A PROMOÇÃO DE DILIGÊNCIAS NAS LICITAÇÕES

08/02/2019

 

INTRODUÇÃO

O tema em tela trata de diligências nas licitações públicas, com a previsão no art. 43, § 3° da Lei 8.666/93.

Diante da atividade complexa e com o fim voltado ao interesse público, foi feliz o legislador ao prever na Constituição da República de 1988 a obrigatoriedade de licitação para contratação de bens e serviços.

Insta destacar que a licitação é um procedimento administrativo onde os entes da Administração estão vinculados, cujo objetivo é selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, concernente ao preço do produto ou serviço ofertado pelos interessados.

 Para que a licitação tenha um desenvolvimento válido, deverá obedecer aos princípios constantes no art. 3° da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Feitas essas considerações, adentrando ao tema proposto, cabe consignar que o legislador inseriu no art. 43, § 3° da Lei 8.666/93 a hipótese da Administração, através da Comissão de Licitação ou Autoridade Superior, realizar diligências no curso do procedimento licitatório, seja para realizar inspeção in loco, seja para proceder com a juntada ou para constatar a validade de documentos. Seu alcance compreende desde inquirições, vistorias, exames pertinentes a questões sobre as quais pairem eventuais dúvidas, podendo até realizar a juntada de documentos destinados à complementação da instrução do certame.

Trata-se de tema complexo, sendo que muitos militantes da área apresentam resistência quanto à sua adoção. Porém, quando não viola os princípios que regem o certame ele deve ser adotado, pois permite que a competição licitatória cumpra seus objetivos e atenda melhor a finalidade para a qual foi instituída.

Em seguida veremos minuciosamente a importância da realização da diligência, bem como seu alcance, até que momento e quando devemos lançar mão do instituto das diligências. Com a adoção do referido instituto podemos flexibilizar a rigidez das normas editalícias, que servem apenas para procrastinar a consumação da aquisição de materiais ou contratação de serviços. A adoção deste mecanismo visa flexibilizar as normas existentes e adequá-las ao caso concreto, sem infringi-las.

Veremos que vícios formais podem ser sanados pela Comissão de Licitação, até porque meras irregularidades não têm o condão de causar prejuízos para os licitantes, bem como para a Administração.

 

A PROMOÇÃO DE DILIGÊNCIAS NAS LICITAÇÕES

O procedimento da licitação é o conjunto de atos que tem como objetivo a seleção da proposta mais vantajosa e melhor produto ou serviço, esse é seu fim primordial. O art. 43 da Lei em estudo versa sobre o roteiro básico a ser seguido no transcorrer do procedimento licitatório, no que se refere, sobretudo, aos atos que a Administração deve obedecer ao dar andamento no Processo Licitatório, o que inclui o recebimento de julgamento das propostas.

Esse conjunto de atos administrativos e de atos praticados aos licitantes há de ser praticada de forma adequada, devendo observar os princípios que regem o procedimento licitatório.

O art. 43 versa sobre matéria predominantemente procedimental, daí que as leis estaduais, municipais e regulamentos internos de entidades da Administração direta e indireta, poderão dispor sobre a regulamentação das normas, desde que observado o padrão mínimo estabelecido pela norma geral federal.

No transcorrer do presente artigo, estudaremos especificamente sobre o § 3° do referido artigo, que prevê sobre a realização de diligências nas licitações pela Comissão ou Autoridade Superior, instituto este que deverá ser adotado sempre que necessário for esclarecer ou complementar a instrução do certame.

A norma em questão trata da hipótese como faculdade, entretanto, recomendar-se-ia à Administração, quando necessário, promover diligência para esclarecer ou complementar algum documento.

 

A FACE PROCESSUAL DA LICITAÇÃO

A licitação é um procedimento administrativo de caráter competitivo, que se inicia pelo ato convocatório dos possíveis competidores. Por ser um processo competição será assegurado a todos os participantes o direito de concorrer em pé de igualdade, consoante as disposições contidas na Constituição da República, bem como na Lei de Regência.

Apesar de ser um processo competição de caráter administrativo, poderá também se tornar um processo controvérsia, facultado ao licitante ingressar nas vias judiciais para que o Poder Judiciário manifeste quanto à controvérsia que porventura venha a surgir no curso do processo licitatório. No entanto, poderá surgir litígio no âmbito administrativo, que será solucionado pela Autoridade Superior.

Contudo, ainda, na esfera administrativa, poderá o processo passar de “processo-competição a processo-controvérsia”, devendo ambos obedecer aos princípios da legalidade, da igualdade, do julgamento objetivo, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dentre outros princípios correlatos à licitação.

 Admitindo a licitação como processo competição ou controvérsia ou ambos, ou simplesmente um procedimento administrativo, o descumprimento pela Comissão ou Autoridade Superior de qualquer norma ou regulamento, autoriza o licitante a recorrer na via judicial ou administrativa.

Cumpre-nos alertar que o processo licitatório, como todo e qualquer processo administrativo, deve tramitar em estrita consonância com o princípio do devido processo legal, ainda que a Lei 8.666/93 não o tenha dito expressamente.

Observe-se que o legislador cuidou de afastar eventuais manobras engendradas pelos licitantes e administradores ao prever um procedimento estritamente formal, pois do contrário as manobras seriam frequentes.

Esse não é nosso entendimento, pois mesmo que o certame não seja extremamente formal, conseguirá alcançar seu objetivo, que é a busca da melhor proposta, sem causar prejuízos aos licitantes ou à Administração.

 

A PROMOÇÃO DE DILIGÊNCIAS NAS LICITAÇÕES

O instituto das diligências está prevista expressamente no artigo 43, § 3° da Lei 8.666/93, que estudaremos minuciosamente.

Buscando o significado da palavra diligência no dicionário da língua portuguesa, chegamos à conclusão de que a diligência seria uma forma de investigação, pesquisa, uma verdadeira busca da realidade dos fatos.

A diligência nas licitações não poderia deixar de ser diferente. O legislador pátrio ao prever o instituto das diligências nas licitações, no artigo 43 § 3° da Lei 8.666/93, visou assegurar a Comissão Permanente de Licitação ou pregoeiro o direito de diligenciar para esclarecer determinado fato.

