A razoável duração do habeas corpus – Por Paulo Silas Taporosky Filho

04/06/2017

O inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal prevê que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A ideia é a de que a tramitação dos processos tenha um prazo razoável, ou seja, nem muito, nem tão pouco, como já pudemos expor por aqui[1].

No âmbito processual penal, determinados casos recebem prioridade na tramitação. É o caso de processos com réus presos, por exemplo. Em casos nos quais o acusado responde ao processo desprovido de sua liberdade, é dada preferência na tramitação desses. Priorizam-se as pautas de audiência, os prazos processuais passam a ser mais efetivamente atendidos, enfim, intenta-se que o processo tramite de maneira mais célere. Pudera, vez que enquanto constrita a liberdade do acusado, faz-se necessário que o Estado zele pela garantia prevista em sua Constituição. Não que possa deixar de atender ao mandamento constitucional nos demais casos, mas naquelas situações em que o acusado responde preso ao processo, a resposta quanto à situação daquele cidadão que se vê processado (através de uma sentença judicial) deve ser dada o mais rápido possível – dentro da ideia de razoável duração do processo.

No entanto, a questão desse tipo de prazo no processo penal se situa no plano abstrato. Isso pelo fato de que não há um regramento concreto previsto que delimite ou estipule prazos quanto à duração do processo. Mesmo quando a situação é de acusado respondendo ao processo enquanto preso, inexiste um prazo previsto para a duração máxima que o processo deve ter. Na jurisprudência podem ser encontrados diversos entendimentos de quando é caso ou não de se entender uma tramitação em tempo excessivo.

O ideal é que esse sistema de “não prazo” fosse superado. Conforme defendem Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço da Silveira Filho:

[...] entende-se que é razoável a posição que sustenta a necessidade do estabelecimento de prazos de duração máxima dos processos criminais, o que passa pelo abandono do sistema do não prazo e pela definição exata do que se deve entender por “prazo razoável”, tendo em vista que o poder de punir deve estrita obediência ao princípio da legalidade e isso inclui certas condições temporais máximas para o seu exercício.[2]

Não havendo tal definição, cumpre o analisar de cada caso – merecendo sempre a observância de que algumas situações merecem prioridade na tramitação.

Dentro desse contexto, o habeas corpus acaba sendo uma medida por vezes utilizada para cessar constrangimentos ilegais decorrentes da morosidade na tramitação de feitos. Em casos onde se evidencia o excesso de tempo na tramitação de um processo em que o acusado o responda preso, é possível apontar o constrangimento ilegal nesse sentido, utilizando-se do habeas corpus para tanto, buscando assim o cessar do ato coator (prisão cautelar por tempo excessivo) e restituir a liberdade ao acusado.

Situação interessante (não num bom sentido) que acabou se tornando não tão incomum, é que dado o grande volume de habeas corpus tramitando nos tribunais, muitas vezes a prioridade de tramitação (que sempre assiste ao habeas corpus) acaba sendo apenas de natureza formal, vez que na prática acaba não assim se vislumbrando.

Gustavo Badaró pontua muito bem essa situação:

O volume de habeas corpus nos tribunais é tão grande que já não se observa uma tramitação prioritária. Não é incomum, em caso até mesmo de habeas corpus liberatório, a demora de meses e meses para o seu julgamento. Em suma, a larga utilização do habeas corpus para prevenir lesões longínquas à liberdade [...] acaba prejudicando a utilização de habeas corpus para tutelar a liberdade de locomoção em casos em que já existe violação à tal direito.[3]

Não se vê, muitas vezes, a tramitação célere que se espera do habeas corpus. Algumas situações são tão gritantes que já ocorreu impetração de habeas corpus visando que fosse efetivada a duração razoável do processo na tramitação de um outro habeas corpus. Gustavo Badaró aponta como exemplo concreto de tal situação o HC 91.041-6/PE[4], cuja ementa assim ficou:

HABEAS CORPUS. WRIT IMPETRADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DEMORA NO JULGAMENTO. DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. NATUREZA MESMA DO HABEAS CORPUS. PRIMAZIA SOBRE QUALQUER OUTRA AÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

A razoável duração do habeas corpus merece ser observada de acordo com a finalidade/natureza dessa medida autônoma de impugnação. Em determinadas situações e tribunais, poderia ser o caso de fundamentar um pedido liminar no habeas corpus tomando como base a perspectiva do tempo médio de tramitação naquele local em que o próprio habeas corpus será julgado. É a proposta.


Notas e Referências:

[1] TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas. FACCHI JUNIOR, Edson Luiz. Nem muito, nem tão pouco: a duração razoável do processo penal. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/nem-muito-nem-tao-pouco-a-duracao-razoavel-do-processo-penal-por-paulo-silas-taporosky-filho-e-edson-luiz-facchi-junior/  ISSN: 2446-7408. Acesso em 02/06/2017

[2] ROSA, Alexandre Morais da. SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Medidas Compensatórias da Demora Jurisdicional: a efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 85

[3] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 679-680

[4] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=479182


Curtiu o artigo???

Confira aqui a obra O Direito pela Literatura: algumas abordagens do autor Paulo Silas Taporosky Filho publicada pela Editora Empório do Direito!


 

Imagem Ilustrativa do Post: Forgotten - Day 33/365 // Foto de: Nadine Heidrich // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/nadineheidrich/11194895594

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura