Coordenador: Ricardo Calcini
Os embargos à execução podem veicular conteúdo de ordem subjetiva ou objetiva, como se nota da leitura da CLT, artigo 884, §1º.
No que se refere ao conteúdo de cunho subjetivo, o embargante pode, conforme traz o referido dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, impugnar a legitimidade ativa e passiva dos ocupantes dos polos da execução.
No que toca ao conteúdo de cunho objetivo, os embargos podem carregar a afirmação de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação – matérias que conduzem à perda do objeto daquela – ou prescrição, consoante pontua o mesmo parágrafo do mencionado artigo 884. E é nesse ponto que se pretende fixar a atenção, nessas singelas reflexões.
Já de início cabe afirmar que a indicação encontrada no referido dispositivo da CLT, quanto à prescrição como matéria de embargos à execução, certamente mira a chamada prescrição intercorrente. Tal se afirma pois já está superada, nesse momento processual, a possibilidade de arguição da prescrição bienal ou quinquenal verificada por ocasião da propositura da ação trabalhista.
A referida conclusão é reforçada pela constatação de que, conforme pontua a corrente majoritária na jurisprudência, não se admite, quanto a pretensões de natureza trabalhista, o reconhecimento da prescrição de ofício (consequentemente, é inaplicável nos feitos que tramitam perante a Justiça do Trabalho, no que toca a tais matérias, o disposto no CPC15, artigo 332, §1º).
Aliás, sobre o tema – embora antes da vigência do CPC atual, porém, com fundamentos que não sofreram qualquer abalo pelo advento deste -, em decisão proferida no Recurso de Revista nº 577-77.2010.5.11.0004, pela Colenda 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, fundamentou o Ministro Maurício Godinho Delgado, ao afastar a possibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição:
"Ao determinar a atuação judicial em franco desfavor dos direitos sociais laborativos, a regra civilista entra em choque com vários princípios constitucionais, como o da valorização do trabalho e do emprego, o da norma mais favorável e o da submissão da propriedade à sua função socioambiental, além do próprio princípio da proteção"[1].
Neste caso, por unanimidade, o TST decidiu afastar a declaração oficial da prescrição e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para que o feito tivesse prosseguimento.
Desse modo, a prescrição, em matéria trabalhista, para ser acolhida, tem que ser arguida pela parte a quem aproveita.
Mas não é só isso. Vale somar que, conforme entendimento consolidado na Súmula do TST, verbete nº 153: “Não se conhece de prescrição não arguida na instância ordinária (ex-Prejulgado nº 27)”.
Portanto, a prescrição pode ser arguida a qualquer tempo, desde que na instância ordinária – o que conduz à conclusão de que pode ser alegada pela primeira vez nas razões ou nas contrarrazões de recurso ordinário.
Com isso, se superada a instância ordinária, v.g. com a interposição de Recurso de Revista, já não se mostra mais possível inovar com a alegação da prescrição – até pela falta de prequestionamento.
Essa conclusão carrega relevância frente à questão da prescrição intercorrente: se a prescrição não pode ser alegada, pela primeira vez, na instância extraordinária da fase de conhecimento, evidentemente que não pode ser arguida depois desta, ou seja, na fase de execução.
Além disso, em se tratando de execução definitiva, a coisa julgada, garantia fundamental que é (CF88, artigo 5º, XXXVI), também obstaculiza a mesma alegação.
Dessas conclusões, portanto, surge uma inevitável questão, já enfrentada no início deste texto: a que prescrição se refere o artigo 884, §1º, parte final, da CLT, como matéria de embargos à execução? Parece que somente pode referir à prescrição cujo fluxo começou após o início da fase de execução – logo, a intercorrente.
Contudo, surge um problema prático quando do enfrentamento da questão da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, consubstanciado pelo debate estabelecido acerca da verificação da sua compatibilidade frente aos princípios e regras que regem a execução trabalhista e, antes, o próprio Direito do Trabalho.
