado Maior;
  8. afrontar a inviolabilidade do escritório ou o sigilo entre advogado e cliente.

Além desses pontos, o texto define que, caso o advogado seja conduzido ou preso arbitrariamente, o agente público responsável pelo ato poderá perder o cargo e ser proibido de exercer função pública por até três anos. O ponto nodal é: será possível o enfraquecimento do principal instrumento [judiciário] de efetivação do projeto NeoLiberal? Tanto que, inúmeras manifestações que decorrem desse questionamento, surgem, como por exemplo: Dois representantes do estado, membros do judiciário, em específico, juízes, rebatendo o projeto com as seguintes afirmações:

[...] A amplitude desta tipificação pode ser percebida logo à primeira vista, considerando a grande relação de direitos e prerrogativas previstos nos mencionados artigos. Daí o possível cerceamento à própria liberdade de condução do processo que é assegurada aos juízes, a teor do art. 445, I a III, do CPC, ou aos próprios parlamentares, nos ensejos do art. 58, §3º, da CRFB. Assim, p.ex., entrever-se-ia crime na mais banal discussão sobre o acesso do advogado a uma área onde é realizada a sessão de Tribunal, ou ainda ― e inclusive ― em decorrência das interpretações possíveis quanto à participação do advogado em Comissões Parlamentares de Inquérito, não-só quanto ao direito de acompanhar-lhe as diversas fases, mas também quanto à oportunidade de assento e voz. Do mesmo modo, poder-se-ia chegar ao extremo de se enfrentar um processo criminal pela conduta de “não-recebimento do advogado”, seja pelo juiz, pelo promotor ou mesmo pelo parlamentar, quando atuar em CPI´s em situações análogas... Nestes casos, não raramente, surgem controvérsias quanto à existência de compromissos concomitantes, a par de outros tantos contextos de exigências não-razoáveis por parte de advogados. Caso a autoridade não ceda aos argumentos do causídico e termine por não o receber naquele dia, haverá crime? Afinal, parecerá tisnado um dos incisos do art. 7º do Estatuto da Advocacia...[14]

Frisamos os pontos que refletem de forma mais incisiva tudo que fora aqui trabalhado. O medo de perda da posição de senhorio frente aos hierarquizados, atormenta, não só os juízes [diretamente] como também aos detentores do capital [indiretamente], vez que o judiciário é o principal instrumento à serviço e submisso aos interesses econômicos. Não queremos sustentar ou mesmo apoiar a criminalização de condutas, além dos milhares tipos penais, já existentes. Apenas expor o lado sombrio e submisso que o judiciário se propõe a exercer.

Como o advogado se posiciona entre o Estado e o acusado [inimigo], é visto pela sociedade como aquele que atua contra os interesses sociais [da coletividade], sendo que a cegueira social é tão gritante que não se enxerga que o Neoliberalismo, ao reduzir a individualidade em prol da coletividade, não se sustenta, pois a coletividade nada mais é do que o conjunto de indivíduos. Assim, a redução de um, importa na redução de todos. Disso resulta que nem mesmo a coletividade é provida de proteção, pois toda vez que um corpo singular desta coletividade estiver em confronto com o Estado, terá suas garantias suprimidas. É contra este tipo de autoritarismo que luta o advogado. Portanto, é preciso entender que o advogado, ainda quando atua em prol de um determinado indivíduo, está atuando em nome de toda a coletividade, por via reflexa, pois o direito de um acusado é o direito de toda a sociedade, ainda que abstratamente considerado.

O neoliberalismo, portanto, é um grande propulsor do sistema penal, além de ser o instrumento de estigma do indivíduo da classe mais pobre, pois promove sua exclusão e o qualifica como inimigo da sociedade, na medida em que este cidadão não possui recursos para estar inserido na sociedade de consumo, tida como ideal, e, por óbvio, para ter os bens materiais que sua renda não lhe permite, acaba se desviando para o mundo da criminalidade. É claro que não se pretende dizer que aquele que comete um crime está legitimado pela sua exclusão; o interesse é apenas promover uma provocação de como o neoliberalismo afeta a vida social promovendo exclusão mediante a divisão de classes sociais, criando a figura do inimigo social, e interferindo, inclusive, nas prerrogativas profissionais da Advocacia, ante o fato do Advogado[a] criminalista ser taxado de “inimigo” por defender “o bandido”.  Dentro deste contexto de Estado totalitário que se desenha a Advocacia se mostra de fundamental importância, pois é o Advogado[a] que se coloca a serviço da liberdade, contra o autoritarismo, e que por isso precisa ver respeitadas suas prerrogativas profissionais para poder desempenhar com liberdade e sem temor de represália a sua função, verdadeiro múnus público e essencial à administração da justiça.

Sobre o assunto, Rubens Casara[15], a denominada “crise dos direitos fundamentais”, fomentada pelo neoliberalismo, explica que: Existem diversas explicações para o fenômeno que se convencionou chamar de “crise dos direitos fundamentais”. Uma visão utilitarista, por exemplo, apostaria no fato de que respeitar os direitos fundamentais das minorias [e os direitos fundamentais por definição são de todos] costumeiramente representa óbice à satisfação dos interesses das maiorias [pelo menos dos interesses das elites – daqueles que detêm o poder político e/ou econômico – que muitas vezes são apresentados como os interesses da maioria da população].

Portanto, através de uma Advocacia forte, unida e preparada intelectualmente, dando-se prevalência à oralidade no Processo Penal, exigindo-se respeito às prerrogativas profissionais do Advogado[a], à Constituição da República, é que iremos trilhar o caminho do combate ao autoritarismo.

 

  1. CONCLUSÃO

 

Mesmo que prematuramente, nos compete partir para uma singela conclusão, firmando a ideia de que, o NeoLiberalismo, sim, é fomentador de desrespeito aos diretos fundamentais, sobretudo nos territórios habitados pela pobreza, onde o Estado se utiliza do uso predominante da força e deixa de promover, naquela localidade, o Bem Estar Social mediante a implementação de políticas públicas de inclusão de prestação de serviços públicos básicos como saúde e educação, e onde a segurança pública age não com o intuito de promover a segurança, mas com o intuito de extermínio, já que aquele território é considerado, pelo Estado e pela sociedade, como hostil; todos que ali habitam, independentemente de quem sejam, por serem pobres, são inimigos.

Não se pode ignorar que o neoliberalismo é, também, propulsor do utilitarismo penal, eis que utilizado contra as minorias por estas representarem um óbice à satisfação do desejo de consumo e de lucro das maiorias. Destarte, em uma sociedade capitalista como a nossa, o Direito Penal é posto pelas autoridades como meio de defesa social, e que é ampliado  legislativamente dando azo ao surgimento de uma legislação penal simbólica como forma de acalentar esta sociedade que clama por mudanças diante da insatisfação com a violência urbana [que é causada pela própria sociedade], sendo que essa legislação-álibi [ou simbólica] transmite a ideia de que o Estado está respondendo normativamente aos problemas sociais, inserindo no seio social uma utópica sensação de segurança.

No que se refere às prerrogativas. Pensem: Se o NeoLiberalismo restringe e elimina direitos individuais em prol de um suposta ‘bem maior’ [coletividade], certamente, quem quer que ouse, pleitear ou mesmo, levantar a voz em defesa de um direito individual pertencente ao ‘inimigo’ carregará contra si, toda fúria dos serviçais do capital.

 

 

Notas e Referências

[1] MISES, Ludwig Von. A mentalidade anti-capitalista. Tradução: Carlos do Santos Abreu – 3ª edição revista e ampliada. – São Paulo: LVM, 2017, p. 48.

[2] A divisão do mundo em duas classes antagônicas não deixa de ser simplista. A realidade oferece complexidade maior. Um terceiro grupo social projeta-se com afirmação sempre mais segura. É a classe média. Uma classe que, sem possuir os recursos financeiros da classe rica, distancia-se progressivamente daquela outra integrada de indivíduos cujo salário limita-se ao mínimo vital. As condições de vida classe média apresentam a possibilidade de um teor de equilíbrio equidistante da preocupação exagerada pelo amanhã e do fausto proporcionado pela concretização de riqueza. (FERACINE, Luiz. Karl Marx, ou, a sociologia do Marxismo / São Paulo ; Editora Escala, 2011 – coleção pensamento & vida, vol. 8, p. 73/74).

[3] O Professor Lenio Streck, em suas palestras, sempre cita o exemplo do filme A Ponte dos Espiões, onde um o advogado (James Donovan), interpretado por Tom Hanks, recusa-se a dar uma defesa fraca a seu cliente espião, e faz o possível para inocentá-lo, como qualquer advogado deveria fazer. As altas instâncias do direito americano são vistas como parciais e corruptas (a condenação do espião, para eles, é mera formalidade), enquanto o povo é retratado como um grupo de ignorantes sedentos por sangue. “Por que vocês simplesmente não o enforcam?”, gritam as pessoas ao redor do Advogado, indignados com a defesa de um bandido.

[4] SMITH, Adam. A Mão Invisível. Tradução Paulo Geiger. – 1ª edição – São Paulo: Penguim Classics Camonhia das Letras, 2013, p. 7.O maior progresso na capacidade de produção do trabalho, e a maior parte do talento, aptidão e critério com os quais ele é conduzido ou aplicado em toda parte, parece, ter sido o efetio da divisão do trabalho.

[5][5] BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Ed. Bertrand. Rio de Janeiro. 1989. Traz a ideia de poder simbólico a ser exercido de forma consensual e dominadora quando aos submissos.

[6] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Ed. Companhia das Letras.26ª ed.2002, p. 177/178.

[7]

[8] Zygmunt Bauman ensina que “Numa sociedade de consumo, compartilhar a dependência de consumidor – a dependência universal das compras – é a condição sine qua non de toda a liberdade individual; acima de tudo da liberdade de ser diferente, de ter “identidade”. (in Modernidade Líquida / Zygmunt Bauman. Tradução de Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 108.

[9] Nesse sentido, a pergunta: o que é ser um pai? aponta para a questão da transmissão: o que transmite um pai? Que lugar na função paterna ocupam e exercem pai real, pai simbólico e pai imaginário nisso que se trata de transmitir para a constituição do sujeito? Freud afirma a preeminência do pai na constituição da realidade psíquica.

[10] BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Ed. Bertrand. Rio de Janeiro. 1989, p. 10.

[11] ALMEIDA, Leonardo Pinto de Almeida; ATALLAH, Raul Marcel Filgueiras Atallah. O conceito de repetição e sua importância para a teoria psicanalítica. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982008000200003 acessado em 22/07/2018.

[12] DIAS. Carlos Amaral. O Negativo ou o Retorno a Freud. Lisboa: Ed. Fim de Século, 1999, p. 111.

[13]http://www.prerrogativas.org.br/que-direito-e-esse

[14] FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho; FELICIANO, Guilherme Guimarães. SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DA “VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS DO ADVOGADO”: Paleorrepressão de sentido impróprio. Disponível em: file:///C:/Users/ssa/Downloads/67813-89244-1-PB.pdf file:///C:/Users/ssa/Downloads/67813-89244-1-PB.pdf Acessado em 22.07.2018

[15] CASARA, Rubens R R: Processo penal do espetáculo : e outros ensaios. 2. Ed. – Florianópolis : Tirant lo Blanch, 2018, p. 59.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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