A autorização legislativa para realização de “diligências” acaba despertando dúvida. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que não existe uma competência discricionária para escolher entre realizar ou não a diligência. Se os documentos apresentados pelo particular ou as informações neles contidas envolverem pontos obscuros, apurados de ofício pela Comissão ou por provocação de interessados, a realização de diligências será obrigatória, ou seja, não é possível decidir a questão (seja para desclassificar o licitante, seja para reputar superada a questão) mediante uma escolha de mera vontade, haja vista que no nosso entender a promoção da diligência é ato vinculado. Destarte, caso o conteúdo de determinado documento seja duvidoso, a promoção da diligência visando elucidar a suspeita passa a ser obrigatória.

A expressão “diligência” abrange providências de diversa natureza. A Comissão de Licitação ou Autoridade Superior poderá/deverá promover vistorias, para comprovar In loco o estado das instalações, maquinários etc., delas participando todos ou apenas alguns de seus membros. As providências e diligências adotadas pela Comissão deverão ser documentadas por escrito. Se delas não participarem todos os integrantes da Comissão, mais minuciosas deverão ser as anotações e os informes[1].

 Insta destacar que tanto o Decreto-lei nº. 2.300 (art. 35) quanto a Lei nº. 8.666/93 (art. 43) reservaram apenas um parágrafo, sendo que os intérpretes de ambos os diplomas, o anterior e o atual, geralmente limitam-se a transcrever, sublinhando que:

a) a diligência destina-se a esclarecer ou a complementar a instrução do processo;

b) a Comissão ou Autoridade Superior poderá promovê-la em qualquer fase da licitação;

c) documento algum ou informação que deveria originariamente constar do processo poderá incluir-se ou considerar-se.

Essa visão simplificada do instituto, à qual se “soma o culto da forma pela forma, ou, em outras palavras, o formalismo exacerbado”, como se o certame licitatório fosse apenas regido pelos princípios do procedimento formal e da estrita vinculação ao instrumento convocatório, é responsável pelo receio, ainda existente, de diligenciar-se e pela série de equívocos que a prática cristalizou.

A Administração licitante deverá adotar a diligência com a finalidade elucidar questões surgidas, seja na fase de apreciação dos documentos de habilitação, seja na fase de julgamento das propostas. Ademais, a diligência tanto pode ser realizada de ofício, quanto por provocação de terceiro interessado. A lei só faz a ressalva que deverá ser feita quando surgir alguma dúvida, podendo ser requerida pelos interessados ou feita de ofício pela Administração.

Seu alcance é tão abrangente que compreende desde inquirições, vistorias, exames pertinentes a questões sobre as quais pairem dúvidas, podendo até mesmo realizar a juntada de documentos destinados à complementação da instrução do certame. Insta destacar que a promoção da diligência dever ser feita de forma objetiva, objetivando eliminar eventuais controvérsias, ou melhor, instruir a licitação, podendo constituir-se até em trabalho investigatório.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal ao julgar o Mandado de Segurança n° 5.418/DF entendeu ser possível a juntada de documento meramente exemplificativo, senão vejamos:

No procedimento, é juridicamente possível a juntada de documento meramente explicativo e complementar de outro preexistente ou para efeito de produzir contra-prova e demonstração do equívoco do que foi decidido pela Administração, sem a quebra de princípios legais ou constitucionais.[2]

Esse tipo de documento pode ser aceito, pois sua finalidade é complementar a outro já existente no processo judicial ou licitatório, o que é vedado é a juntada de documento exigido no edital, mas sua complementação sempre será aceita.

A princípio, a competência para diligenciar tanto é da Comissão de Licitação, como da Autoridade Superior ou de qualquer outra autoridade que tiver que se manifestar acerca de questões atinentes à disputa. Em caso de negativa da Comissão em realizar diligência, caberá representação do interessado, à Autoridade Superior, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados da ciência da decisão que denegou o pedido, podendo atribuir-se efeito suspensivo à representação, se houver risco de ameaça ao licitante, tal como o prevê o § 2º, do art. 109, da Lei nº. 8.666/93.

Entendemos que a promoção da diligência não se trata de mera faculdade da Administração, mas de um dever-poder, ou seja, presentes os requisitos deve a Administração lançar mão da diligência.

Sendo assim, quando a Administração Pública vir a necessidade de apurar determinado ato, poderá lançar mão do direito de diligenciar, que deverá ser feito pela Comissão de Licitação ou Autoridade Superior, visando flexibilizar a rigidez das normas regulamentares e editalícias que, não raro, procrastinam a contratação de bens e serviços. É essa rigidez formal que muitas vezes impede o atendimento ao objetivo almejado que é selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração graças à maior competitividade entre os interessados – “a vantajosidade de que falou o Professor MARÇAL JUSTEN FILHO[3]

A seleção da proposta mais vantajosa para a Administração supõe a observância de regras pré-estabelecidas, sendo, por óbvio, vedada a introdução extemporânea de novos critérios que poderiam favorecer a alguns em prejuízo de outros, sob pena de atentar contra o princípio da isonomia que integra o tripé sobre o qual as licitações assentam: legalidade, igualdade e vantajosidade. De resto, o próprio princípio da igualdade, que boa parte da doutrina considera a espinha dorsal do certame, pode, no entanto, exigir desigualdade de tratamento, sempre por motivo de situações diversas, se um tratamento igual levar a resultados desiguais.

Ademais, embora o princípio do procedimento formal domine efetivamente toda licitação, submetendo os que a realizam e os que licitam aos mesmos preceitos, isso não significa que se deva inabilitar licitante ou desclassificar propostas diante de simples omissões ou de irregularidades irrelevantes que não afetem o conteúdo propriamente dito da proposta.

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório não deve ser absoluto, de modo a impedir uma interpretação razoável que busque afastar as cláusulas desnecessárias e inúteis, cujo excessivo rigor somente serve para prejudicar a Administração licitante ou eventuais concorrentes, ou transformar o próprio edital em um conjunto de regras prejudiciais e desnecessárias aos fins almejados pela licitação, que é a busca da melhor proposta, do melhor produto ou serviço.

Daí porque o formalismo estéril deve ser afastado para não priorizar os ritos, as cerimônias e os aspectos puramente externos, não podendo o formalismo sobrepor aos objetivos originalmente buscados, que é o de ensejar a maior competitividade ou concorrência entre os interessados, ou seja, trazer maior número de pessoas para concorrer ao certame; ainda mais durante a primeira fase do certame, ou seja, durante a fase de habilitação dos proponentes. Aliás, a finalidade do certame é propiciar à Administração a escolha da melhor e mais vantajosa das propostas, no universo do maior número possível de ofertantes.

É preciso, então, conciliar o respeito às regras previamente estabelecidas, devendo ser afastadas as exigências demasiadas e rigorismos incompatíveis com a boa exegese das normas que regem o certame. Um dos meios e modos pelos quais essa conciliação pode ser feita é a realização de diligência, cujo objetivo, diga-se mais uma vez, é eliminar dúvidas, possibilitando um julgamento correto, baseado em fatos e dados reais.

Com certeza, a diligência não é a solução que atenda todas as dificuldades e problemas que o certame apresente ou possa apresentar, que diga de passagem, costumam ser muitos. No entanto, com a adoção do instituto da diligência muitos problemas podem ser solucionados.

Ainda que a lei lastimavelmente não os explicite, alguns cuidados são indispensáveis quando da realização de diligências. O primeiro deles é documentá-las por escrito, sendo prudente lavrar de tudo ata circunstanciada, fazendo-se assinar por todos os interessados. E mais: sempre que a diligência ocorrer, deverá ser prévia e obrigatoriamente comunicada a todos os licitantes, indicando-se dia, hora e local de sua realização, em homenagem aos princípios da igualdade e da transparência, e aos demais princípios correlatos. Além disso, a decisão quanto ao diligenciamento terá de ser amplamente justificada, com a indicação das razões nas quais se fundamentou. Fundamentação a ser feita em homenagem ao princípio da motivação, além de vinculada ao edital, considerando-se inválida a que, injustificadamente, afastar conclusões fundadas sobre critérios técnico-científicos.

Destaque-se que, quando a diligência objetivar a análise dos documentos, dados e informações que integram o processo, ela não deve se limitar ao aspecto formal, ao atendimento dos requisitos fixados no instrumento convocatório, à sua validade, devendo também ser verificada a respectiva autenticidade. A Comissão de Licitação poderá recorrer ao auxílio de técnicos que dela não façam parte, especialmente quando investigar a autenticidade de certos documentos considerados suspeitos, como, por exemplo, Certidões Negativas de Débitos (CNDs) falsas.

 De modo geral, se e quando os integrantes da Comissão de Licitação ou a Autoridade Superior não dispuserem dos conhecimentos técnicos necessários para apreciação dos documentos, poderão, sempre, valer-se do concurso de terceiros, integrantes ou não da Administração, aos quais caberá, tão somente, fornecer os laudos ou pareceres. Esse é entendimento de EDMUR FERREIRA DE FARIA.

É facultada à Comissão solicitar a colaboração de órgãos ou profissionais técnicos, para o exame de matéria que não seja de seu domínio. Esses terceiros solicitados não têm o poder de julgar, mas de elaborar laudos, perícias ou pareceres técnicos, que podem ser adotados ou não pela Comissão no momento de julgar.[4]

Ademais, quando a Comissão de Licitação vier a tomar outras providências, tais como promover vistorias para comprovar in loco o estado de instalações, maquinários, equipamentos etc., é natural que se sirva da opinião dos técnicos e especialistas que eventualmente a acompanhem.

Em hipóteses como essas participariam das vistorias todos ou apenas alguns dos membros da Comissão de Licitação, sendo que, nesses casos, mais minuciosas deverão ser as anotações e as informações para conhecimento dos que não estiveram presentes à diligência e dos demais interessados. Por outro lado, quando a diligência objetivar o saneamento de falhas (ou o suprimento de omissões) este deverá ser feito de modo a não ferir o princípio da igualdade, podendo ser admitido, mesmo que o interessado não requeira, quando:

as falhas versarem sobre falhas formais ou simples omissões dos licitantes, isto é, quando o vício não afetar ou disser respeito ao conteúdo propriamente dito do documento ou da proposta, e não macular a própria essência do ato praticado ou da manifestação realizada;

a falha ou a irregularidade a suprir decorrer de razoável incompreensão do edital pelo licitante, ou pela própria Comissão de Licitação ou Autoridade Superior;

visar à eliminação de dúvidas quanto ao conteúdo de declarações fornecidas por terceiros, mediante certidões, atestados, ou peças equivalentes, hipóteses em que a Comissão ou ainda a Autoridade Superior poderá solicitar esclarecimentos ou, mesmo, a comprovação do que neles se alegou;

o defeito ou a falha formal for de natureza muito leve a diligência nem mesmo precisará ser realizada, como, por exemplo, em caso de ausência de rubricas em todas as folhas da proposta devidamente assinada, ou de indicação do número do C.P.F./C.N.P.J. em campo diverso daquele determinado na proposta-padrão;

erros de data, inversão de colunas, número de vias, imperfeição de linguagem, forma das cópias (xerox em lugar da certidão; cópia ilegível ou borrada, etc.), falta de rubrica e outros lapsos dessa natureza não devem ensejar a rejeição da proposta, sendo, de pronto, relevados; erros de cálculo aritmético (soma, multiplicação, etc.) em propostas, são passíveis de correção, devendo a Administração, em casos tais, confirmar os valores junto aos demais licitantes, para que estes se vinculem a eles;

o edital exigir a apresentação da tradução para o vernáculo de documento redigido em língua estrangeira deve-se permitir sua juntada posterior, porque embora a tradução seja instrumentada em certidão fornecida pelo tradutor oficial, ela, em si mesma, é apenas o complemento de eficácia do documento oportunamente oferecido pelo proponente em idioma estrangeiro, o que não altera, acrescenta ou inova o conteúdo do documento;

erros materiais quando cometidos pela própria Administração, durante o procedimento licitatório, também podem ser por ela reconhecidos, mediante diligência, haja vista o dever que lhe incumbe de rever seus próprios atos, a qualquer tempo, e de corrigi-los”.

