Por Bryan Bueno Lechenakoski - 07/02/2016
Com a alteração da lei 12.234/2010, trouxe consigo, dentre outras mudanças, a alteração do termo inicial da contagem da prescrição retroativa.
De forma sucinta pretende-se com este, demonstrar a importância da utilização dos princípios constitucionais, bem como o necessário estudo sobre o Pacto San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos).
Primeiramente cumpre-se tecer considerações acerca da Razoável Duração do Processo na fase judicial e administrativa.
A partir de 2004, através da Emenda Constitucional nº45, a nossa Constituição da República de 1988 trouxe menção expressa acerca do princípio da razoável duração do processo, insculpido em seu artigo 5º, LXXVIII, conforme segue:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação
Ressalta-se que este dispositivo se preocupou em assegurar tal garantia na fase judicial, bem como na fase administrativa, e entendendo o inquérito policial como um procedimento administrativo pré-processual[1], verifica-se este estar restrito ao princípio da razoável duração do processo.
Neste sentido, Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço da Silveira Filho explicam com maestria:
A Emenda Constitucional nº 45 veio com o objetivo de promover uma reforma do Poder Judiciário brasileiro, tendo vista o grave problema da morosidade geral do trâmite dos processos judiciais. A demora da prestação jurisdicional, bem como a deficiência em solucionar, com presteza e eficácia, os casos submetidos à sua apreciação parecem ensejar que se cogite a descrença não só da função jurisdicional, como também do próprio regime democrático.[2]
Além desta garantia constitucional, deve-se mencionar a Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário e possui o dever de assegurar sua aplicabilidade dentro do território nacional[3].
Desta feita, válido mencionar o artigo 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Sem grifos no original.
Assim sendo, nota-se que há incidência da razoável duração do processo nos procedimentos investigativos.
Noutro vértice, ressalta-se que o próprio Processo Penal, ou a investigação de um crime já é uma pena para o acusado, bem como para seus familiares, o que o ilustre Francesco Carnelutti já ensinava há seu tempo:
(...) a tortura, nas formas mais cruéis, está abolida, ao menos sobre o papel; mas o processo por si mesmo é uma tortura. Até certo ponto, dizia, não se pode fazer por menos; mas a assim chamada civilização moderna tem exasperado de modo inverossímil e insuportável esta triste consequência do processo. O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado às feras, como se dizia uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. (...) Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O indivíduo, assim, é feito em pedaços. E o indivíduo, assim, relembremo-nos, é único valor da civilização que deveria ser protegido.[4] Sem grifos no original.
Portanto, a investigação criminal ou processo que perdura por demasiado, pode não incidir no prazo prescricional do crime, mas poderá ocorrer a violação de dispositivo constitucional, qual seja a razoável duração do processo.
Em casos semelhantes, nota-se jurisprudências no sentido do trancamento da ação penal ou do inquérito policial pelo excesso de prazo pela afronta ao princípio da razoável duração do processo conforme segue:
5. No caso, passados mais de 7 anos desde a instauração do Inquérito pela Polícia Federal do Maranhão, não houve o oferecimento de denúncia contra os pacientes. É certo que existe jurisprudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constrangimento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 08.10.07); entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas vezes, econômico e financeiro, principalmente quando se trata de grandes empresas e empresários e os fatos já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a pedido do Parquet Federal. (STJ, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 04/09/2008, T5 - QUINTA TURMA). Sem grifos no original.
Ainda, em decisão mais recente, o Superior Tribunal de Justiça firmou sua posição no sentido de:
(...) 5. Por outro lado, tendo em vista que já se passaram quase 07 (sete) anos sem que tenha sido concluído o inquérito, tampouco realizadas diligências que tendam a desvelar a suspeita levantada em face dos suspeitos, notório o constrangimento ilegal contra os Pacientes, a ensejar o trancamento do referido inquérito policial, em razão do evidente excesso de prazo para seu encerramento, (...). Precedentes. (STJ, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 - QUINTA TURMA).
Da mesma, a jurisprudência da Corte Interamericana em Direitos Humanos no caso Garibaldi x Brasil, já decidiu conforme segue:
139. Pelo exposto, o Tribunal conclui que o lapso de mais de cinco anos que demorou o procedimento interno apenas na fase de investigação dos fatos ultrapassa excessivamente um prazo que possa ser considerado razoável para que o Estado realize as correspondentes diligências investigativas, bem como constitui uma denegação de justiça em prejuízo dos familiares de Sétimo Garibaldi. * * *
140. A Corte conclui que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável. Por isso, o Estado violou os direitos às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 da mesma, em prejuízo de Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi.[5] Sem grifos no original.
