A prisão de Paulo Maluf e a finalidade da pena

06/01/2018

“Quem procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar, se é que já não encontrou, o fundamento jurídico da guerra”. (TOBIAS BARRETO)

 

Muitos foram aqueles que se regozijaram quando o ministro Edson Fachin do STF (Supremo Tribunal Federal) determinou no dia 19 de dezembro, no apagar das luzes do ano de 2017, a imediata prisão do ex-prefeito de São Paulo e Deputado Federal Paulo Salim Maluf para cumprir a pena de 7 anos 9 meses e 10 dias de prisão, a qual foi condenado em maio pelo crime de lavagem de dinheiro. 

Segundo o Ministério Público, Paulo Maluf recebeu propina de contratos públicos com as empreiteiras Mendes Júnior e OAS, no período em que foi prefeito da cidade de São Paulo (1993-1996). Os recursos teriam sido desviados da construção da Avenida Água Espraiada, hoje chamada Avenida Roberto Marinho. O custo total da obra foi de cerca de R$ 800 milhões. 

A prisão imposta a Paulo Salim Maluf - homem doente e com 86 (oitenta e seis) anos de idade - por crime perpetrado há quase duas décadas não se justifica em nenhuma hipótese. Essa prisão ofende, indubitavelmente, a dignidade da pessoa humana como postulado do Estado Constitucional. 

Além do que, a pena de prisão, por si só, é carecedora de legitimidade e de fundamento jurídico como bem já observou Tobias Barreto

os criminalistas que ainda julgam-se obrigados a fazer exposição dos diversos sistemas engendrados para explicar o direito de punir, o fundamento jurídico e o fim racional da pena, cometem um erro, quando na frente da série colocam a vindita. Porquanto a vindita não é um sistema; não é, como a defesa direta ou indireta, e as demais fórmulas explicativas ideadas pelas teorias absolutas, relativas e mistas, um modo de conceber e julgar, de acordo com esta ou aquela doutrina em abstrata, o instituto da pena; a vindita é a pena mesma, considerada na sua origem de fato, em sua gênesis histórica, desde os primeiros esboços de organização social, baseada na comunhão de sangue e na comunhão de país, que naturalmente se deram logo depois do primeiro albor da consciência humana, logo depois que o pitecantropo falou... et homo factus est. 

  1. Raùl Zaffaroni salienta que “a falta de racionalidade da pena deriva de não ser um instrumento idôneo para a solução de conflitos. Logo, toda sanção jurídica ou imposição de dor a título de decisão de autoridade, que não se encaixe nos modelos abstratos de solução de conflitos dos outros ramos do direito, é uma pena”. [1] 

Patrick Cacicedo em crítica as teorias da pena, notadamente a prevenção geral positiva, conclui que 

As teorias da pena representam o alicerce dos principais discursos de legitimação do poder punitivo na modernidade, que foram consolidados historicamente tanto no pensamento penal, quanto nos senso comum, como a manifestação de um bem para a vida social. As doutrinas retributivistas e preventivas formaram o principal conjunto teórico de sustentação das práticas punitivas a efeito pelas agências do sistema penal, especialmente as últimas em seus discursos dissuasório e ressocializador.[2] 

Diante da fragilidade das teorias legitimadoras da pena, não se pode olvidar que a proteção da dignidade da pessoa humana é um dos postulados do Estado Democrático de Direito e alicerce da própria Constituição da República. Para tanto, é necessário à participação social do individuo no próprio destino deste Estado como condição de cidadania. No que diz respeito ao direito penal, a proteção à dignidade humana estabelece parâmetro ao legislador na configuração dos tipos (seleção de crimes) e na limitação do poder punitivo (cominação de penas). 

A consagração do princípio da humanidade, segundo Luiz Luisi[3], é devido ao grande movimento de ideias que dominou o século XVII e XVIII, no período que ficou conhecido como iluminismo. Neste período apregoava-se uma mudança do Estado apresentando como um dos pressupostos para esta transformação “a afirmação da existência de direitos inerentes a condição humana” e “a elaboração jurídica do Estado como se tivesse origem em um contrato, no qual, ao constiutir-se Estado, os direitos humanos seriam respeitados e assegurados”.[4] 

O princípio da humanidade trata-se de um verdadeiro coroamento dos demais princípios fundamentais e constitucionais penais. Conforme já dito alhures, a Constituição da República ao instituir um Estado Democrático de Direito tendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III da CR), bem como a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inc. II da CR) e ao mesmo tempo vedar a cominação de pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (art. 5º, inc. XLVII da CR) está consagrando o princípio da humanidade. 

É imperioso destacar que a pena, no modelo garantista e em seu “utilitarismo reformado[5] apresentado por Ferrajoli, “não serve apenas para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições”. [6] 

Por fim, em razão da falta de fundamentação jurídica e de racionalidade da pena como meio idôneo para solucionar conflitos e, notadamente, da ofensa ao princípio da humanidade, corolário da proteção da dignidade da pessoa humana, é que deve ser Paulo Salim Maluf levado a cumprir sua pena no máximo em prisão domiciliar, caso não seja possível aplicação de medida restritiva de direito em substituição a pena privativa de liberdade.

 

[1] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991. 

[2] CACICEDO, Patrick. Pena e funcionalismo: uma análise crítica da prevenção geral positiva. Rio de Janeiro: Revan,, 2017, p.229.

[3] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Fabris, 2003, p. 46.

[4] Idem, p. 47.

[5] QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 72-75.

[6] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 268.

 

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