No contexto do mercado de capitais e de uma economia global, o Brasil passou a valorizar a pauta da unicidade comunicativa entre o investidor estrangeiro e o empresariado brasileiro.
Os critérios para a elaboração das demonstrações financeiras evoluíram, tornando mais factível e transparente o conhecimento dos resultados e da posição patrimonial da empresa. A utilização de uma metodologia contábil internacionalmente aceita ajudou a diminuir a assimetria informacional de práticas e critérios desses diferentes players no momento de (re)conhecer e mensurar cada transação.
Deste modo, o Brasil buscou harmonizar suas regras às normas internacionais de contabilidade, adotando as International Financial Reporting Standards (IFRS).
O início desta aproximação com órgãos internacionais deu-se por meio da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários nº 457, de 13 de julho de 2007, a qual previa a adoção de padrão contábil internacional por parte das companhias abertas, para a apresentação de suas demonstrações financeiras, sob a égide dos pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board – IASB.
Posteriormente, o tema foi consolidado na Instrução da CVM nº 485 de 2010, referendando-se a adoção das normas internacionais, todavia submetendo-se ao CPC — Comitê de Pronunciamentos Contábeis — com o objetivo de equalizar a convergência com as normas editadas pelo International Accounting Standards Board — IASB, Conselho sediado em Londres desde 1973.
Foi um grande avanço perpetrado pela CVM ao definir a aproximação retroestabelecida, pois, com tal postura, foi possível aderir-se a um modelo único de normas contábeis, internacionalmente aceitas, que privilegiam a transparência e a comparabilidade das demonstrações contábeis, muito úteis, inclusive, para pautar questões societárias.
As normas que são publicadas e atualizadas pela IASB são chamadas de pronunciamentos da International Financial Reporting Standards (IFRS), as quais tratam do formato, conteúdo e da apresentação das demonstrações contábeis. Ainda, existem interpretações técnicas de tais normas, sendo de responsabilidade do International Financial Reporting Interpretations Commitee (IFRIC).
Nesta senda de harmonização, no âmbito nacional, em 2005, foi criado o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que teve o intuito inicial de redução dos riscos internacionais creditícios, de participações societárias e outros riscos associados ao entendimento das demonstrações contábeis, como também de melhorar a interação informacional para servir de plataforma ao processo decisório.
O CPC emite seus pronunciamentos com base nas Normas IFRS, respeitando as práticas nacionais orientadas a partir de conteúdos da Associação Brasileira de Companhias Abertas (ABRASCA), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC), do Instituto de Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
O anteprojeto e posterior PL nº 3.741/2000, fruto da Instrução apresentada pela CVM ao Poder Executivo, deu origem à Lei nº 11.638/2007, em cujo conteúdo é possível perceber sensíveis e significativas mudanças da forma da elaboração e da apresentação das demonstrações financeiras, tanto das sociedades por ações como das sociedades de grande porte.
O parágrafo único do artigo 3º da supracitada Lei, que entrou em vigor no ano de 2008, equiparou, para fins de escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, mesmo que não constituídas sob a forma de sociedade por ações, “a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00”. Isto significa que as sociedades anônimas de capital aberto, as de capital fechado e as sociedades limitadas consideradas de grande porte devem cumprir as novas exigências.
À vista da natureza jurídica da sociedade por ações, o art. 176 da LSA estabelece que as demonstrações financeiras serão aferidas por: (i) balanço patrimonial; (ii) demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; (iii) demonstração do resultado do exercício; (iv) demonstração dos fluxos de caixa; (v) se companhia aberta, demonstração do valor adicionado. Além disso, as demonstrações serão complementadas por notas explicativas, sendo estas reguladas pelo §5º do mesmo dispositivo legal, incluído pela Lei 11.941/2009, e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício (§4º).
Outras regras têm repercussão quando se fala em demonstrações financeiras, como é o caso do artigo 133, II da LSA, que exige do administrador a disponibilização delas aos Acionistas, antes da AGO; ainda, as que determinam a observância das normas expedidas pela CVM e a submissão a auditoria por auditores independentes (art. 177, §3º da LSA); a publicação com a indicação das demonstrações do exercício anterior (art. 176, §1º da LSA), além da veiculação no órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia, e em outro jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia (art. 289 da LSA), ressalvada a hipótese prevista no do §1º deste último artigo quanto à necessidade de publicação suplementar por determinação da CVM em locais onde os valores mobiliários da companhia são negociados.
