A Psicanálise, o possível do Direito – Por Léo Rosa de Andrade

06/07/2016

Há uma parte de mim que não sei? que não determino? Escolhas minhas acontecem em mim e por mim à parte de minha vontade? Essa parte de mim que não controlo, ela me controla? Se sim, então não me tenho sob meu controle.

Inconsciente: conforme a teoria psicanalítica (Freud), todos nós temos conteúdos recalcados (excluídos da vida consciente) que são ativos, dinâmicos, e que contribuem para determinar a vida consciente. Até que ponto vai essa “contribuição”?

Chegaria a ser determinação? Se for determinação, sou “inocente” de meus atos. Então, como ficaria a incidência da norma punitiva sobre atos que pratico em decorrência de comandos da parte incontrolada do meu aparelho psíquico?

O Direito pune o ato ilícito praticado com discernimento e vontade. Na relação com o mundo, a nossa mente é sensibilizada (afeto), conhece o que ocorre (cognição), então exerce vontade sobre a ocorrência (volição).

Tendo eu praticado um ato ilícito compelido por maquinações inconscientes, devo ser punido? Essa questão estabelece o ponto de contato mais importante entre Direito e Psicanálise. A lei alcança o inconsciente? O interdito legal o afeta?

Para os existencialistas (Sartre), não existe esse outro por trás de mim. Se houvesse, afirmam, não faríamos censura em nós mesmos, pois não seria possível censurar algo sem que houvesse, primeiramente, consciência do objeto da censura.

A censura, existencialmente falando, há que ser intencional. Seja: eu só censuraria o que sei que quero censurar. Então, se há um inconsciente que não sei, eu não poderia censurar o que dessa dimensão de mim me viesse.

O existencialista argumenta que admitir o inconsciente é agir em “má-fé”. Seria como aceitar a possibilidade de uma mentira sem mentiroso. Agir por deliberação de uma dimensão inconsciente seria alguém subtrair-se de si mesmo.

Creio que Freud não afirma que o inconsciente ou mesmo o consciente coincida com o a figura topológica do Ego, ou Eu. De outro modo: o inconsciente está presente nas operações psíquicas, mas não é o determinante da atitude.

A psicanálise, simplificando, considera que temos três dimensões psíquicas: Id, Superego, Ego. O Id é o que mantemos de primitivo, de bestial. São nossos instintos (convertidos em pulsões pela civilização introjetada).

O humano, porém, já não é mais essa fera, ainda que contenha ferocidade. Nosso primitivo em tudo já é intermediado pela civilização. É que a humanidade é tão biologia quanto cultura. Somos um animal cultural.

Pensava-se que o primata evoluiu e, com o cérebro “pronto”, produziu cultura, humanizando-se. A moderna antropologia ensina que antes de o humano alcançar o atual estado já produzia cultura e era produzido por ela.

A cultura é a “matéria” do Superego. Superego não é só repressão, mas toda a condição civilizatória em que nos inserimos. Eu diria que o que me constitui o Superego são as regras do jogo social que me alcançam.

Então, desse Id já sem instinto, mas com pulsão, e desse Superego que é a civilização resulta o Eu, o Ego. Se o Ego fosse apenas uma síntese, nós não teríamos qualquer vontade sobre nós mesmos. Sobraríamos um simples resultado.

O Ego é uma instância com função gerencial. Tenho minhas vontades, meus ímpetos, mas tenho possibilidade e realizo contas sobre meus anseios e meus riscos. Ao fim das coisas, eu faço o que quero mesmo fazer.

Anteriores às condições psíquicas, vejo ideologias circulantes, que nos constituem como seres em relação a modos de pensar, e circunstâncias materiais do mundo, que me determinam a vida concreta.

Sobre possibilidade de determinação, de escolha, de julgamento dos nossos atos por nós mesmos, temos bastante arbítrio, então, o Direito (não o punitivismo, como querem alguns) é válido como garantia possível de convivência.

Garantia possível, pois não se pode pedir que a regra interfira no inconsciente. Se o fizesse seria invasiva. A regra é para a nossa superfície, para o que expomos, para esse pouco de nós a que o mundo tem acesso.

O Direito, pois, não basta para organizar a vida. Coisas superficiais não alcançam o inconsciente, não recompõem o ideológico, não propiciam meios materiais. Temos que nos pensar socialmente além do que aceitamos fazê-lo.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Freud - Exploring the unconscious mind // Foto de: Enrico // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/onefromrome/228705707

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura