A POSSE DA MIN. ROSA WEBER PARA ALÉM DAS PLATITUDES

21/09/2022

No último dia 12 de setembro, a Min. Rosa Weber assumiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal, tendo o Min. Luís Roberto Barroso como vice. Como parte do cerimonial, ela proferiu seu discurso de posse.

Em pronunciamentos como esse, são esperados os lugares comuns de sempre, retrospectivas pessoais, agradecimentos e enunciações genéricas de valores e objetivos.

Contudo, podemos analisar sua fala de posse para além dessas platitudes.

Ainda que enunciar valores reconhecidamente centrais do Estado Democrático de Direito possa soar como lugar comum, não se pode negar que não seja, atualmente, algo necessário, até mesmo imperioso. E talvez exatamente aí esteja a marca do discurso da Ministra: a reafirmação de valores clássicos estruturantes do Estado Constitucional.

Uma breve análise do discurso pode revelar alguns importantes pontos nesse sentido[1].

A Ministra inicia sua fala com a enunciação de sua “profissão de fé como juíza deste Supremo Tribunal Federal”. Sistematizemos seus elementos para melhor visualização:

1) “reverência incondicional à autoridade Suprema da Constituição e das leis da República”;

2) “crença inabalável na superioridade ética e política do Estado Democrático de Direito”;

3) “prevalência do princípio republicano e suas naturais derivações, com destaque à essencial igualdade entre as pessoas”;

4) “estrita observância da laicidade do Estado brasileiro, com a neutralidade confessional das instituições e a garantia de pleno exercício da liberdade religiosa”;

5) “respeito ao dogma fundamental da separação de poderes”;

6) “rejeição aos discursos de ódio, e repúdio a práticas de intolerância enquanto expressões constitucionalmente incompatíveis com a liberdade de manifestação do pensamento”; e

7) “certeza de que sem um poder judiciário independente e forte, sem juízes independentes e sem imprensa Livre não há democracia”.

Interessante observar como pontos que soariam como características “óbvias” de um Estado Constitucional Moderno foram ressaltados pela nova Presidente, como a superioridade da Constituição, a laicidade estatal, a separação de poderes e a independência do Poder Judiciário.

Ao assumir a Presidência do Poder Judiciário brasileiro, vê-se que a Min. Rosa Weber avaliou como necessário reafirmar esses preceitos, seu Heptálogo particular.

Contudo, para além de sua petição de princípios, o discurso também revelou o diagnóstico que a Ministra faz da realidade brasileira atual, principalmente, quanto ao aspecto social. Partindo de paralelos com o bicentenário da Independência, a Ministra homenageou a luta diária do povo brasileiro por sua real independência, a despeito “da violência, da falta de segurança, da fome em patamar assustador, dos milhares de sem-teto em nossas ruas, da degradação ambiental, e da pandemia ainda não totalmente debelada, que tantas vidas ceifou”.

A Min. Rosa Weber ressaltou que a independência real “pressupõe desenvolvimento econômico, trabalho digno, fortalecimento das instituições, inclusão social, valorização da ciência, educação e, também, cultura”, enfatizando a necessidade de condições materiais mínimas para o exercício efetivo das liberdades constitucionais.

Esse teor social perpassou todo o discurso da Ministra e parece refletir seu perfil na judicatura. Nesse sentido, em sua retrospectiva pessoal, ela destacou seus 50 anos de carreira na Justiça do Trabalho até chegar ao Tribunal Superior do Trabalho, ao qual chamou, exatamente, de “Tribunal da Justiça Social”.

Diante do diagnóstico de nossa realidade social, a nova Ministra Presidente apontou seu “desejo-esperança”: avançar na conquista dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil presentes no art. 3º da Constituição: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação. Dispositivo tão conhecido, quanto ignorado. Se sua gestão será marcada pela utilização desses objetivos como efetivos parâmetros para o controle de constitucionalidade, principalmente, das omissões estatais, somente o futuro dirá.

O discurso de posse também considerou o processo eleitoral em curso.

Ela ressaltou que é a Justiça Eleitoral que “mais uma vez garantirá a regularidade do processo eleitoral, a certeza e a legitimidade dos resultados das urnas, e em fiel observância aos postulados de nossa Constituição, o primado da vontade soberana do povo”.

Assim, a Ministra reafirmou o papel do Judiciário na defesa das ideias centrais do regime democrático, como o pluralismo de ideologias políticas, o respeito às diferenças e às regras do jogo, repelindo qualquer “noção autoritária do pensamento único”.

Chamando o Tribunal Superior Eleitoral de “nosso tribunal da democracia”, ela destacou o “comando firme do ministro Alexandre de Moraes”; fala que foi seguida de efusivos e prolongados aplausos[2].

Citando o aposentado Min. Celso de Mello, que ela apontou como sua referência como Ministro, ela definiu a missão do STF:

1) “velar pela integridade dos direitos fundamentais”;

2) “repelir condutas governamentais abusivas”;

3) “conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana”;

4) “fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis, expostos a injustas perseguições, e a práticas discriminatórias”;

5) “neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal”;

6) “nulificar os excessos do poder e os comportamentos desviantes de seus agentes e autoridades”.

Desses elementos da missão institucional do Tribunal, a Ministra disse extrair o norte da sua gestão: a proteção da jurisdição constitucional e da integridade do regime democrático, ou mais simplesmente, “a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito”.

Eis aqui outro ponto destacado durante toda a fala da nova Presidente: a defesa da competência do STF para o controle de constitucionalidade.

Ela ressaltou que essa atribuição é conferida pela própria Constituição e não pode ser confundida com violação da separação de poderes ou ativismo judicial, lembrando que “em matéria de interpretação constitucional, o Supremo Tribunal Federal detém o monopólio da última palavra”.

Valendo-se de Rui Barbosa, a Ministra destacou que o STF é uma “instituição criada sobretudo para servir de dique, de barreira e de freio às maiorias parlamentares, para conter as expansões do espírito do partido. (...) Eis para o que se criou o Supremo Tribunal Federal, que não têm empregos para dar, nem tem tesouros para comprar dedicações, não tem soldados para invadir estados, não tem meios de firmar a sua autoridade senão no acerto de suas sentenças.”.

Interessante observar que Rui Barbosa proferiu seu discurso em debate com o então Senador Pinheiro Machado, que era quem operava, de fato, a máquina administrativa do Governo Hermes da Fonseca, Presidente militar chamado por adversários de “homem de completa nulidade mental”[3], posto que a que a história acrescentaria outros fortes candidatos.

A Ministra parece ver nesse ponto o principal desafio do STF: a defesa de sua própria competência, cujo exercício “tem sido alvo de ataques injustos e reiterados, inclusive sob a pecha de um mal compreendido ativismo judicial”. Em tom forte, ela destacou que “Vivemos tempos particularmente difíceis da vida institucional do país, tempos verdadeiramente perturbadores, de maniqueísmos indesejáveis”.

Fica clara sua avaliação sobre o cenário institucional do país, visto como ameaçado pelos maniqueísmos e partidarismos de ocasião.

Porém, se o diagnóstico é perturbador, a esperança segue no horizonte, afinal, como enfatizou a Ministra, o Estado Democrático de Direito nunca é uma obra completa, sendo desafiado a cada dia.

Contudo, ela destacou que essa luta diária pela concretização da Constituição não é exclusiva dos tribunais, mas precisa ser compartilhada pela sociedade civil, “de modo a viabilizar e garantir o avanço civilizatório sem quaisquer retrocessos”.

Em suma, dois pontos parecem centrar o projeto da Ministra à frente do Judiciário brasileiro: a defesa da jurisdição constitucional e a da justiça social. Nesse sentido, há temas já na pauta das próximas sessões plenárias da Corte, como o direito à creche (RE 1008166) e a questão do piso da enfermagem (ADI 7222), além de outras com julgamento a definir, como a questão do aborto (ADPF 442), a revisão da vida toda (Tema 1102) e o orçamento secreto (ADPF 854). Vejamos em que medida o projeto se transformará em decisões.

Para além das platitudes tão reproduzidas pela imprensa, como a de ser a terceira mulher a assumir o posto, ou a ausência do Presidente da República na cerimônia, importa analisar essa posse como enunciação de parâmetros para avaliarmos a atuação da nova Presidência e do próprio STF.

Por fim, ladeada pelos representantes dos outros Poderes, a Ministra deixou seu aviso direto: “E de descumprimento de ordens judiciais sequer se cogite em um Estado Democrático de Direito”. Outra obviedade necessária.

Mas como teria perguntado o dramaturgo alemão Bertold Brecht, “Que tempos são esses em que temos que defender o óbvio?”. Para a Ministra Rosa Weber, a resposta parece ser também óbvia: são os tempos atuais.

 

Notas e Referências

[1] WEBER, Rosa. Pronunciamento de Posse da Ministra Rosa Weber, em 12/09/2022. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursopossemRosa1.pdf. Acesso em: 15 set. 2022.

[2] BRASIL. Pleno (AD) - Posse da ministra Rosa Weber como Presidente do STF - 12/9/22. Youtube. Disponível em: https://www.instagram.com/prof.mario_cesar/. Acesso em: 13 set. 2022.

[3] BUENO, Eduardo. A primeira-dama e o cachorrão. GHZ, de 11 maio 2018. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/eduardo-bueno/noticia/2018/05/a-primeira-dama-e-o-cachorrao-cjh13cik8045q01pa5m0sdlmj.html. Acesso em: 16 set. 2022.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Brasília/DF, 12/09/2022 - Presidente Ministra Maria Thereza de Assis Moura participa da posse da Ministra Rosa Weber e do Ministro Luís Roberto Barroso como presidente e vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, respectivamente // Foto de: Superior Tribunal de Justiça // Sem alterações

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