A reinserção social do doente mental através da alta progressiva

19/10/2016

Por Suellen Regina Frantz - 19/10/2016

“O doente mental merece respeito, violar os direitos humanos por falta de condições é o pior dos crimes contra a vida humana, matar socialmente pode ser muito pior do que um homicídio.”

Lílian Pereira Miranda

A Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em sessão realizada no dia 15 de setembro de 2016, no processo de Habeas Corpus n. 4002762-19.2016.8.24.0000, de relatoria do Des. Roberto Lucas Pacheco concedeu parcialmente a ordem para determinar que um paciente, internado há mais de trinta anos no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Florianópolis - HCTP, seja encaminhado a Serviço Residencial Terapêutico.

Acerca do prazo máximo da medida de segurança, a Súmula 527 do STJ estabelece que: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que a duração máxima da medida de segurança deve respeitar o limite máximo cominado para as penas privativas de liberdade, conforme disciplinado no art. 75, §1º do Código Penal, ou seja, trinta anos. (Habeas Corpus n. 107.432, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. em 24.5.2011).

No caso submetido à apreciação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao paciente foi aplicada medida de segurança em 1984, tendo a Defensoria Pública impetrado o Habeas Corpus em razão da extrapolação do limite temporal de 30 (trinta) anos.

Extrai-se do acórdão que a simples liberação do paciente diante do lapso temporal atingido não se mostra a solução ideal. Consta no acórdão: “De acordo com os laudos periciais e o histórico do paciente colhidos durante esse período, certificou-se que ele não possui apoio familiar apto a auxiliá-lo no retorno à convivência social, quer por desinteresse ou por ausência de condições de fornecer-lhe o tratamento adequado à periculosidade atestada”.

Diante do contexto do caso concreto e do insucesso da saída progressiva do paciente, foi determinado que ele fosse encaminhado ao Serviço Residencial Terapêutico – cuja finalidade é atender os egressos do HCTP, a se efetivar no prazo máximo de 60 (sessenta) dias.

A progressão das medidas de segurança está prevista na Diretriz 12 da Resolução 05, de 04 de maio de 2003, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária: 12. A medida de segurança deve ser aplicada de forma progressiva, por meio de saídas terapêuticas, evoluindo para regime de hospital-dia ou hospital-noite e outros serviços de atenção diária tão logo o quadro clínico do paciente assim o indique. A regressão para regime anterior só se justificará com base em avaliação clínica.

Entre os estados que aplicam a progressividade da execução da medida de segurança, é importante destacar o trabalho realizado no Instituto Psiquiátrico Forense Dr. Maurício Cardoso, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Experimentada pela primeira vez no Brasil em 1966, no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso, de Porto Alegre, a progressividade dos delinquentes-doentes mentais possuía como característica essencial: a oportunidade de o paciente dirigir-se à casa de seus familiares, inicialmente em fins-de-semana, ampliando-se, de forma paulatina, para sua estadia com a família uma semana, quinze dias, um mês, permanecendo em casa definitivamente quando demonstradas as condições de reintegração. (FERRARI, 2001, p. 169).

Do ponto de vista pericial, esclarece Pacheco (2008, p. 150) que o regime de alta progressiva “proporciona uma avaliação mais acurada dos elementos de propensão ao ato violento, permitindo verificar, dentro de um contexto extra-institucional, a evolução das manifestações psicopatológicas dos internos que, na maioria das vezes, reproduzem ou não os fatores motivadores da própria internação”.

Destarte, o objetivo da alta progressiva consiste em propiciar o hábito ao paciente de se acostumar, gradualmente ao meio social-familiar – do qual está afastado há anos – utilizando-se de variadas e dinâmicas condutas e regras existentes, existindo contínuo contato com os técnicos e funcionários da administração, com reuniões e avaliações, nas quais todos em conjunto deliberam sobre as decisões relativas às normas de funcionamento da desinternação.

A alta progressiva restringe-se a meras visitas experimentais do pacientes às casas dos familiares, ressaltando haver também uma série de atividades dentro da própria unidade, facultando ao inimputável ou ao semi-imputável, o trabalho externo durante o dia, com o repouso noturno na instituição, configurando-se num paralelo ao regime semi-aberto aplicado aos imputáveis (FERRARI, 2001).

Os pacientes podem ir para a casa, após certo tempo de tratamento, quando considerado tecnicamente capaz, que ocorre quando o paciente possui uma melhora significativa no tratamento e mostra-se adaptado aos benefícios da alta progressiva.

Entretanto, na prática a alta progressiva não possui caminho acessível, em razão de que na maioria dos casos, o paciente cometeu crime contra um membro da família, pessoa do seu vínculo de amizade ou, até mesmo, no ambiente de trabalho que estava inserido. A família do “doente mental” acaba se afastando durante o período de internação, não realiza visitas à instituição, deixa de se informar sobre como está o tratamento do paciente ou de prestarem um auxílio extra-institucional, além do local de internação ser distante da moradia da família, e por consequência, há certa resistência em acolhê-lo novamente no seio familiar.

Por vezes, o pensamento da família é de “abandonar” o doente mental e deixá-lo a cargo do Estado, para que o Estado o cure. Todavia, assim como ocorreu no caso do HC acima mencionado, não é apenas o lapso temporal que será o marco para que a Instituição simplesmente coloque o paciente “da porta para fora”, sem se preocupar com o comportamento dele na sociedade.

Para que a reinserção social tenha sucesso é necessário que o Estado se estruture antes de conceder as saídas aos internados. Além da análise da periculosidade do condenado por uma equipe médica através de exame realizado antes da concessão do benefício, cuja finalidade é verificar se o indivíduo tem condições para o convívio social, deve ser feito um acompanhamento externo para se constatar se a ressocialização é realmente possível, o que se torna mais eficaz quando há a reaproximação dos familiares.

Desta forma, o regime da alta progressiva mostra-se como um recurso terapêutico que favorece o processo de reinserção social, abreviando o distanciamento do internado de seu grupo familiar e sua comunidade de origem.


Notas e Referências:

FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direto penal no estado democrático de direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

PACHECO, Sérgio. O Benefício da Alta Progressiva. In CARDOSO, Rogério Göttert. SOUZA, Carlos Alberto Crespo de Souza. (orgs.) Psiquiatria Forense: 80 anos de prática institucional. Porto Alegre: Sulina, 2008.


suellen-regina-frantz. Suellen Regina Frantz é graduada em Direito pela Universidade do Oeste do Estado de Santa Catarina - UNOESC, campus de São Miguel do Oeste; aluna da Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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