A questão mais tormentosa é a possibilidade da recepção intempestiva de documentos ou de informações pela Comissão, sem que tal ato viole direito dos demais licitantes. É admissível a juntada de documento meramente explicativo e complementar de outro preexistente, ou se relativo a fato superveniente à entrega da proposta, ou ainda para efeito de produzir contraprova ou de demonstrar o equívoco do que foi decidido pela Administração. Isso é o que se denomina "documento novo". Sustentamos ser admissível a juntada desse "documento novo", desde que se vise com ele, exclusivamente, complementar o processo licitatório, sanar a falta ou aperfeiçoar declaração lacunosa, sem inová-la, no entanto, ou ainda quando o licitante demonstrar que não lhe era possível dispor dos documentos, à época em que deveria tê-los entregue.

Entendemos, também, que informação complementar, desde que tenha por finalidade confirmar ou esclarecer determinado dado constante em outro documento apresentado oportunamente, também poderá ser aceita e incluída nos autos do processo licitatório.

Nesse sentido leciona JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR.

A Comissão ou autoridade está proibida de deferir ou ordenar a diligência se esta tiver por objeto a inclusão de documento ou informação que deveria haver acompanhado a proposta (também a documentação). A vedação guarda simetria com os arts. 396 e 397 do Código de Processo Civil, dos quais resulta que a petição inicial deve ir instruída com os documentos destinados a provar as alegações do autor, sendo-lhe vedado trazê-los posteriormente, a menos que comprove que deles não dispunha ou se referirem a fatos ocorridos depois dos articulados na peça vestibular[5].

Uma leitura atenta ao disposto no § 3º do art. 43 da Lei nº. 8.666/93 confirma a possibilidade da complementação da proposta, desde que não se altere a proposta apresentada oportunamente. Esta, ao menos no atual estágio de nosso direito, deve permanecer intocada.

De qualquer modo, quando a Comissão de Licitação, Pregoeiro ou Autoridade Superior permitir ou determinar a juntada de documento, seja ele qual for, deverá comunicar o fato aos demais, assinando-lhes prazo para que, querendo, apresentem eventual inconformismo.

Portanto, tudo quanto aduzimos acerca do instituto das diligências poderá ser feito, desde que não haja quebra dos princípios que norteiam o certame, permitindo-se que a competição licitatória cumpra os seus objetivos e atenda à finalidade para a qual o legislador a instituiu, até porque o objetivo fundamental da promoção da diligência é sanar dúvida/obscuridade, que surja no curso do processo licitatório.

 

A REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS IN LOCO

A comissão de Licitação ou Autoridade Superior poderá lançar mão de diligências para comprovar in loco o estado das instalações e maquinários dos possíveis contratados pela Administração.

As providências e diligências adotadas pela Comissão ou Autoridade Superior, conforme dito anteriormente, deverão ser documentadas por escrito, dando ciência aos interessados da data e horário do ato a ser praticado, oportunizando aos licitantes e demais interessados em acompanhá-la e questionar a forma de sua realização, caso queiram. Não estando presentes todos os interessados no momento da realização da diligência, mais minuciosas deverão ser as anotações e as informações acerca da vistoria.

A diligência como regra deverá ser feita pela Comissão ou Autoridade Superior, entretanto, é facultada sua realização por terceiros, integrantes ou não da Administração. Contudo, não será delegada aos terceiros a competência decisória, cabendo à Comissão ou Autoridade Superior e tão somente a esses o poder de decisão. A Comissão não está adstrita às conclusões ou pareceres técnicos, podendo discordar do entendimento fornecido pelo terceiro, porém, tal decisão deverá ser fundamentada. Portanto, eventual discordância pela Comissão em relação às informações fornecidas pelo terceiro deverá ter embasamento legal, caso contrário tal decisão estará eivada de vício, podendo ser invalidada pela Administração ou pelo Judiciário.

Ao realizar a vistoria, a Comissão pode concluir se os possíveis contratados terão condições de cumprir o previsto no edital, dessa forma a Administração não corre o risco de firmar contrato com empresas fantasmas ou com empresas que não têm condições de executar o contrato a ser firmado por não possuírem estrutura física para entregar o material ou executar o serviço nas conformidades do exigido no edital.

Portanto, a realização da inspeção in loco deverá ser feita sempre que o Pregoeiro, Comissão de Licitação ou Autoridade Superior perceber alguma dúvida quanto a existência da empresa ou quanto à estrutura para cumprir o contrato a ser firmado com o ente público. Quando a administração lança mão de fazer diligência in loco, ela afasta os possíveis licitantes que tinham o intuito de causar prejuízo à Administração. O que vemos no dia a dia são empresas vencerem licitações e, entretanto, os contratos celebrados não são executados, pois tais empresas tinham apenas interesse escuso, qual seja, dar prejuízo ao poder público. Diante desses acontecimentos, o legislador foi sábio ao instituir a previsão da inspeção in loco, cujo objetivo, como disse anteriormente, é afastar os possíveis fraudadores.

 

O Alcance do Instituto das Diligências

Quando falamos em licitações e contratações administrativas um dos maiores problemas que desafiam argumentação dos estudiosos, em geral, é a possibilidade de realizar-se diligência e o seu respectivo alcance, e até que momento deverá ser feita diligência.

São cada vez mais frequentes os recursos interpostos cujo objetivo é a reintegração no processo licitatório ou, ao contrário, afastar, participantes cuja documentação apresente falhas meramente formais.

O Processo Licitatório não deve ter como meta a prevalência do formalismo inútil, mas sim, sempre que possível, flexibilizar as normas com o intuito de trazer maior número de participantes para o certame e, com isso, ampliar a concorrência.

Embora o princípio do procedimento formal domine efetivamente todo processo licitatório, submetendo os que a realizam e os que licitam aos mesmos preceitos, não significa que se deva inabilitar licitante ou desclassificar propostas diante de simples omissões ou de irregularidades irrelevantes, que não afetem o conteúdo da proposta ou da documentação.

A verdade é que, embora prevista pelo legislador pátrio, a faculdade da realização de diligências pela Comissão de Licitação, Pregoeiro ou Autoridade Superior, em qualquer fase do certame, muito pouco se avançou neste sentido e, não raro, prevalece o formalismo estéril.

