Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
A reforma trabalhista brasileira, introduzida pela Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, manipulou através de inserções, alterações, supressões e inovações mais de 200 (duzentos) artigos legais, e pretendeu, sem dúvida, atingir dogmas e pilares centrais do Direito e Processo do Trabalho.
Se a profundidade e as consequências da manipulação forem somadas à superficialidade (ou inexistência) do debate com os atores sociais potencialmente envolvidos, bem como o tempo por demais exíguo do processo legislativo, pode-se afirmar que os operadores jurídico-laborais estão verdadeira e sinceramente atordoados como tudo o que foi imposto.
A desorientação é a marca do momento.
Não é para menos, pois pretendeu-se muito, discutiu-se pouco, em muito pouco tempo.
Neste rumo, correntes, lados e posições radicais tendem a ser assumidos, muitas vezes de forma cega. Os conceitos e os pré-conceitos afloram. Dividem-se pessoas e não apenas opiniões. Já disse tudo isso em outras oportunidades, mas vale a pena insistir, pois o momento é delicado.
Todavia, o que assusta não é a complexidade de normas, novidades e polêmicas impostas pela reforma, até porque em 2015 vivenciamos com absoluta tranquilidade o novo CPC, algo muito maior e complexo, em todos os aspectos, mas sim, e sobre isso quero dedicar algumas linhas, o verdadeiro assédio moral coletivo que vem sendo paulatinamente implementado nos meios de comunicação (e não apenas pelos meios de comunicação), visando não esclarecer ou informar, mas sim desidratar o Direito do Trabalho, o Processo do Trabalho e, à reboque, a Justiça do Trabalho (que talvez ainda não tenha entendido o verdadeiro desiderato).
Há, claramente, uma tendência midiática de “criminalizar” os trabalhadores que, em regra, são os reclamantes na Justiça do Trabalho, bem como os advogados que os defendem.
Propaga-se, sem qualquer juízo crítico ou comprovação efetiva, que há uma verdadeira “indústria trabalhista” que há décadas impera, formada por uma tríplice aliança: trabalhadores “inescrupulosos”, advogados “espertos” e juízes “Robin Hood”. Contudo, os mesmos que assim o fazem se esquecem de expor que em toda a “indústria” há o insumo, mas esse é assunto menor, pouco importante.
Em tempos estranhos como o nosso, ainda durante a madrugada, nos primeiros momentos do dia 11 de novembro de 2017, data em que a nova lei passou a vigorar, um determinado Juiz do Trabalho fez circular, através de meios eletrônicos, uma sentença judicial, provavelmente a primeira publicamente divulgada sob a égide da lei nova, absolutamente corriqueira, irrelevante sob qualquer ponto de vista, inclusive jurídico, na qual o reclamante foi condenado ao pagamento por litigância de má-fé, e ainda teve o benefício da gratuidade de justiça indeferido.
Pronto, a nova lei vingou!
Matéria jornalística hipotética do dia seguinte: “Justiça do Trabalho condena trabalhador ao pagamento de multa por litigância de má-fé e indefere o benefício da gratuidade de justiça”.
Pronto, agora, de fato, a nova lei vingou!
A quem interessa esse tipo de sadismo?
Ora, desde o CPC de 1973, por exemplo, os juízes brasileiros dispõem de um leque de multas e indenizações passíveis de serem aplicadas, em várias fases do processo, àqueles que não respeitam a boa-fé, retidão e a ética no processo. Ou seja, não há nada de novo nisso. Essas ferramentas sempre estiveram à disposição dos juízes e, assim como diversas outras, sempre foram pouco utilizadas, justamente porque, em regra, as partes agem com ética.
Com todo o respeito e sem adentrar no mérito do caso concreto supra mencionado, a divulgação desse tipo de acontecimento, além de irrelevante é maliciosa, pois transmite uma série de informações que não são verdadeiras, o que me leva a crer, como há muito venho refletindo, que no Brasil, de fato, o óbvio precisa ser dito, ainda que isso soe repetitivo e talvez
até mesmo “infantil”.
Neste rumo, com o intuito sincero de verdadeiramente esclarecer e informar os leitores de forma honesta, é preciso fazer uma brevíssima incursão naquele famoso “museu de grandes novidades”:
1. A posição de um juiz ou tribunal nem sempre reflete a posição da “Justiça do Trabalho”, ao menos não da maioria.
2. Penalidades no processo são exceções, pois a maioria esmagadora das partes em processos judiciais Brasil a fora, sejam empregadores ou empregados, tendem a agir dentro da lei no que se refere a princípios éticos.
3. Os desempregados brasileiros que em regra acionam a Justiça do Trabalho não são, em sua gigantesca maioria, aproveitadores ou saqueadores do dinheiro alheio, até porque eles podem pedir, mas quem condena é o juiz.
4. O fundamento primário do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador. Essa é a sua razão de ser.
5. Não é o Direito do Trabalho que causa o volume de processos na Justiça do Trabalho, mas sim o descumprimento de normas trabalhistas básicas, pois o volume de demandas decorre, em sua maioria, do descumprimento deliberado de direitos trabalhistas mínimos, tais como não assinatura de carteira de trabalho, não pagamento de verbas rescisórias e adicional de horas extras. [1]
6. A reforma trabalhista não teve nenhum compromisso com a simplificação da legislação trabalhista. A reforma, sem dúvida, por fundamentos diversos, complicou ainda mais a interpretação da legislação trabalhista. O tempo mostrará isso.
7. Não é a legislação trabalhista que impede a geração de empregos, bem como não será ela que, uma vez alterada, irá aumentar o volume de postos de trabalho.
Tecidas algumas palavras, acredito que agora eu possa voltar a pergunta inicial: a quem interessa esse tipo de sadismo?
Obviamente, a divulgação de condenações impostas aos autores de ações trabalhistas, a tentativa de criação de teses que restringem o acesso à justiça, dentre outras aberrações, para dizer o mínimo, interessam àqueles que descumprem deliberadamente a lei e temem (ou deveriam temer) os rigores de uma legislação que, como dito, é protetiva.
O que vem sendo propagado, muitas vezes de forma irresponsável, visando desidratar o Direito do Trabalho, o Processo do Trabalho, a Justiça do Trabalho, autores de ações, advogados, juízes, procuradores é fruto de algo muito maior que, no fim, e eu custei muito a acreditar nisso, foca na mutilação definitiva de tudo aquilo que vem sendo construído ao longo de anos em termos de direitos sociais.
Em suma, o psicoterrorismo, cotidianamente propagado visa apenas causar temor, inibir as partes de reivindicar seus direitos, e os operadores jurídicos de interpretar e aplicar a lei. Felizmente, contra isso temos um livrinho datado de 1988 que se chama Constituição Federal.
Notas e Referências:
[1] http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24416763 Acessado em 14.01.2018 às 13:05h.
Imagem Ilustrativa do Post: Work in progress // Foto de: Jonas Bengtsson // Sem alterações
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