A parametrização conforme os padrões internacionais significou um avanço para a contabilidade brasileira, conferindo características qualitativas às demonstrações contábeis/financeiras, assegurando aos usuários uma visão verdadeira e apropriada da posição patrimonial e financeira, do desempenho e das mutações na posição financeira da empresa. Dentre estas características, que são fundamentais, destacam-se: a relevância das informações financeiras, assim consideradas por subsidiarem a tomada de decisões econômicas; a materialidade no sentido da indispensabilidade, pois, uma vez omitida ou distorcida determinada informação, há influência no processo decisório; a representação fidedigna e a compreensibilidade, como características fundamentais, revelam que as demonstrações serão compreensíveis a ponto de viabilizar o pronto entendimento, portanto, serão confiáveis; a comparabilidade também é uma característica fundamental, qualitativa de melhoria, permitindo uma avaliação por períodos (aspecto temporal), sendo obrigatória a divulgação, pela empresa, da situação patrimonial e financeira do dia do encerramento do exercício social e do dia do encerramento do exercício social anterior; a verificabilidade possibilita aos usuários a obtenção da representação econômica fidedigna dos dados de interesse; a tempestividade relaciona-se à disponibilidade das informações no tempo oportuno para a tomada de decisões[i].
Em que pese a parametrização de acordo com os padrões internacionais, o legislador ficou silente acerca da fase que tange à publicização das demonstrações financeiras das sociedades de grande porte, resultando na incerteza interpretativa (restritiva ou extensiva) da norma, por parte de algumas Juntas Comerciais e das Empresas que se inserem nesta característica.
Note-se que é da natureza da sociedade por ações buscar recursos junto ao mercado, o que não é tão comum no caso das sociedades limitadas. Tal fato confere ainda mais importância às demonstrações financeiras, disponíveis para muitos usuários, destacando-se: sócios, investidores, administradores, parceiros, governo, credores e também ao concorrente.
Diante deste panorama, cabe indagar se as empresas de grande porte estão igualmente sujeitas à publicação de suas demonstrações financeiras, em razão da definição trazida pelo art. 3º da Lei 11.638 de 2007.
Inicialmente, insta salientar que, na previsão inicial do anteprojeto apresentado pela CVM, constava que as empresas de grande porte (mesmo que não constituídas sob a forma de sociedade por ações) elaborariam e publicariam as demonstrações contábeis consolidadas.
O tema foi objeto de discussão e, quando da redação final da norma legal em comentário, foi suprimida a obrigatoriedade da publicação para a empresa de grande porte, mantendo-se apenas quanto à elaboração e escrituração.
Ainda, o DNRC (atual DREI), no Ofício Circular nº 099/2008, dispôs em seu item 7.7: As Sociedades de Grande Porte, para o fim de atender o disposto do art. 40 da Lei 8.934/94 poderão facultativamente publicar suas demonstrações financeiras nos jornais oficiais ou outros meios de divulgação, para efeito de ser deferido o seu arquivamento nas Juntas Comerciais”.
Todavia a referida disposição foi contestada, alegando-se violação ao art. 4º da Lei 8.934/94, pois, ao solucionar dúvidas quanto à interpretação da legislação e prestar orientações às Juntas Comerciais (incumbência disposta nos incisos III e IV do art. 4º), contrariou a Lei 11.638/07 pela autorização de conduta diversa daquela prevista em lei.
O tema ganhou repercussão (fevereiro de 2015) com a ação ordinária proposta pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais (ABIO), que foi julgada procedente, confirmando-se a tutela antecipada para o fim de suspender os efeitos do item 7 do supracitado Ofício Circular.
De outro norte, não obstante a procedência da ação proposta pela ABIO, ao questionar a deliberação da JUCESP nº 2/2015[ii] no judiciário, a jurisprudência vem sendo cediça ao exarar a desnecessidade da publicização das demonstrações financeiras das empresas de grande porte.
O assunto foi alvo de apreço do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos (Conjur) da Fiesp, à época da Deliberação da JUCESP.
De fato trata-se de uma miscelânea em um mesmo dispositivo legal, um problema hermenêutico e uma dificuldade para o intérprete, que se viu, de um lado, a par de argumentos razoáveis para uma interpretação ampliativa, pois é inevitável uma ponderação sistêmica da legislação empresarial e dos rotineiros avanços para a equalização de normas, e, de outro lado, pela dispensabilidade da publicação, levantaram-se questões como: dissonância da estrutura legislativa societária pátria em relação à das sociedades anônimas; conflito com a garantia constitucional à privacidade/sigilo financeiro; ausência de previsão legal expressa e preservação no âmbito concorrencial.
