A REDUÇÃO DA MENSALIDADE DE ENSINO SUPERIOR POR LEI ESTADUAL E A ADI 5951: UM ACENO DO STF À CONSTITUCIONALIDADE?  

04/07/2020

 

Coluna Espaço do Estudante

Nesse período da pandemia da COVID-19, já é uma realidade a tramitação no STF de Ações Diretas de Inconstitucionalidade que visam a declaração de inconstitucionalidade de leis estaduais que estabelecem a redução das mensalidades no ensino superior durante o período de calamidade pública. As leis surgiram para promover uma readequação de um desequilíbrio contratual gerado pela pandemia: os consumidores tiveram suas rendas diminuídas e, simultaneamente, o ensino presencial se tornou a distância, com permissão do Ministério da Educação, tendo teoricamente um custo menor para o fornecedor, gerando uma vantagem excessiva, que conferiria constitucionalidade material às normas. Quanto à possibilidade dos estados disporem sobre o assunto, era alegada a competência concorrente da União, Estados Distrito Federal e Municípios de legislar sobre consumo (Art. 24, VIII, da CR/88), isso conferiria constitucionalidade formal às normas.

Porém, os questionamentos no STF giram em torno da impossibilidade de os Estados legislarem sobre a matéria, porque seria sobre direito civil – competência privativa da União (Art. 22, I, da CR/88), suscitando o argumento de inconstitucionalidade formal. Ademais, as leis feririam a livre iniciativa, fundamento da República Federativa do Brasil e da Ordem Econômica (Arts. 1º, IV, e 170, caput, da CR/88), eivadas de inconstitucionalidade material. A decisão de dizer o direito constitucional nesses casos, portanto, ficaria a cargo do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, no último dia 15 houve um julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de uma matéria que já acena para um possível resultado das supramencionadas ADI’s: o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5951, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia. O objeto da ação era uma lei estadual que obriga as universidades e faculdades particulares a devolverem o valor da taxa de matrícula a alunos que desistirem do curso ou pedirem transferência antes do início das aulas. A princípio, a matéria parece ser em muito diferente, entretanto as causas de pedir da inicial que busca a declaração de inconstitucionalidade e os argumentos favoráveis são em muito semelhantes. Por isso, esse artigo visa examinar os conflitos de princípios e fundamentos expostos na ADI julgada recentemente e analisar como esse julgamento pode influir no das outras ações, sobre redução de mensalidade.

Chamada a se manifestar, a Advocacia Geral da União não defendeu a norma impugnada, alegando invasão da competência privativa da União de legislar sobre direito civil. Já a Procuradoria Geral da República opinou pela constitucionalidade, dividindo sua manifestação em dois tópicos: afirmação da competência dos Estados e a compatibilidade com a autonomia universitária, abarcados no voto da relatora.

Inicialmente, foi abordada a competência legislativa concorrente sobre proteção do consumidor. Nessa seara, relembrando os §§ 1º e 2º do Art. 24 da CR/88, a Procuradoria Geral da República estabeleceu que cabe à União legislar sobre normas gerais e aos Estados cabe suplementar. No caso concreto, as normas gerais seriam, a princípio, o Código de Defesa do Consumidor (que estabelecem um rol exemplificativo de práticas e cláusulas abusivas) e a Lei Geral de Anuidades Escolares, a Lei 9.870/1999. Para a PGR, caberia aos estados estabelecerem outros casos de cláusulas e práticas abusivas ou explanarem as já existentes, individualizando para casos específicos, como no contrato de prestações educacionais. Assim, poderiam legislar livremente, desde que conforme com esses dispositivos normativos.

Quanto às leis de redução das mensalidades, já percebe-se que ela seria abarcada por esse entendimento, por tutelarem o consumidor frente a vantagens manifestamente excessivas (Art. 39, V, do CDC) e cláusulas que o coloquem em situação excessivamente onerosa (Art. 51, IV, e § 1º, II, do CDC).

Posteriormente, foi abordada o fato da relação entre consumidor e fornecedor ser civil, que levaria a competência legislativa ser privativa da União (Art. 22, I, da CR/988). Porém, abordou a PGR que os contratos de prestação educacionais são de relação de consumo e ainda de adesão, situações que agravam a hipossuficiência do consumidor, cabendo aos Estados disporem sobre o assunto. No caso das mensalidades, aplicar-se-ia a mesma lógica, com a tutela dos consumidores pelo Estado frente a mensalidades abusivas para Ensino à Distância (quando o contrato inicial era presencial) junto à vulnerabilidade econômica presumida dada pela crise.

Definida a competência dos Estados, passou-se a analisar a constitucionalidade material das leis. Conforme a PGR, em um movimento de concretização da igualdade material, a autonomia da vontade foi mitigada pelo dirigismo contratual, com a intervenção do Estado nas esferas privadas. Mesmo que o CDC não abordasse expressamente sobre os serviços educacionais, eles se encaixam na definição de “serviço" do Art. 3º, § 2º, do diploma, devendo ter intervenção pelo Estado. Além disso, o fato de a educação ser serviço público e o contrato de adesão, reforçam a necessidade de proteção pelo Estado, para haver um equilíbrio econômico-financeiro.

Por fim, enfrentou-se dois argumentos contrários à constitucionalidade material da medida, a saber: a autonomia universitária. A primeira, conforme a PGR, possui como núcleo essencial a independência do saber e divulgação do pensamento, sem influências externas, podendo as autonomias administrativa e financeira serem mitigadas. Desse modo, devem as universidades se submeter aos atos normativos primários e secundários que sobre ela incidem. Assim, deveria, no caso das leis estaduais que reduzem a mensalidade, as faculdades se submeterem a elas.

Ademais desses argumentos, a ministra Cármen Lúcia abordou o argumento de que a livre iniciativa, prevista como fundamento da Ordem Econômica, deve atingir os objetivos do Art. 170 da CR/88, dentre eles a defesa do consumidor. Assim, a prestação de serviços educacionais deve possuir como objetivo a defesa do consumidor, não havendo inconstitucionalidade as leis estaduais que a restringem. O voto da relatora foi abarcado pelo Tribunal, julgando a norma constitucional.

Mesmo que a questão principal seja diferente, foi demonstrado nesse artigo que os argumentos utilizados e a sua ponderação tiveram um nível de abstratividade que poderiam ser aplicados às leis estaduais de redução de mensalidade. Portanto, por ter sido julgada a ADI recentemente, em meio à pandemia, vê-se com grande possibilidade o Tribunal aplicar o mesmo raciocínio às leis estaduais em questão.

 

Notas e Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 jun. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Manifestação da Procuradoria Geral da República. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.951/MG. 10 set. 2019. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15341092090&ext=.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Devolução de taxa de matrícula em caso de desistência ou transferência de curso universitário é constitucional. 19 jun. 2020. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=445943&ori=1>. Acesso em: 26 jun. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mensalidades escolares: lei do RJ que permite redução durante a pandemia é contestada em ação. 9 jun. 2020. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=445144&ori=1>. Acesso em: 26 jun. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Lei do Pará sobre desconto em mensalidades escolares durante pandemia é questionada. 4 jun. 2020. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=444840&ori=1>. Acesos em: 26 jun. 2020.

 

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