A REDESIM e a Consulta Pública n°. 4/2018-DREI: o caminho da burocratização do Registro Público de Empresas Mercantis

19/07/2018

Sabe-se que um dos grandes percalços para se empreender no Brasil — e fonte de desestímulo à atividade empreendedora — diz respeito ao tempo de abertura de uma empresa. Entre a formalização dos atos constitutivos e a concessão de todas as licenças e alvarás para o exercício empresarial podem transcorrer meses ou, até mesmo, anos, o que impacta na elevação dos custos de transação e no incentivo à informalidade (economia subterrânea).

Não é por outra razão que Rubens REQUIÃO referia-se à hipertrofia do sistema de registro e controle da atividade empresarial nas três esferas da administração direta e indireta[i]. Fábio TOKARS, de forma até mais categórica, alertava quanto às inúmeras oportunidades de negócios que são desperdiçadas pelo temor de investidores estrangeiros em ingressar em um país primário sob o aspecto da organização institucional da atividade empresarial[ii].

De acordo com os dados do relatório Doing Business 2018, elaborado pelo Banco Mundial para avaliar o ambiente de negócios em 190 economias mundiais, o tempo médio para abertura de empresas no Brasil é de 101 dias, o que coloca o país na indigesta 176ª posição entre as economias analisadas nesse indicador. Em breve comparativo, entre as principais economias que integram o Mercosul, o tempo médio para abertura de empresas no Paraguai é de 35 dias, na Argentina é de 24 dias, enquanto que no Uruguai e no Chile, o tempo médio é de 6 dias e 5 dias, respectivamente[iii].

            Neste cenário, a criação da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (REDESIM), pela Lei 11.598/2007, vem ao encontro do processo de construção de um registro empresarial simplificado, integrado e desburocratizado. Compreender o registro empresarial como instrumento de desenvolvimento econômico e social é imprescindível, ainda mais quando se considera a importância do agente privado no contexto de economia de mercado, tal como sugerido pelo art. 170 da Constituição Federal.

            Vale dizer, se o ordenamento jurídico brasileiro assentou o registro empresarial como ato obrigatório aos empresários e sociedades empresárias regulares e marco constitutivo da aquisição da personalidade jurídica — vide o disposto no art. 4° do Código Comercial de 1850, do art. 18 do Código Civil de 1916 e o art. 45 do Código Civil de 2002 —, não parece lógico que o registro empresarial constitua entrave à formalização de negócios. E é neste sentido que se insere a REDESIM: integrar o processo de registro e de legalização de empresas por meio da rede mundial de computadores (internet) e demais sistemas da tecnologia da informação.

            Recentemente, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), órgão integrante do Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (SINREM) — não se adentrando ao mérito da (in)constitucionalidade de sua criação — e responsável pela supervisão, orientação, coordenação e normatização do registro empresarial, abriu a Consulta Pública n° 4/2018 para debater a minuta de Instrução Normativa (Lista de Exigências). Dentre os pontos tratados, chama atenção a disposição que exige, de forma obrigatória, o reconhecimento de firma para registro de atos societários.

            A proposta é preocupante, essencialmente, em dois aspectos: a extrapolação da competência normativa do DREI e o contrassenso burocratizante.

            A redação do art. 63 da Lei 8.934/1994 é cogente ao dispensar o reconhecimento de firma para os atos levados a registro, salvo quando se tratar de procuração. Logo, estaria o DREI conferindo interpretação manifestamente contra legen ao dispositivo legal e incorrendo em típica inovação legislativa, sem deter, contudo, qualquer competência para tanto.

            As instruções normativas editadas pelo órgão têm por função coordenar e orientar a atividade registral a partir, e nos limites, da própria disciplina da Lei 8.934/1994 e do Decreto-Lei 1.800/96. Do contrário, cria-se um ambiente de insegurança jurídica e instabilidade institucional.

Por outro lado, exigir o reconhecimento de firma nos atos societários é medida contraditória ao próprio ideal que norteou a criação da REDESIM: simplificar e, acima de tudo, desburocratizar o registro empresarial. Impor ao empresário o cumprimento de mais uma formalidade — além de tantas outras que já lhe são imputadas — certamente não contribuirá com a célere e eficaz abertura do negócio para a produção de riquezas.

Ao contrário, gerará um custo (de transação) injustificável ao empreendedor e criará barreiras desnecessárias à formalização da atividade empresarial, justamente o que o país menos precisa no atual cenário de crise econômica. Ora, num ambiente de informatização do registro empresarial, cogitar de autenticidade de firma em todos os atos societários implica ignorar os notórios avanços tecnológicos e funcionalidades disponíveis, a exemplo da assinatura digital, certificada no Brasil no âmbito de Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que confere autenticidade, integridade, confiabilidade e o não-repúdio[iv].

Deveria o DREI voltar-se à instituição de normas destinadas à incorporação de novas ferramentas tecnológicas que otimizem o procedimento registral, atendendo-se à finalidade de simplificação e desburocratização estatuída pela REDESIM. Espera-se que a proposta apresentada não seja incorporada à instrução normativa, sob pena de infeliz retrocesso nos já parcos avanços realizados.

 

Notas e Referências

[i] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1°Vol. 29. ed. rev. e atual. Por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 146. 

[ii] TOKARS, Fábio. Registro On-line de Empresários Individuais e de Sociedades Limitadas”. Revista de Direito Empresarial. Curitiba, n. 14, p. 171-186, jul./dez. 2010.

[iii] THE WORLD BANK. 2018. Doing Business 2018:Reforming to Create Jobs. Washington, DC.

[iv]Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. Certificação Digital. Disponível em: <http://www.iti.gov.br/perguntas-frequentes/41-lei-de-acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/112-sobre-certificacao-digital> Acesso em: 11. Jul. de 2017.

 

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