O que fazer? E como fazer? Estas e outras perguntas pairam durante a realização dos Processos Licitatórios.

Para compreender e responder as indagações que nos atormentam, procuramos de início, compatibilizar os princípios da isonomia e do procedimento formal, princípios esses basilares do Processo Licitatório, com o afastamento de exigências demasiadas e rigorismos inúteis, com a boa hermenêutica, visando obter para a Administração a melhor proposta e o melhor produto ou serviço, favorecendo maior número de participantes.

Segundo o saudoso HELY LOPES MEIRELLES:

O princípio do procedimento formal não significa que a Administração deva ser formalista a ponto de fazer exigências inúteis ou desnecessárias na licitação, como também não quer dizer que se deva anular o processo ou o julgamento, ou inabilitar licitantes, diante de simples omissões ou irregularidades na documentação ou na proposta, desde que tais omissões sejam irrelevantes ou não causem prejuízos à Administração ou participantes do certame[6].es sejam irrelevantes ou ne tais omisscipantes o julgamento, ou inabilitar licitantes, diante de simples omss-se, para a Admini 

A vedação da juntada posterior de documento que deveria ter vindo com as propostas tem funcionado como barreira inibitória de iniciativas mais amplas e mais ousadas, este é o entendimento, na quase totalidade dos casos, das Comissões de Licitação, Pregoeiro e Autoridade Superior.

Na verdade, as Comissões, Pregoeiro e Autoridade Superior estão de mãos atadas pela estrita obediência aos princípios do procedimento formal e da vinculação ao instrumento convocatório, ao apreciarem e julgarem as propostas, quando, bem ao contrário, deverão/poderão realizar diligências, se e quando estas se mostrarem necessárias, sem que tais princípios sejam desrespeitados. As Comissões, Pregoeiro e Autoridade Superior não podem ficar adstritas ao formalismo exacerbado, devendo lançar mão de uma boa interpretação para flexibilizar as normas. 

Até o momento, tem sido mais ou menos consensual que a diligência se proceda para sanar pequenas falhas ou omissões, esclarecer dúvidas, corrigir erros materiais, ainda assim, com enorme resistência quanto a estes.

Para a maioria dos doutrinadores, a eventual complementação da instrução do Processo Licitatório, por exemplo, pela entrega ou obtenção de documento posteriormente à proposta, permanece vedada. Vedação essa que quase se converteu em dogma.

Contudo, em momento algum, o legislador falou em proibir a juntada de documento novo, apenas veda a inclusão posterior de documento que deveria constar no momento da abertura dos invólucros, entretanto, a juntada de documento para fins de complementação é perfeitamente possível. Esse é entendimento de Ivo de Oliveira Ferreira:

(...) documento novo, no processo licitatório, a nosso ver, será apenas aquele destinado a fazer prova de fato ocorrido após a apresentação da proposta, pelo licitante, ou seja, relativo a fato novo, isto é, fato posterior ou superveniente à entrega da documentação ou da proposta. Ou o que prestar à contraprova de fato ocorrido supervenientemente à proposta. Ou, então, aquele destinado a complementar a instrução do processo – apenas nessas três hipóteses[7].

Feitas essas considerações, conclui-se que qualquer tipo de diligência destina-se a permitir a juntada de documento novo, a sanar falhas formais, a integrar as lacunas, ou complementar a instrução do processo.

 

A Importância do instituto das Diligências nas Licitações

Deve-se relacionar a diligência com a finalidade e objetivos das licitações e contratações administrativas, e visualizá-la sob a ótica dos princípios que norteiam o processo licitatório. E ver-se-á quão importante é, sobretudo quando se destina a moralizar a face processual dos certames, permitindo elucidar questões surgidas, seja na fase de apreciação dos documentos de habilitação, seja na fase de julgamento das propostas.

A diligência deve ser realizada desde que surjam dúvidas, compreendendo as inquirições, vistorias, exames pertinentes e questões sobre as quais pairem controvérsias, bem como a juntada de documentos destinados à complementação de documentos juntados oportunamente, tendo como meta garantir maior número de licitantes para participar do Processo Licitatório.

Neste contexto, é essencial julgar com objetividade e razoabilidade as decisões administrativas, mediante avaliação adequada quanto à conformidade das propostas e o cumprimento das exigências necessárias/essenciais, desprezando excessos de formalismos em prol do objetivo maior, que é a ampla e justa competição.

O papel primordial das diligências é permitir que a comissão, pregoeiro ou autoridade julgue corretamente o certame, “fazendo com que a rigidez formal, as exigências demasiadas e os rigorismos inúteis, com a boa exegese do estatuto licitatório sejam postos à margem”[8] sendo substituídas pela flexibilização da norma em função do objetivo buscado que é a maior participação possível de licitantes.

As diligências na licitação são válidas, pois busca a flexibilidade das normas impostas, dando oportunidade a mais pessoas participarem do certame, portanto, a licitação não tem como fim o procedimento formal, mas sim o menor preço a melhor técnica ou o melhor produto.

O instituto das diligências tornou simplificado, a qual se soma o culto da forma pela forma, ou, em outras palavras, o formalismo exacerbado, como se o certame fosse apenas dirigido pelos princípios do procedimento formal e da estrita vinculação ao instrumento convocatório, é responsável pelo receio, ainda existente, de diligênciar-se e pela série de equívoco que a prática cristalizou[9].

Por isso buscamos a flexibilização das normas no procedimento licitatório e que o instituto da diligência seja utilizado com mais frequência, fazendo com que maior número de licitantes participe do processo licitatório. Adotando este entendimento, a Administração conseguirá adquirir bens ou serviços de boa qualidade e com menor preço, fazendo com que a Administração economize ao adquirir o objeto, sobrando recursos para investir em obras sociais, com isso, quem sai ganhando é o contribuinte e toda sociedade.

 

O PAPEL DA COMISSÃO, PREGOEIRO E AUTORIDADE SUPERIOR NA PROMOÇÃO DAS DILIGÊNCIAS

A lei, ao dispor no art. 43 § 3° da Lei 8.666/93 acerca da previsão de Diligências nas Licitações, inferiu que é facultado à Comissão ou Autoridade Superior realizá-las.

É facultado à Comissão ou Autoridade Superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documentação ou informação que deveria constar originalmente da proposta[10].

Apesar de a lei referir que é “facultado” a realização de diligências, entendemos que não se trata de um simples poder, mas de um poder/dever, haja vista que toda vez que for necessário diligenciar para esclarecer ou complementar a instrução do processo, deverá ser feito. Portanto, não se trata de ato discricionário, mas sim vinculado, não existindo margem de escolha.

Ao analisar o disposto no § 3° do art. 43, extrai-se que a Comissão ou Autoridade Superior deverá verificar a regularidade formal dos documentos, investigando inclusive sua autenticidade. Existido dúvida acerca do conteúdo de declarações fornecidas por terceiros, a Administração poderá solicitar esclarecimentos sobre as eventuais dúvidas que surjam no curso do certame.

Ademais, pode a Comissão, Pregoeiro ou Autoridade Superior promover vistorias, para comprovar in loco o estado de instalações, maquinários etc., delas participando todos ou apenas alguns de seus membros. Conforme dito anteriormente, deverá ser dada ciência aos interessados acerca do horário e local da realização da diligência, para que os interessados possam acompanhá-la.

Porém, em certos casos, a Comissão ou Autoridade Superior está proibida de deferir ou ordenar a diligências se esta tiver por objeto a inclusão de documentos, informação que deveria ter acompanhado a proposta de preço, bem como a documentação de habilitação. Tal vedação tem simetria com os artigos 396 e 397 do Código de Processo Civil de 1973, dos quais resulta que a petição inicial deve ser instruída com documentos destinados a provar as alegações do autor, sendo-lhe vedado trazê-los posteriormente.

Se os integrantes da Comissão de Licitação não dispuserem dos conhecimentos técnicos necessários para a apreciação de documentos, poderão valer-se do concurso de terceiro, integrantes ou não da administração. “Obviamente, não será delegada a terceiros a competência decisória”[11]. A Comissão, Pregoeiro ou Autoridade Superior não é obrigada a decidir em conformidade com o parecer do terceiro, entretanto, em caso de discordância deverá fundamentar sua decisão.

 

A PROMOÇÃO DE DILIGÊNCIAS OBJETIVANDO FLEXIBILIZAR O FORMALISMO NAS LICITAÇÕES

Para que o certame possa efetivamente aproximar-se dos legítimos objetivos que justificam a sua própria existência, ou, em outras palavras, de sua finalidade pública, qual seja, a obtenção da proposta mais vantajosa, do melhor produto ou serviço, há uma necessidade de “mudança de mentalidade no que se refere ao processo licitatório”. Esse é o entendimento de ADA PELEGRINI GRINOVER[12].

O Processo Licitatório deve desenvolver-se em estrita conformidade com o que dispõe o ordenamento jurídico, em especial as Leis 8.666/93 e 10.520/02. Daí dizer que se trata de um procedimento administrativo estritamente formal, onde cada ato é praticado na forma estrita da lei, não merece nosso apoio, pois a licitação não tem como fim o procedimento rigorosamente formal, mas sim, a busca do menor preço, melhor produto, ou melhor técnica. Diante desse objetivo traçado, devemos buscar a todo custo a flexibilização das normas com o intuito de amoldá-las aos casos concretos para diminuir o excesso de formalismo presente no processo licitatório. 

Temos que ter em mente que o fim da licitação não é exatamente um procedimento licitatório com um formalismo exacerbado, sua meta é a participação de um número maior de licitantes no certame, fazendo com que a Administração adquira bens ou serviços com menor preço.

Segundo Ivo Ferreira de Oliveira, “é preciso conciliar o respeito às regras previamente estabelecidas, e que balizamos atos pelos quais o procedimento licitatório se decompõe, com o afastamento de exigências demasiadas e rigorismos incompatíveis com a boa exegese das normas do certame”. E exatamente um dos meios e modos pelos quais essa conciliação pode ser feita é a realização de diligência, cujo objetivo, diga-se mais uma vez, é eliminar dúvidas, possibilitando um julgamento correto, baseado em fatos e dados reais.

O Processo Licitatório não pode ater-se tão somente ao formalismo, pois sua finalidade primordial é a competição entre os licitantes, que proporciona a aquisição do melhor bem ou serviço pelo menor preço. Portanto, em se tratando de vício formal a administração pode e deve realizar diligência, com o objetivo de fazer vistorias, exames pertinentes a questões sobre as quais pairem controvérsias, como também a juntada de documentos, desde que não cause prejuízo à administração e partes que concorrem ao certame.

Insta destacar que o objetivo do formalismo é a obediência às etapas rígidas e às exigências previamente estabelecidas, sendo que a observância é uma condição para lisura do certame, evitando a criação ad hoc de etapas que beneficiem concorrentes específicos, levando a Administração adquirir bens ou serviços motivado por questões pessoais.

Não estamos aqui defendo o informalismo no processo licitatório, simplesmente defendemos a flexibilização das exigências inúteis para ampliar a concorrência, nada mais. A Administração não pode se dar ao luxo de seguir um formalismo estéril, sofrendo com isso prejuízos, pois o objetivo central da licitação é adquirir bens/serviços pelo menor preço.

Outrossim, a adoção do formalismo inútil, que, diga-se de passagem, não encontra amparo legal, quer na Constituição da República, quer na Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Marçal Justen Filho[13] assim se manifestou quanto à formalidade nas licitações:

"Do ponto de vista formal, deve-se verificar se a proposta atendeu ao modelo devido. Ou seja, examina-se se contém aquilo que é obrigatório e se omitiu aquilo que é permitido, adotando a forma adequada. O exame formal deve ser formulado à luz do principio fundamental de que a norma não é um fim em si mesmo. Mas isso não autoriza ignorar a ofensa a requisitos formais relevantes previstos no ato convocatório. "

Do mesmo modo ensina o mestre Hely Lopes Meirelles:

"Procedimento informal, entretanto, não se confunde com formalismo', que se caracteriza por exigências inúteis e desnecessárias. Por isso mesmo, não se anula o procedimento diante de meras omissões ou irregularidades formais na documentação ou nas propostas, desde que, por sua irrelevância, não causem prejuízo à Administração e aos licitantes. A regra é a dominante nos processos judiciais: não se decreta a nulidade onde não houver dano para qualquer das partes."

