Não se discute que uma das maiores dificuldades no direito brasileiro seja a de implementar decisões e de concretizar o direito, e em processos de execução essa dificuldade também se faz presente e possivelmente em maior grau. Tal desconcerto possui por premissa a inexistência de mecanismos efetivos para rapidamente encontrar bens e arrestá-los de forma efetiva.
O tema sobre a possibilidade de arresto de bens, seja na pré-penhora, em que se autoriza que a execução seja garantida antes mesmo antes da citação, ainda que o bloqueio seja feito de forma online, é tema recorrente nas discussões jurisprudenciais.
Em 2015, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, as previsões dos artigos 830 e mormente do seu artigo 854 deram margem para interpretações de que seria possível a penhora online, cabendo a interpretação ainda da possibilidade desta penhora ocorrer antes mesmo da citação positiva de algum(ns) dos executados.
Por exemplo, no que diz respeito à execução fiscal, foram prolatadas diversas decisões em favor dos exequentes para que fosse determinada a penhora por meio eletrônico antes da efetivação da citação do devedor na ação de execução, sob o amparo da aplicação subsidiária do CPC.
Para demandas fiscais, no momento do recebimento da ação, não é incomum aos magistrados determinar a citação do devedor e o bloqueio de bens, o que poderá ocasionar com que o bloqueio ocorra antes mesmo da sua citação, uma vez que a constrição poderá ser lançada por sistemas automatizados e a citação dependerá da localização pessoal do executado, o que se demonstra mais complexo.
Já a interpretação sobre a forma de penhora online antes da concretização da citação, para demandas cíveis, ocorre de maneira ligeiramente diferente.
No caso do arresto executivo, previsto no já mencionado art. 830 do CPC, possibilita que, ao tentar realizar a citação, se o oficial de justiça não encontrar o executado porém encontrar bens penhoráveis, o oficial poderá arrestar esses bens buscando assegurar o sucesso da execução, evitando que estes sejam alienados pelo executado como forma de ludibriar o processo executório que está sofrendo.
Se realizado o arresto, o exequente deverá então solicitar a citação por edital do devedor, exceto no caso de seu comparecimento espontâneo ou de que não tenha sido realizada a citação por hora certa.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o REsp 1.822.034, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, firmando o entendimento de possibilidade do bloqueio online antes de ser efetivada a citação, como forma de “arresto cautelar” para se evitar a dilapidação patrimonial por parte do devedor.
No voto, a ministra firmou: “[...] o único requisito para a concessão do arresto executivo é o devedor não ser encontrado. A citação, por sua vez, é condição apenas para a conversão do arresto executivo em penhora, e não para sua efetivação. [...]” Disse que ainda que é “[...] admissível, no âmbito das execuções de títulos extrajudiciais, o arresto na modalidade on-line, aplicando, por analogia, o art. 655-A do CPC/73, o qual, com o advento da Lei 11.382/2006, inseriu no sistema processual a figura da penhora on-line. Assim, de acordo com o entendimento consolidado pelo STJ, após a tentativa frustrada de citação do devedor, é possível efetuar o arresto na modalidade on-line, via constrição eletrônica por meio do Sistema Bacenjud. [...] Ou seja, de acordo com o CPC vigente, o devedor não precisa ser cientificado previamente acerca da realização da penhora on-line, o que, aplicado à hipótese em exame, por analogia, reforça o entendimento no sentido de que basta o devedor não ser encontrado para que seja efetivado o arresto de seus bens na modalidade on-line.” Por fim, sustenta que “[...] com o objetivo de garantir a celeridade do processo e a efetividade do resultado da execução, além de estimular a modernização dos atos executórios, revela-se oportuna a manutenção do entendimento firmado por esta Corte de Justiça, nos julgados acima mencionados, que admitem a realização do arresto executivo na modalidade on-line. [...]”
De outro lado, já em âmbito estadual, a temática também foi discutida pela 12ª Câmara de Direito Privado da Comarca de São Paulo, em recente julgamento, sob a relatoria do magistrado Jacob Valente[1]. Neste, restou entendido que “[...] a regra do art. 830 do Código de Processo Civil, dispõe, de modo objetivo, que o oficial de justiça, ‘não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução’ [...]” e que “[...] nada tem de ilegal o arresto de ativos financeiros dos executados, com o fulcro de garantir o juízo na execução, de acordo com a disciplina legal do citado art. 830, combinado com o art. 854 do citado Código (antigo art. 655-A).”
Em seu voto, o relator fundamentou o voto expondo que frustrada a citação dos devedores, com fulcro nos artigos 830 e 864 do Código de Processo Civil, é possível que os exequentes solicitem o arresto de bens do executado, até o limite da execução, para que esta se garanta.
Ademais, reforçou que, por si só, a tentativa de citação frustrada justifica a concessão da medida de arresto vergastada no art. 830 do CPC, observando os princípios processuais de celeridade e efetividade que sustentam ainda a previsão do art. 854, que dispõe:
Art. 854, CPC. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.
Apesar dos argumentos tecidos no voto mencionado, é constantemente discutido o assunto no âmbito jurisprudencial e doutrinário, pois é necessário validar se tal medida não afronta princípios constitucionais como o da ampla defesa e do contraditório, o que tem sido concluído que não, de que se trata de medida que embora busque satisfazer a execução, uma vez que não existe a expropriação imediata dos bens arrestados, é reversível, portanto não traz prejuízo à parte.
Diante de todas essas discussões e da falta de previsão expressa pelo Código de Processo Civil sobre a possibilidade de arresto online dos bens do devedor antes da citação, diante da necessidade de celeridade processual, efetividade da execução, dentre outros, está em consonância com o ordenamento jurídico a jurisprudência ao autorizar o bloqueio online antes de efetivada a citação de todos os devedores, como forma de evitar o esvaziamento/dilapidação patrimonial.
Notas e referências
[1] TJSP. Agravo de Instrumento nº 2043640-19.2023.8.26.0000, 21 de março de 2023
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1822034 / SC (2019/0181839-6). Relator: Ministra Nancy Andrighi. Data de julgamento:15/06/2021
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. AGRV 2043640-19.2023.8.26.0000. Relator: Jacob Valente. Data de julgamento: 21/03/ 2023.
Imagem Ilustrativa do Post: Abstract // Foto de: XoMEoX // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/xmex/15835229927
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode