Em recente decisão, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5941, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a possibilidade de apreensão de passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por dívida inadimplida. A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, que sustentou sobre a aplicação das medidas previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), desde que estas não firam direitos fundamentais e ainda observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
A Corte declarou constitucional o dispositivo do CPC citado, que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública.
O artigo 139, inciso IV do CPC estabelece que o juiz pode adotar medidas coercitivas para garantir o cumprimento de ordem judicial, no entanto, essas medidas estão relacionadas principalmente à execução de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa. Ou seja, prevê o CPC que em casos de inadimplemento, se as medidas comuns existentes não renderem frutos, e o devedor se furtar a cumprir com sua obrigação, como forma de estimular que venha a cumprir com a responsabilidade que deve, pode-se buscar meios coercitivos e indiretos para alcançar esse fim.
Importante ainda frisar que o Código de Processo Civil (CPC), instituído pela Lei nº 13.105/2015, não prevê especificamente a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou do passaporte como medida para assegurar o cumprimento de ordem judicial, prevendo, apenas, a possibilidade de utilização de medida indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatória a fim de ver satisfeita a obrigação.
A suspensão da CNH ou do passaporte, para casos ordinários, são questões reguladas por legislações específicas, como o Código de Trânsito Brasileiro e a Lei de Passaportes (Decreto nº 1.983/1996), respectivamente.
Para analisar a possibilidade e a coerência de determinar a suspensão dos citados documentos, o magistrado irá avaliar sinais exteriores de boa condição financeira, como viagens, uso de carros e padrão de consumo, que poderão ser considerados pelo juiz como indícios de que o devedor possui patrimônio oculto ou que está tentando evitar o cumprimento da obrigação. Nesses casos, o bloqueio da CNH e do passaporte pode ser uma medida adotada para estimular que o devedor compareça para adimplir sua obrigação, ou então para buscar o credor da obrigação e que resolvam amigavelmente a contenda.
No entanto, é importante ressaltar que cada caso é analisado individualmente pelo julgador, levando em consideração as circunstâncias específicas e as provas apresentadas no processo. Portanto, a aplicação dessas medidas e os critérios adotados podem variar de acordo com a decisão do juiz em cada caso concreto.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já tem aplicado o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, determinando a apreensão da CNH e do passaporte da parte executada. No texto, o magistrado citou ainda outra decisão, desta vez proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que também vem entendendo pela possibilidade de apreensão dos documentos de passaporte e carteira de habilitação.
Verifica-se trecho e acórdão dos julgados mencionados:
“[...] Passo a analisar os pedidos da parte exequente.
1- Defiro o bloqueio da CNH da parte executada. Com efeito, o STJ decidiu recentemente que o bloqueio da CNH não viola o direito de locomoção, porque a CNH não é documento essencial para exercício do direito de ir e vir. O desbloqueio somente será possível mediante casos específicos, exercício de profissão de motorista ou situações que indiquem a necessidade extrema para uso de veículo. Expeça-se oficio.
2 – Defiro, ainda, o bloqueio do Passaporte. Apesar de o STJ ter estabelecido em recente julgado pela impossibilidade, o relator do caso ressaltou pela possibilidade no caso concreto, se as circunstâncias assim indicarem. No presente caso, se a parte tem condições de viajar ao exterior a lazer, deve antes quitar total ou parcialmente o débito, a indicar lealdade processual. Eventualmente, caso demonstrada a necessidade, como no caso de viagem a trabalho ou para tratamento de saúde, a decisão poderá ser revista. [...]” (TJSP. Execução de Título Extrajudicial - Contratos Bancários. Autos nº 1140065-87.2021.8.26.0100. Juiz(a) de Direito: Dr(a). LUIZ ANTONIO CARRER. Data da publicação: 10/03/2023).
AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. APREENSÃO DE PASSAPORTE DO DEVEDOR DOS ALIMENTOS. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI 5.941. REQUISITOS PRESENTES NA HIPÓTESE. PROVAS CONTUNDENTES DE SITUAÇÃO FINANCEIRA PRIVILEGIADA E INDÍCIOS DE OCULTAÇÃO DE PATRIMÔNIO. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS.
1) O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 5.941, firmou posição no sentido de que restrições impostas ao devedor, como a apreensão do passaporte, são constitucionais, desde que respeitados os critérios e requisitos da fundamentação adequada, do contraditório, ainda que diferido, e da proporcionalidade.
2) Hipótese em que a situação financeira privilegiada do devedor de alimentos foi demonstrada, bem como foram suficientemente evidenciados os indícios de ocultação de patrimônio, mostrando-se razoável e proporcional a medida, especialmente após o esgotamento das medidas executivas típicas.
3) Agravo interno não-provido.
(STJ. AgInt no HC 712901 / SP. Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do julgamento: 13/03/2023)
De fato, em determinadas situações, após esgotadas as tentativas de localizar o patrimônio do devedor, é possível que o juiz tome medidas mais drásticas, como o bloqueio da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte do devedor. No entanto, é importante ressaltar que essas medidas não são uma consequência direta do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas sim uma interpretação aplicada pelos julgadores no contexto de execução de obrigações pecuniárias.
Os juízes podem adotar medidas para garantir a efetividade da execução, e essa possibilidade de bloqueio da CNH e do passaporte tem sido discutida e aplicada em alguns casos específicos. Essas medidas possuem diversos pontos positivos a fim de buscar a satisfação da dívida, vale dizer, seja forçando o devedor a adimplir sua obrigação em decorrência dos mecanismos coercitivos, ou pelo fato de trazer incômodo em sua vida, seja, ainda, evitando que venha a se evadir do país.
A opinião dos ministros do STJ e STF sugere que não deve haver um tempo pré-estabelecido para a duração de tais medidas coercitivas, mas sim que elas devem persistir pelo prazo necessário para convencer o devedor a cumprir a obrigação, causando o devido incômodo e incentivando-o a priorizar o adimplemento da dívida em vez de enfrentar restrições, como a impossibilidade de realizar viagens internacionais.
Notas e referências
BRASIL. Decreto nº 1.983, de 14 de agosto de 1996. Institui, no âmbito do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça e da Diretoria-Geral de Assuntos Consulares, Jurídicos e de Assistência a Brasileiros no Exterior do Ministério das Relações Exteriores, o Programa de Modernização, Agilização, Aprimoramento e Segurança da Fiscalização do Tráfego Internacional e do Passaporte Brasileiro (PROMASP), e aprova o Regulamento de Documentos de Viagem.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Superior Tribunal de Justiça. AgInt no HC 712901/SP. Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do julgamento: 13/03/2023.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Execução de Título Extrajudicial - Contratos Bancários. Autos nº 1140065-87.2021.8.26.0100. Juiz(a) de Direito: Dr(a). LUIZ ANTONIO CARRER. Data da publicação: 10/03/2023
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