Continua o mestre[14]:

"O principio do procedimento formal não significa que a administração deva ser formalista a ponto de fazer exigências inúteis ou desnecessárias à licitação, como também não quer dizer que se deva anular o procedimento ou o julgamento, ou inabilitar clientes,... diante simples omissões ou irregularidades da documentação ou na proposta ..."

O professor e processualista Humberto Theodoro Júnior[15], assevera que se o resultado do suposto ato defeituoso ou atípico foi o mesmo que se esperava ao ato perfeito ou atípico, a atipicidade é irrelevante. Senão vejamos:

"O processo globalmente, e cada ato que o integra, particularmente, revestem-se da tipicidade estatuída em função de sua natureza instrumental. O descumprimento da forma, isto é, da tipicidade do ato processual, contudo, nem sempre afeta sua finalidade instrumental. Daí a necessidade, recomendada por Calmon de Passos, de apurar-se a cada caso se o defeito formal (atipicidade) é relevante ou não relevante. Se o resultado do ato defeituoso ou atípico foi o mesmo que se esperava do ato perfeito ou típico, a atipicidade é irrelevante. Se, ao contrário, o ato defeituoso não gerou o resultado almejado, então a atipicidade é relevante".

Com base nas palavras dos eminentes Doutrinadores, conclui-se que sempre que o ato judicial ou administrativo atingir sua finalidade, deve o mesmo ser declarado válido, sob pena de violação ao princípio da instrumentalidade das formas.

Não obstante, apesar de o processo licitatório ser formal, admite-se a flexibilização através da interpretação das normas legais e editalícias que o norteiam, para satisfazer ao interesse público que o certame visa tutelar, estando observada esta maleabilidade à ausência de violação ao tratamento isonômico a que têm direito os licitantes, e desde que não resulte em prejuízo para a Administração. Convém lembrar que ao aplicar a norma jurídica, deve-se interpretá-la levando em conta a real intenção do legislador.

Sem dúvida o espírito da lei de licitação é dar igualdade aos participantes, trazendo maior número de licitantes, para que ao final a aquisição do bem e/ou contratação do serviço se dê pelo menor preço.

A política de compras governamentais no Brasil, apesar de estar alicerçada em uma legislação pouco flexível, está seguindo a tendência para a flexibilização dos processos, com controle nos resultados e não apenas nos meios. Já está comprovado que o excesso de formalismos não garante a utilização eficiente dos recursos públicos, haja vista que o apego ao formalismo inútil somente servirá para dar prejuízo ao erário.

Atualmente percebe-se a implantação de uma série de iniciativas, no sentido de aprimorar os processos relacionados à gestão de compras, incorporando modernas ferramentas já utilizadas com eficiência na iniciativa privada. A utilização do comércio eletrônico, a contratação através do registro de preços e a incorporação do pregão como modalidade de licitação são exemplos de mecanismos visando a otimização dos processos licitatórios.

Faz-se necessária, com a maior brevidade possível, a revisão da legislação vigente, visando simplificar os procedimentos, retirando o excesso de formalismo para alcançar os resultados obtidos na iniciativa privada. O que atrapalha a Administração é o excesso de burocracia que a todo o momento procrastina a execução dos serviços públicos que, diga-se de passagem, já anda “a passos de tartaruga”.

Destarte, devemos fazer com que a promoção de diligências seja realizada com mais frequência, afastando o receio que a prática cristalizou, para que as regras inúteis sejam afastadas, até porque o fim da licitação não é a busca do formalismo inútil.

 

AS FALHAS FORMAIS NAS LICITAÇÕES

Aqueles que lidam com frequência e tem familiaridade com a prática licitatória bem sabem que, nem sempre, as falhas com as quais os operadores do direito se deparam ao examinarem a documentação apresentada pelos licitantes atingem ou comprometem as condições materiais da proposta, sendo que, na maioria das vezes, as falhas são meramente formais, vale dizer, de natureza secundária em relação ao objeto principal do certame.

A grande preocupação que paira sobre o tema em questão é distinguir as falhas formais das materiais. Partindo do pressuposto de que falhas são defeitos que uma coisa ou objeto possui. O Informativo Licitações e Contratos considerou falhas formais “aquelas decorrentes de atos impróprios, ilegais, praticados pela Administração ou parte de quem com ela se relaciona, mas que não afetem ou digam respeito ao seu conteúdo, isto é, como o próprio nome diz, são de mera forma.”[16]

Já as falhas materiais são insuscetíveis de convalidação, pois dizem respeito ao conteúdo propriamente dito do ato, relacionam-se com a própria essência e substância , isto é , com a natureza do próprio objeto, não poderiam ser corrigidas porque constituir-se-iam em defeitos insanáveis.

 

A CONVALIDAÇÃO DOS ATOS COM MERA IRREGULARIDADE NO PROCESSO LICITATÓRIO

Sendo o objetivo maior da licitação a busca pelo menor preço, não seria razoável que a Administração desclassificasse um licitante que cometeu uma pequena falha, um pequeno deslize que pode ser deixado de lado; neste caso a invalidação do ato não seria a melhor saída. Às vezes é mais vantajoso para o interesse público que o ato ou o procedimento seja aproveitado, resguardando-se, assim, os efeitos já produzidos, desde que os princípios que regem o processo licitatório não sejam ofendidos. Este aproveitamento se faz através da convalidação, ou seja, dar validade aos atos que estão com mera irregularidade. É bom ressaltar que tais irregularidades não podem causar prejuízo a terceiro nem à própria Administração.

O referido instituto só pode ser utilizado quando sua utilização não trouxer prejuízo aos envolvidos no processo licitatório, pois deverá levar em conta os princípios basilares da Administração Pública, que são razoabilidade, isonomia, dentre outros. 