Para Fabio Ulhoa Coelho a lei queda silente acerca da extensão às sociedades de grande porte da obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras, inexistindo preceito legal sujeitando sociedades anônimas fechadas e limitadas à obrigatoriedade de publicação.[iii]
No mesmo sentido Erasmo Valladão e Marcelo Adamek, entendem que embora as sociedades de grande porte estejam obrigadas a proceder a escrituração e a elaboração de suas demonstrações financeiras, de acordo com a LSA não há previsão legal de sua obrigatória publicação.[iv]
Em que pese a fundamentação doutrinária, insta ressaltar tamanha insegurança jurídica no âmbito nacional, pois, pelas notícias que se tem, apenas as Juntas Comerciais de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rondônia exigem a publicação, sendo que esta última não tem posicionamento formal a esse respeito.
As demais Juntas Comerciais, de Santa Catarina, Roraima, Rio Grande do Sul, Piauí, Pará, Mato Grosso do Sul, Bahia, Amazonas e Amapá não exigem a publicação, mas também não há um posicionamento formal a esse respeito.
Desta feita, resta concluir que as sociedades de grande porte, quaisquer que sejam, devem observar o estabelecido na LSA no que tange à escrituração e elaboração das suas demonstrações financeiras.
De outro norte, insta salientar que a necessidade de publicação das demonstrações financeiras encontra-se disposta no art. 176, §1º da LSA, o qual, por seu turno, trata das disposições gerais (elaboração) das demonstrações.
Ao atribuir uma mesma forma para a elaboração e escrituração das demonstrações financeiras, o legislador buscou harmonizar as informações contábeis, facilitando eventual abertura do capital, a exemplo.
Frise-se, ademais, que não existem sanções pecuniárias para o descumprimento de exigência de publicação das demonstrações financeiras ou para o cumprimento fora do prazo. Entretanto, podem ocorrer sanções de ordem prática, como é o caso da hipótese de comprovação perante instituições financeiras ou em processos licitatórios.
De qualquer forma, caberá ao administrador, diante da necessidade da sociedade, o cumprimento da lei ou das regras de compliance, a verificação de consequências do ato.
Ao final, conclui-se que a exigência decorre de uma interpretação extensiva da lei, podendo-se inclinar pela norma positiva e pelo consequente cenário da obrigatoriedade da publicação, pois consta no título das disposições gerais, ou, pela natureza jurídica do tipo societário, realizar uma interpretação restritiva.
Os argumentos que refutam eventual deliberação da Junta Comercial estão assentados na doutrina e na jurisprudência de forma que evidenciam a abusividade do ato. Compulsando-se o escopo do legislador em harmonizar a comunicação, garantindo-se segurança e comunicabilidade entre investidores estrangeiros, denota-se árdua tarefa, em razão das diferenças culturais, legislativas e comerciais-contratuais, mas até o momento bem sucedida. Essas iniciativas de aproximação e facilitação, em tempos de tamanho dinamismo relacional, só tendem a contribuir para os avanços comerciais.
Notas e Referências
[i] FERNANDES, Edison Carlos e RIDOLFO NETO, Arthur. Contabilidade Aplicada ao Direito. Saraiva, 2017, p. 55-61.
[ii]“Art. 1º. As sociedades empresárias e cooperativas consideradas de grande porte, nos termos da Lei nº 11.638/2007, deverão publicar o Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado.
Art. 2º. Será dispensada a apresentação da publicação acima indicada nos casos em que a sociedade requerer o arquivamento da ata de aprovação do Balanço Anual e das Demonstrações Financeiras, acompanhada de “declaração” de que não se trata de sociedade de grande porte nos termos da Lei n 11.638/2007, firmada pelo Administrador, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado. [...]”.
[iii] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 16 ed. Saraiva: São Paulo, vol. 2, 2012, p. 53.
[iv] VALLADÃO, Erasmo, ADAMEK, Marcelo. (Sociedades de Grande Porte (Lei nº 11.638/2007, art. 3º). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S.A. Inovações da Lei 11.638. Editora Quartier Latin, São Paulo, 2008, p. 85.
Comissão de Valores Imobiliários – CVM. [http://www.cvm.gov.br/]. Acessado em 02 de outubro de 2018.
International Financial Reporting Standards [https://www.ifrs.org/about-us/]. Acessado em 02 de outubro de 2018.
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