No que tange a razoável duração do processo, não se pode confundir com a demora jurisdicional para resolver o caso penal e muito menos com a sistemática do tempo mais curto, mas sim, como sendo o princípio norteador, que é responsável por assegurar as garantias ao acusado, como a ampla defesa e contraditório (dentre outras garantias processuais).
Neste sentido, pode-se usar as palavras de Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço da Silveira Filho:
O tempo razoável para o processo, concebido como convergência de garantias, não é necessariamente o tempo mais curto, mas justamente o tempo adequado para que o processo cumpra suas funções. A aceleração processual, não raro, pode retirar a razoabilidade de sua duração. Processo “instantâneo” ou “quase instantâneo” não é razoável e representa, inclusive, verdadeira contradição, pois – conforme já salientado – a própria noção de processo implica transcurso de tempo, lapso razoável para que possa ser decidido. (...)[6]
Não sendo suficiente tais afirmativas, mesmo que o aparato estatal seja inadequado ou insuficiente para garantir a ordem, não é motivo idôneo de modo a fundamentar a demora na prestação jurisdicional.
Corroborado com tal entendimento acima elencado, em caso semelhante, pode-se extrair para comprovação da afirmativa o julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Garibaldi x Brasil:
137. O Brasil alegou que a duração do Inquérito decorreu das férias regulamentares de alguns funcionários públicos, da realização de diligências em outras jurisdições e do acúmulo de procedimentos a cargo das autoridades estatais. A Corte lembra, como já foi estabelecido na presente Sentença, que existe uma obrigação internacional do Estado em investigar fatos como os do presente caso e, por isso, não é possível alegar obstáculos internos, tais como a falta de infra-estrutura ou de pessoal para conduzir os processos investigativos, para eximir-se de uma obrigação internacional. [7] (sem destaques no original).
Desta forma, nota-se que mais importante do que a formulação da prescrição, é o princípio da razoável duração do processo, que por sua vez, deveria ser o norte do Processo Penal.
Na prática, notamos uma degenerada (de)mora na prestação jurisdicional, principalmente na fase investigativa, que pode durar anos até chegar-se ao final desta e dar-se início ao processo.
Ainda, a lei 12.234/2010, trouxe a impossibilidade do reconhecimento da prescrição retroativa aquém da denúncia, ou seja, os 05, 10 ou 15 anos de investigação estão fora do computo da prescrição prevista no artigo 110 do Código Penal e regulada pelo artigo 107 do mesmo diploma legal.
Engana-se àquele que pensa que a prescrição busca tão somente apressar a persecução penal, pois a prescrição está pautada para garantir direitos ao próprio acusado, bem como assegurar que este não será perseguido para sempre.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca da (in)constitucionalidade da lei 12.234/2010 no Habeas Corpus 122.694[8], ao qual decidiu que esta alteração era constitucional.
Merece destaque o posicionamento do Ilustre Ministro Marco Aurélio (vale a pena ler na íntegra o voto) nas páginas 67/69, mas para fins didáticos transcorrerei apenas dois trechos curtos:
Para assim concluir, basta que se considere que veio uma norma simplesmente pedagógica, porque esse direito já era ínsito, prevendo que o cidadão conta com a duração razoável do processo, ao desfecho do processo, seja cível, seja criminal, em um prazo razoável. E que o Estado atue, que o Estado realmente dê infraestrutura à Polícia Judiciária, ao Ministério Público, ao Judiciário, viabilizando a eficácia, a concretude maior desse direito constitucional, que é o direito a ter-se o término do processo, seja qual for, em um período razoável(...).Peço vênia, Presidente, e por isso mesmo não posso elogiar o voto do Relator, como o fizeram os ilustres colegas, para divergir e conceder a ordem, proclamando aos quatro ventos que o disposto, hoje, na parte final do § 1º do artigo 110 do Código Penal, presente a Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, não se harmoniza com a Carta Federal. Declaro a inconstitucionalidade dessa parte final do preceito, ou seja, da expressão "não podendo, em nenhuma hipótese," – cercaram por todos os lados, até parecendo jogo do bicho – "ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa"
Outro ponto relevante é o fato da proporcionalidade das penas, e se associado ao raciocínio do ilustre Francesco Carnelutti já mencionado no corpo deste artigo, a investigação que perdura durante 7 anos traz sérios prejuízos psicológicos e morais ao investigado, e se à este investigado for (em situação hipotética) atribuída uma pena ao final do processo fixada em 05 anos. Não teria ele, já cumprido a pena e sofrido as consequências da investigação?
