Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
O presente trabalho tem por objeto analisar os direitos da pessoa com deficiência no atual contexto social, especialmente no que tange o direito ao emprego.
Entretanto, é cediço que para avaliar os aspectos contemporâneos acerca da regulamentação e positivação jurídica em face da hermenêutica.
Posto isto, parte-se para a interpretação do que vem a ser a tutela dos direitos fundamentais e a proteção para as pessoas com deficiência, e os meios havidos de efetividade e acessibilidade de tais vantagens.
Abordam-se os principais aspectos da pessoa com deficiência em face da sociedade atual, visando responder o seguinte questionamento: O Direito é capaz de regular o direito ao emprego da pessoa com deficiência?
Para tanto, analisa-se ainda as pessoas com deficiências na legislação brasileira, em especial na Constituição Federal em face do princípio por ela abalizado da isonomia. Tal entendimento se faz necessário neste momento, para que seja possível de se chegar a uma conclusão sobre o modo como são tratados no atual contexto social e jurídico brasileiro e sua relação com o mercado de trabalho.
É de se esclarecer que o meio de investigação metodológico aplicado ao estudo em questão é o dedutivo, valendo-se da análise de normas constitucionais e infraconstitucionais, doutrinas, artigos e demais conteúdos acerca da temática.
Inserção da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho
Visando demonstrar a maior forma de inserção de políticas afirmativas em favor da pessoa com deficiência, é cediço que o trabalho e a garantia ao emprego se fundamentam como importante elemento de isonomia.
Para que a pessoa com deficiência seja inserida no mercado de trabalho é necessário, primeiramente, abrir mão do preconceito e da opressão e perceber que essas pessoas são inteiramente capazes de exercer cargos e funções, dentro de seus limites e podem perfeitamente obter o sucesso profissional.
Com efeito, durante a Idade Antiga a pessoa com deficiência era considerada incapaz e em razão disso, a criança que nascia com qualquer tipo de deficiência poderia ser destinada a morte, uma vez que cabia ao chefe da família o poder de vida e de morte sobre sua prole.
Foi no final da Idade Média e início da Idade Moderna que algumas pessoas com deficiência passaram a se destacar, como por exemplo, Luís de Camões e Aleijadinho, que provaram que a deficiência não os impedia de exercer suas atividades.
Ademais, em razão da mudança na estrutura econômica da sociedade em decorrência da Revolução Industrial começaram as buscas por uma maior concentração de renda e de lucro e consequentemente houve uma maior exploração da mão-de-obra humana, inclusive da que antes era discriminada, como a da mulher e do portador de deficiência.
No Brasil, por exemplo, em 1854 surgiu o Asilo dos Inválidos da Pátria, com o intuito de explorar o trabalho das pessoas com deficiência, aproveitando a mão-de-obra de ex-combatentes da Guerra do Paraguai.
Entretanto, as pessoas com deficiência não eram amparadas legalmente nesse período, tendo em vista que ainda prevalecia o princípio da igualdade formal, que significava que todos deveriam ser tratados de forma igualitária perante a lei, sem qualquer tratamento diferenciado.
Sendo assim, apenas com o passar dos anos foi que os direitos trabalhistas das pessoas com deficiência começaram a ser respeitados, em especial com a nossa Carta Magna de 1988, como por exemplo, em seu artigo 7º, inciso XXXI:
Art. 7. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. (BRASIL, 1988).
Conforme já mencionado no capítulo primeiro do presente trabalho, o Decreto nº 3.298/99 regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989 e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando as normas de proteção, bem como outras providências, que por meio de seu artigo 35 estabelece a respeito da inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho:
Art. 35. São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência:
I - colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais;
II - colocação seletiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que depende da adoção de procedimentos e apoios especiais para sua concretização; e
III - promoção do trabalho por conta própria: processo de fomento da ação de uma ou mais pessoas, mediante trabalho autônomo, cooperativado ou em regime de economia familiar, com vista à emancipação econômica e pessoal.
(BRASIL, 1999).
Mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, regulado pela Lei nº 13.146/2015, consagrou, também, o emprego como um valor basilar e de igualdade que deve ser tutelado e efetivado na sociedade.
Neste aspecto, o artigo 34 da referida norma dispõe no seu parágrafo terceiro que “é vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena” (BRASIL, 2015).
Já o artigo seguinte, aduz ser “finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho” (BRASIL, 2015).
É certo que para haver a plena efetividade da inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é necessário que haja uma compatibilidade entre a atividade desenvolvida e a limitação decorrente da deficiência.
Contudo, referida limitação não deve ser considerada uma incapacidade, tendo em vista ser perfeitamente possível a pessoa com deficiência se adaptar ao ambiente de trabalho que escolher.
Esta inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho está intimamente ligada à inclusão do cidadão no âmbito social, uma vez que a oportunidade de emprego poderá proporcionar-lhe uma independência econômica e uma realização profissional, fazendo com que se sinta inteiramente integrado na sociedade.
