A prisão em flagrante e os crimes permanentes - Por Afrânio Silva Jardim

28/11/2017

A existência de um crime permanente não autoriza, por si só, a prisão em flagrante, em qualquer tempo e lugar, de todos os seus autores e partícipes.

Isto seria até inconstitucional, pois ninguém teria qualquer garantia no seu direito de liberdade, mormente porque a prisão em flagrante pode ser efetivada por qualquer pessoa do povo e são controvertidos o conceito e caracterização do que venha a ser crime permanente.

Mesmo no crime permanente não se pode prender em flagrante quem não esteja em flagrante delito, por exemplo, dormindo em casa. Neste caso, até seria constrangedora a lavratura do respectivo auto de prisão, senão juridicamente impossível ...

A toda evidência, até no crime permanente, a prisão em flagrante só pode ocorrer nas hipóteses previstas expressamente no Código de Processo Penal. Vejam o que dispõe este diploma legal: 

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 

A diferença do crime permanente dos demais, para efeito da prisão em flagrante, é que o aspecto temporal (está cometendo, acaba de cometer, logo após, etc) é dilatado, pois o crime permanente continua sendo praticado ao longo do tempo. Mas isso não basta para autorizar a prisão de qualquer pessoa que seja suspeita de participar de um crime permanente. São necessárias as demais circunstâncias fáticas referidas no citado art.302 do Cod.Proc.Penal (concomitância de tempo e lugar). 

Note-se que isto vale para o partícipe de qualquer infração penal. Preso em correto flagrante o autor material e imediato do homicídio, nem por isso poderá ser preso em flagrante o seu partícipe que não esteja na “cena do crime”, ou seja, que esteja jogando futebol em local distante, por exemplo. 

Até mesmo o autor mediato, que não esteja na “cena do crime”, também não pode ser preso em flagrante, tendo em vista as exigências do referido art.302 do Cod.Proc.Penal. 

Assim, para ser presa em flagrante, a pessoa tem de estar na “cena do crime”, sair de lá perseguido ou ser encontrado logo depois, com objetos que façam presumir a autoria da infração penal. 

Em sua excelente obra "Instituições de Processo Penal", vol.3, editora Saraiva, 2.edição, 1978, páginas 268/269, o mestre Hélio Bastos Tornaghi demonstra que a regra do art.303 do Cod.Proc.Penal não pode merecer interpretação que permita prender, em qualquer lugar e a todo tempo, alguém que seja suspeito de estar praticando um crime permanente. 

Por ser longa esta arguta lição do grande mestre Hélio Tornaghi, deixo de transcrevê-la aqui, mas julgo da maior importância a sua leitura, pois não vejo ninguém fazendo este tipo de questionamento. 

Por derradeiro, não acho que os crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, em suas várias modalidades, sejam crimes permanentes. É preciso distinguir o chamado crime permanente do crime com efeitos permanentes. No primeiro, a conduta penalmente típica se protrai no tempo. No segundo, o crime se consuma de imediato, mas suas consequências permanecem ainda por algum tempo ou são perenes. 

Entendo que, mesmo diante da suspeita de alguém pertencer à uma organização criminosa, a sua prisão em flagrante só será cabível se a pessoa estive praticando uma conduta concreta, que a denote pertencer a tal organização delituosa. 

Conclusão: é um perigo para o Estado Democrático de Direito que se dê à Constituição Federal aplicação não razoável e voluntarista, ainda que por motivos absolutamente corretos.

É perigoso para o Estado Democrático de Direito que se distorça a interpretação das leis para atender a uma sanha punitivista.

Aqui também os fins não podem justificar os meios. Não é valioso punir a qualquer preço. Não vale a pena colocar todos em um estado de insegurança jurídica para punir este ou aquele criminoso.

 

Imagem Ilustrativa do Post: handcuffed arested // Foto de: Francois Marcotte // Sem alterações

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