As posições externadas nas Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho são conflitantes – aparentemente, ao menos.
Nesse sentido, observe-se que a Súmula do STF, verbete nº 327, carrega que “o direito trabalhista ADMITE a prescrição intercorrente”.
Em contrapartida, a Súmula do TST, no verbete nº 114, traz: “PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. É INAPLICÁVEL na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”.
À primeira vista, admitir-se-ia crítica à posição do TST firmada no verbete acima referido sob o fundamento de que o posicionado nela carregado afronta o disposto na própria CLT. Consoante já salientado, a prescrição referida no artigo 884, §1º somente pode ser a intercorrente e, assim, refutar a dita compatibilidade conduz à negativa da vigência da parte final do dispositivo em questão.
Todavia, essa conclusão somente pode ser sustentada se o objeto de análise ficar circunscrito à execução fundada em título judicial, o que, de todo modo, leva a uma conclusão parcial e equivocada, já que o referido dispositivo da CLT pontua as matérias de embargos à execução de um modo geral, sem fazer distinção entre o que se pode alegar, no interesse do executado, após a garantia do juízo, quer nas execuções fundadas em título extrajudicial (nas quais se encontra verdadeiro processo de execução autônomo), quer naquelas que mais se aproximam da noção de fase de execução, por fundadas em título judicial e consistirem em clara continuidade de um procedimento sincrético ou, para alguns, sintético.
Sendo assim, não se pode olvidar que também há títulos extrajudiciais no Processo do Trabalho (vide artigo 876 da CLT). No caso da execução neles fundada, para além da prescrição intercorrente, pode ser alegada a prescrição bienal ou quinquenal, nos moldes do artigo 7º, XXIX, da CF88, considerada a data de propositura da própria ação executiva (ou seja, a data da distribuição da petição inicial ou medida equivalente). Com isso, resta clara a existência de hipótese que se amolda à previsão da CLT quanto à alegação da prescrição nos embargos à execução. Por isso, a edição da Súmula nº 327 do STF, havida em 13 de dezembro de 1963, ou seja, bem antes do texto constitucional de 1988.
Ocorre que veio a lume a CF88 e, com ela, a previsão específica, constitucional, acerca da prescrição das pretensões ao recebimento de créditos trabalhistas, no artigo 7º, XXIX.
Justamente aqui, emerge a mudança de paradigma para a análise da questão posta neste artigo. O referido dispositivo constitucional carrega fundamento suficiente para negar a prescrição intercorrente no Processo do Trabalho uma vez que não faz qualquer menção à prescrição no curso do processo.
Ao lado disso, não se pode interpretar um parágrafo de modo isolado, desconsiderando-se o caput. Nesse caso, o caput do artigo 7º aponta que os incisos carregam direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, dentre os quais, conforme o inciso em análise (XXIX), a propositura de ação trabalhista, sujeita ao prazo prescricional bienal e quinquenal, tão conhecido. E mais: o mesmo caput traz que os referidos direitos previstos nos incisos devem ser respeitados, além de outros que tenham o condão de promover a melhoria das condições sociais dos trabalhadores, resultado esse que não será obtido com o alargamento de hipóteses e momentos de perda da pretensão por parte dos ditos credores.
Assim, elastecer a interpretação para, mesmo sistematicamente, buscar a possibilidade de reconhecimento da prescrição intercorrente nos domínios das relações juslaborais, não parece compatível com o preceito constitucional referido.
Somando-se a isso o poder do juiz de iniciar e impulsionar a execução, de ofício, a afastar a responsabilidade exclusiva do obreiro por eventual inércia – causadora da prescrição -, encontra-se o início dos fundamentos suficientes para sustentar a Súmula do TST, verbete nº 114 – entendimento com o qual concordamos.
Outro tema importante guarda pertinência à taxatividade do rol do já referido artigo 784, §1º, da CLT. Nesse passo, vale referir que não se esgotam nesse parágrafo as matérias que podem ser alegadas em sede de embargos à execução.