Para dar validade ao certame, com meras irregularidades, é necessário lançar mão do instituto da convalidação, porém, será necessário observar alguns critérios: a) não tenha havido impugnação do ato pelo interessado atingido; b) o interesse público não tenha sido lesado; c) os interesses ou direitos de terceiros não tenham sido atingidos; d) do ato viciado não tenham decorrido direitos a terceiros de boa-fé estranhos a relação processual; e) não se trate de ato inexistente.

Assim sendo, a autoridade competente para decidir sobre a convalidação de certo ato ou fase da licitação deve levar em conta todos estes requisitos para motivar o ato a ser convalidado. A falta de algum destes, qualquer que seja, impede a convalidação, fazendo com que a recomposição da legalidade ocorra através da invalidação, pois, como dito anteriormente, só se invalida um ato se este não comportar a convalidação.

Portanto, a partir da convalidação o ato surtirá efeito como outro normal, pois a convalidação faz com que o ato praticado em desobediência às formalidades produza todos os efeitos no mundo jurídico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz dos argumentos expostos, no decorrer do artigo em tela, cremos que havendo motivos que o justificam, a Comissão, Pregoeiro ou Autoridade Superior deverá/poderá valer-se de diligência para flexibilização da rigidez das normas que regem o certame licitatório.

A mudança de mentalidade no que se refere ao processo licitatório é uma necessidade urgente, para que o certame possa efetivamente aproximar-se dos legítimos objetivos que justificam a sua própria existência, ou seja, a busca da proposta mais vantajosa para a Administração.

Os estudiosos da área têm que entender que o fim primordial da licitação não é um ser procedimento extremamente formalista e sim a busca da proposta mais vantajosa, do melhor produto ou serviço. Não se pode transformar a licitação em um formalismo estéril, sob pena de desviar a finalidade traçada pelo legislador quando da introdução do instituto da licitação.

A previsão da realização de diligência pela Administração através da Comissão de licitação, Pregoeiro ou Autoridade Superior está inserida no art. 43, § 3° da Lei 8.666/93, sendo que a referida previsão visa esclarecer ou a complementar a instrução do processo; não permitindo, entretanto, a juntada de documento ou informação que deveria ter sido juntado oportunamente.

 Outra previsão importantíssima feita pelo legislador, no art. 43, § 3° do Estatuto, foi a previsão da realização da diligência in loco, com o fim de inspecionar a existência da empresa. Tal vistoria deverá ser feita desde que a Comissão de Licitação, Pregoeiro ou Autoridade Superior perceba alguma dúvida, por exemplo, a respeito da  existência da empresa, se a mesma possui estrutura para cumprir o contrato a ser firmado. Quando a Administração lança mão da realização da diligência in loco, ela afasta possíveis licitantes que tinham como meta causar prejuízo ao erário público.

 A diligência, quando não fere os princípios da licitação, deve ser adotada, pois permite que o processo licitatório cumpra seus objetivos e atenda melhor a finalidade que o legislador a instituiu.

Ademais, não é razoável em licitação adotar o entendimento de que irregularidades insanáveis (omissão, obscuridade, lacuna, incompletude de informação necessária, declaração falsa, etc.,) exigida no edital e seus anexos, sejam simplesmente superáveis com mera diligência.

Bem diverso, é tentar salvar o processo ou a competitividade que, por um momento se viu ameaçada diante de simples omissão ou irregularidade irrelevante que não causaria prejuízo à Administração ou aos licitantes. Nossa defesa é no sentido da flexibilização das regras, mas não o seu desrespeito.

Assim sendo, desde que a promoção da diligência não atente contra a proposta propriamente dita, nada impede que mediante diligência, aclarem-se obscuridades, integrem-se lacunas, corrijam-se pequenos erros, relevem-se falhas formais, uma vez assegurada a parte contrária o direito de manifestar-se a respeito.

Diante do que foi relatado, o culto da forma deve ser evitado sempre, e assim o formalismo estéril que ao priorizar os ritos, as cerimônias e os aspectos puramente externos, acabe se sobrepondo ao objetivo originalmente buscado, que é o de ensejar maior competitividade ou concorrência entre os interessados.

Diante de todo o estudo feito acerca do assunto, podemos constatar que a diligência é de suma importância para solucionar as dúvidas que surgem no decorrer da licitação, bem como para flexibilizar a rigidez formal que predomina no procedimento licitatório, fazendo com que maior número de licitantes participem do certame, cumprindo o objetivo da licitação que é trazer maior número de concorrentes, com intuito de alcançar a melhor proposta.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______ Lei 10.520/02. Modalidade de Licitação, Denominado Pregão, para Aquisição de Bens e Serviços Comuns. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2002 

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RIGOLIN, Ivan. Manual Prático das Licitações. São Paulo, 1991.

SILVA, Nyura Discozi da. A Promoção de Diligências e os Limites Legais. IN: ILC – Informativo Licitações e Contratos, n. 72 – Fev, 2000.

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de licitações e Contratos Administrativos. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 424.

[2]  BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n° 5.418/DF.

[3] JUSTEN FILHO, Idem. p. 424

[4] FARIA, Edmur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. Belo Horizonte: Del Rey. Ed. 1997, p. 292.

[5] PEREIRA JUNIOR, Idem.  p. 467.

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p. 26

[7] FERREIRA, Ivo de Oliveira. Diligência nas Licitações. Curitiba: JM Editora. p. 87.

[8] OLIVERIRA, Idem. p. 147

[9] SILVA, Nyura Discozi da. A promoção de diligências e os Limites Legais. IN: ILC – Informativo Licitações e Contratos, n. 72 – Fev, 2000.

[10] BRASIL, lei 8.666/93. Artigo 43 § 3°.

[11] JUSTEN FILHO, Idem. p. 424.

[12] GRINOVER, Ada Pelegrini. Citada por OLIVEIRA, Ivo Ferreira de. 2001. p. 145

[13] In Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos, Aide, 4ª Ed., p. 310

[14] Licitação e Contrato Administrativo, Ed. Malheiros. 1987, Pág. 10

[15] "As Nulidades no Código de Processo Civil", publicado na Revista de Julgados deste e. Tribunal, v. l6, l983, pág 27 a 55.

[16] ILC – Informativo Licitações & Contratos. n° 48, fevereiro de 1998, p. 139.

 

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