Insta explanar que com o intuito de complementar o conteúdo constitucional e coibir os desrespeitos aos preceitos de igualdade, bem como para definir crimes de discriminação da pessoa com deficiência ao acesso ao mercado de trabalho, surgiu a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, que em seu art. 8º, inciso III, estabelece a pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão e multa, para aquele que: “negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência emprego ou trabalho”.
Outro ponto de importante destaque no que diz respeito à pessoa com deficiência, são as situações onde envolvem a habilitação e a reabilitação do empregado ao mercado de trabalho.
Neste ponto, chama-se a atenção do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que dispõe de medidas que visam assegurar a habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho.
A Lei 13.146/2015 imputa ao poder público o dever de criar serviços e programas completos de habilitação profissional e de reabilitação profissional para que a pessoa com deficiência possa ingressar continuar ou retornar ao campo do trabalho, respeitados sua livre escolha, sua vocação e seu interesse.
Neste teor, fala-se a norma jurídica assegura a criação de equipe multidisciplinar que indicará, com base em critérios previstos no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência, programa de habilitação ou de reabilitação que possibilite à pessoa com deficiência restaurar sua capacidade e habilidade profissional ou adquirir novas capacidades e habilidades de trabalho.
É certo que esta habilitação profissional corresponde ao processo destinado a propiciar à pessoa com deficiência aquisição de conhecimentos, habilidades e aptidões para exercício de profissão ou de ocupação, permitindo nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso no campo de trabalho.
Os serviços de habilitação profissional, de reabilitação profissional e de educação profissional devem ser dotados de recursos necessários para atender a toda pessoa com deficiência, independentemente de sua característica específica, a fim de que ela possa ser capacitada para trabalho que lhe seja adequado e ter perspectivas de obtê-lo, de conservá-lo e de nele progredir.
Estes serviços de habilitação profissional, de reabilitação profissional e de educação profissional deverão ser oferecidos em ambientes acessíveis e inclusivos, ocorrendo de formas articuladas com as redes públicas e privadas, especialmente de saúde, de ensino e de assistência social, em todos os níveis e modalidades, em entidades de formação profissional ou diretamente com o empregador.
A habilitação profissional pode ocorrer em empresas por meio de prévia formalização do contrato de emprego da pessoa com deficiência, que será considerada para o cumprimento da reserva de vagas prevista em lei, desde que por tempo determinado e concomitante com a inclusão profissional na empresa, observado o disposto em regulamento, ressaltando que sempre deverá atender à pessoa com deficiência.
Por fim, cumpre tecer algumas considerações acerca da forma de inclusão da pessoa com deficiência, mas a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que entende ser inclusão, a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho.
Pontua-se que o texto normativo assegura a colocação competitiva da pessoa com deficiência pode ocorrer por meio de trabalho com apoio, respeitando sempre a prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior dificuldade de inserção no campo de trabalho; a provisão de suportes individualizados que atendam a necessidades específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de recursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no ambiente de trabalho; o respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiência apoiada; a oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais; realização de avaliações periódicas; a articulação intersetorial das políticas públicas; e a possibilidade de participação de organizações da sociedade civil.
Nota-se que a positivação jurídica busca aplicar sempre o princípio da isonomia no que diz respeito ao mercado de trabalho da pessoa com deficiência. No mundo globalizado, é inaceitável que este trabalhador seja considerado um trabalhador desigual, desrespeitando a fundamentabilidade dos seus direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, há que se apontar algumas considerações acerca da pessoa com deficiência e sua inserção no mercado de trabalho.
A Constituição Federal assegura uma lei igualitária, para que todas as pessoas tenham a inviolabilidade de bens jurídicos maiores, como à vida, à liberdade, segurança, propriedade e a isonomia.
Pondera-se que a igualdade no âmbito dos direitos da pessoa com deficiência só se torna efetiva no momento em que o mesmo se encontra dentro de um contexto social.
Esta situação se mostra agregadora, tornando importante a existência de cada ente, independente de sua condição física. Para tanto, a acessibilidade é um instrumento de contribuição para a integração.
Assim, é de se concordar com o posicionamento acima transcrito, uma vez que a igualdade e a inclusão são compostas pela integração e acessibilidade dos entes sociais.
No que tange a efetivação laboral, registra-se a importante normatização abalizada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, regulado pela Lei nº 13.146/2015, e que consagrou o emprego como um valor basilar e de igualdade que deve ser tutelado e efetivado na sociedade.
Portanto, veda-se a restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena. Tal feito é um grande elemento de efetivação da igualdade e respeito aos direitos fundamentais da pessoa com deficiência.
Neste esteio, mostra-se o papel das políticas públicas, que possuem a finalidade primordial promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho, num mundo cada vez mais desigual.
Qualquer prática discriminatória deve ser vedada e inibida no Estado Democrático de Direito, de modo que as ofensas são passíveis de punições penais e cíveis, esta última de cunho indenizatório e reparatório.
Por fim, mostra-se que efetivar a pessoa com deficiência no mercado de trabalho é a ação afirmativa fundamental para a consagração dos direitos basilares, de modo que demonstra uma mudança cultural e democrática da sociedade em face da igualdade.
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