Sabe-se que há matérias de ordem pública e que podem ser conhecidas pelo juiz até mesmo de ofício. Muitas delas estão arroladas no CPC15, artigo 525, §1º, para a impugnação na fase de cumprimento de sentença. Essas matérias também podem ser alegadas nos embargos, portanto. São elas:
“Na impugnação, o executado poderá alegar:
I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II - ilegitimidade de parte;
III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV - penhora incorreta ou avaliação errônea;
V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença”.
Já nos embargos à execução fundada em título extrajudicial, permite-se ao embargante arguir qualquer matéria que poderia apresentar como defesa no processo de conhecimento (cf.CPC15, artigo 917, em especial o inciso VI). De todo modo, traz o artigo 917 do Novo CPC, quanto ao rol de matérias dos embargos:
“Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:
I - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
II - penhora incorreta ou avaliação errônea;
III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa;
V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”.
Ocorre que o advento do CPC15 permitiu a reabertura, por assim dizer, do debate acerca da prescrição intercorrente no bojo da execução trabalhista, uma vez que, no artigo 921, §§4º e 5º, bem como no artigo 924, V (quanto à extinção da execução), alude a ela. E mais: carrega, no artigo 15, a regra de integração da norma processual trabalhista frente a lacunas, com a aplicação subsidiária e supletiva do texto do mesmo CPC.
Disso, a indagação: esse novo contexto, de previsão expressa acerca da prescrição intercorrente no texto do CPC, conduz à mudança da posição do TST, fixada na Súmula, verbete 114?
A jurisprudência trabalhista sinalizou no sentido de negar esse reflexo. Nessa trilha, a Instrução Normativa nº 39, de 2016, artigo 2º, VIII, na qual o Tribunal Superior do Trabalho indicou posição no sentido da não aplicação dos artigos 921, §§4º e 5º e 924, V, do CPC15 no Processo do Trabalho.
A conclusão recebeu reforço do posicionamento de diversos Tribunais Regionais do Trabalho acerca da matéria, mesmo após a publicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – o “Novo” CPC.
Nesse diapasão, tome-se como exemplo a Tese Jurídica Prevalecente nº 6, de 13 de julho de 2015, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que traz: “A prescrição intercorrente é inaplicável no Processo do Trabalho”.
Esse, o quadro atual.
Ocorre que tramita o Projeto de Lei nº 6.787/2016, da Câmara dos Deputados, que, dentre outras alterações ao texto da CLT, carrega a inclusão do artigo 11-A para prever expressamente a prescrição intercorrente nos feitos que tramitam perante a Justiça do Trabalho, com prazo de 2 anos contados do descumprimento, pelo exequente, de determinação judicial no curso da execução (entenda-se: intimado a praticar qualquer ato, deixar o exequente de fazê-lo de modo a manter o processo sem movimentação por 2 anos), conforme disposto no §1º do mesmo artigo projetado. E mais: admite a declaração da prescrição de ofício em qualquer grau de jurisdição.
Traz o referido artigo, incluído no aludido Projeto de Lei:
“Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.
§ 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução. § 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição”.
Assim, novos debates já restam anunciados acerca do tema aqui tratado. Debates que provocam a expectativa acerca do futuro pronunciamento do TST- em especial frente aos fundamentos que escoraram a edição da Súmula 114 do TST e a própria posição externada na Instrução Normativa nº 39/2016- e, depois, do STF, sobre a constitucionalidade do novo artigo 11-A da CLT, se bem sucedida a caminhada do Projeto de Lei mencionado.
Notas e Referências:
[1] Julgamento havido em sessão de 12.12.2012, noticiada pelo TST conforme se nota no link: http://www.tst.jus.br/es/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/prescricao-de-oficio-nao-e-compativel-com-direito-do-trabalho. Acesso em: 14.04.2017.
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