A PRAIA DOS AFOGADOS E A LUTA PELA JUSTIÇA

13/06/2018

Um corpo boiando na baía de Panxón poderia ser apenas mais uma vítima das forças da natureza. Afinal, era um pescador que diuturnamente empreendia o labor em alto-mar para trazer mariscos e peixes para vender e sobreviver. Entretanto, alguns aspectos anatômicos e de praxis constatados pela perícia forense e por médicos legistas acabam revelando a ponta de um grande iceberg e iniciando, assim, a primorosa e criteriosa investigação do Inspetor Leo Caldas.

A Praia dos Afogados, ou La Playa de los Ahogados é uma adaptação do livro de mesmo nome do escritor Domingo Villar, que cria uma trama de suspense policial. Trata-se de uma gravação espanhola e que se passa inteiramente em cidades da Espanha.

Os detalhes do enrendo filmográfico chama a atenção para situações esquecidas, fragmentos de detalhes que não se encaixam ou, até mesmo, o envolvimento de outros crimes, outras cidades e outras personagens. Toda essa mistura é a receita para o bom êxito da investigação que ainda conta com toques de coincidências e demonstrações de superstições de marinheiros.

Leo Caldas, o investigador, consegue, aos poucos, ir juntando o quebra-cabeças e, por isso, acaba se aproximando da trama principal e suas raízes que apontarão para o verdadeiro deslinde do corpo boiando entre as pedras da pacata Panxón.

Durante a investigação colhe-se depoimentos de algumas personagens, seja informalmente, seja com autorização judicial. Um dos depoimentos acaba se revelando falso. Na Espanha existe, como no Brasil, o delito de falso testemunho, mas, em minhas consultas, não encontrei o crime de perjúrio. O busílis da questão é que um dos depoimentos é dado pelo criminoso principal e aí nasce a problemática: em visão pro futuro quando se descobrir que o depoimento anterior foi dado por quem se transforma em acusado principal e com provas cabais, este poderá ter, portanto, aumentado no rol de culpas a translucidação do crime de falso testemunho?

No Brasil vige-se a aplicação do princípio do nemo tenetur se detegere, ou seja, você não é obrigado a criar provas contra si mesmo, podendo, inclusive, mentir em autodefesa, sem que isso configure crime, uma vez que em nosso ordenamento tupiniquim não há o crime de perjúrio. Na Constituição Espanhola esse princípio está explícito no art. 17.

Já o Direito Estadunidense garante ao acusado, assim como o Direito Brasileiro, o direito ao silêncio e a não autoincriminação, também chamado de privilege against self-incrimination, mas não tolera que o acusado depois da decisão de falar e responder as perguntas falseie a verdade, isto é, minta.

Apesar de no Brasil o nemo tenetur se detegere ser respeitado existem, em nossa nação, limites que interrompem esse princípio de autodefesa. Por exemplo, o acusado pode mentir e criar versões do suposto crime cometido, mas, em hipótese alguma, poderá imputar falsamente o delito a um terceiro, sob pena de incorrer nas tenazes do crime de denunciação caluniosa, previsto no artigo 304 do Código Penal Brasileiro. É importante asseverar que a ninguém, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, é dado o direito de beneficio da própria torpeza.

Além de assistirmos a previsão da denunciação caluniosa, do perjúrio e do falso testemunho presenciamos também o encobrimento da verdadeira história por outra personagem informalmente ouvida pela autoridade policial. Na Espanha, no Código Penal, tal conduta é crime e encontra-se prevista no art. 451, com a seguinte disposição: “Será castigado con la pena de prisión de seis meses a tres años el que, com conocimiento de la comisión de un delito y sin haber intervenido en el mismo como autor o cómplice, interviniere con posterioridad a su ejecución, de alguno de los modos siguientes”.

Resultado: um bom jurista, um atento acadêmico, ou até mesmo um inveterado curioso do Direito conseguirá analisar as costuras jurídicas que envolvem a história.

A Praia dos Afogados é um filme que se destaca pelo enredo e pela bela fotografia. O cinema espanhol não me surpreende mais após o excelente Contratiempo, filme que também traz doses fartas de Direito. Vale a pena buscar filmes espanhóis e europeus, até como alternativa aos filmes americanos e, de quebra, ainda avistamos novas paragens, novos atores e atrizes e formas diferentes de produções e direções.

Notas e Referências

La Playa de los Ahogados. Direção: Gerardo Herrero. Elenco: Antônio Garrido, Belén Constenla, Carlos Blanco, Carmelo Gómez, Celia Freijeiro, et al. COR, ESP, 2015, Suspense Policial, DVD, 90 min.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Scales of Justice - Frankfurt Version // Foto de: Michael Coghlan // Sem alterações

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