Diante disto, me indago para que e qual a finalidade desta pena? Porque prosseguir com a persecução penal? Porque retirar a prescrição retroativa aquém da denúncia?
Desta forma, como nos socorrermos de um prazo mais que exaurido nas investigações criminais? Qual arma nos restou para, não só apressar o sistema investigativo, mas que o próprio acusado não seja perseguido para sempre? (Haja vista muitas vezes no Inquérito Policial não respeitar os prazos para finalização deste estabelecidos no Código de Processo Penal)
Por isso, cada vez mais devemos nos socorrer a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como à Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque de acordo com o artigo 5º, §2º e §3º da Constituição da República, o Brasil deve cumprir as garantias ali expostas.
Aproveita-se o ensejo, para terminar com um trecho que retrata bem o último parágrafo, brilhantemente escrito pelo Juiz de Direito Flávio Antônio da Cruz em uma Rede Social, na data de 01/02/2016:
Há gente por aí escrevendo que o ÚNICO escopo da prescrição penal seria servir de estímulo para que os servidores do povo concentrassem seus esforços na célere persecução penal... Errado! E isso é básico. Prescrição penal trata sobremodo da garantia de qualquer pessoa: a garantia de não ser perseguida indefinidamente por aqueles que podem falar em nome do Estado. Essa é a questão central. Quem promove uma leitura a partir da 'law and economics', concebendo a prescrição penalAPENAS como meio de estímulo para a alocação de recursos humanos/econômicos na persecução das suspeitas mais graves, acaba esquecendo que a insegurança jurídica coletiva também é um custo a ser tomado em conta - i.e., o fato de que o Estado limita direitos, aliás, talvez muito mais do que ele assegura direitos; o fato de que servidores erram e o fato, sobremodo, de que qualquer pessoa pode ser alvo de suspeitas e acusações indevidas. O interessante nessas análises todas é que os 'reformistas' gostam de se imaginar como parte da solução, quando, em alguma medida, o próprio 'sistema' é parte do problema.... Não raro, as propostas não passam pela obtenção de efetiva igualdade e cidadania para todos..., mas em simples ampliação do poder de autoridades públicas para restringir direitos dos indivíduos. Claro que algumas reformas são necessárias. Mas talvez seja muito mais importante, antes de tudo, perguntarmos para que e para quem...
Notas e Referências:
[1] JUNIOR, Aury Lopes. GLOECKNER,Ricardo Jacobsen. A Investigação Preliminar no Processo Penal. 6ª Edição. São Paulo. Saraiva. 2014. Págs. 91/93.
[2] ROSA, Alexandre Morais da; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Medidas Compensatórias da demora jurisdicional. A efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2014. P. 25.
[3] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª Edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 107. “Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé.”
[4] CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Trad. CARDINALLI, Jose Antonio. Conan. 1995. P. 22 e 23.
[5] Precedente. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Garibaldi x Brasil. Julgado em 23 de setembro de 2009. Parágrafos 139 e 140. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-interamericana/sentenca-garibaldi>
[6] ROSA, Alexandre Morais da; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Medidas Compensatórias da demora jurisdicional. A efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2014. P. 27.
[7] Precedente. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Garibaldi x Brasil. Julgado em 23 de setembro de 2009. Parágrafo 137. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-interamericana/sentenca-garibaldi>
[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 122.694. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=122694&classe=HC-MC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>.
BRASIL. Constituição da República. Art. 5º, inciso LXXVIII.
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Trad. CARDINALLI, Jose Antonio. Conan. 1995.
INTERNACIONAL. Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica).
JUNIOR, Aury Lopes. GLOECKNER,Ricardo Jacobsen. A Investigação Preliminar no Processo Penal. 6ª Edição. São Paulo. Saraiva. 2014. Págs. 91/93.
ROSA, Alexandre Morais da; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Medidas Compensatórias da demora jurisdicional. A efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2014.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª Edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva. 2013, pág. 107. “Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé.”
Precedente. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Garibaldi x Brasil. Julgado em 23 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-interamericana/sentenca-garibaldi>
Precedente. (STJ, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 - QUINTA TURMA).
Precedente. (STJ, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 04/09/2008, T5 - QUINTA TURMA).
Precedente. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 122.694.
. Bryan Bueno Lechenakoski é Advogado militante na área criminal em Curitiba, Paraná. Pós-graduando em Penal e Processo Penal na Academia Brasileira de Direito Constitucional e Pós-graduando em Direito Contemporâneo com ênfase em Direito Público no Curso Jurídico. E-mail: lechenakoski.adv@gmail.com
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