A onda punitiva *  

15/12/2018

 

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em editorial intitulado “Resistir à onda punitiva e antidemocrática” - publicado no Boletim nº 313 (dezembro/2018) – nota que

a eleição de um candidato de extrema direita pra a Presidência da República, que foi alçado ao cargo com um discurso belicista e uma plataforma de propostas de política criminal com pendor punitivista, combinada à ascensão de diversos governadores, deputados e senadores alinhados ao seu projeto, coloca o país em uma encruzilhada democrática e demarca de forma inequívoca o aprofundamento da onda conservadora e punitiva no Brasil.

A preocupação revelada no editorial do principal Instituto de ciências criminais da América Latina e um dos mais importantes do mundo, tem total procedência. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN),[1] a população carcerária no Brasil passou de 90 mil pessoas encarceradas em 1990 para mais de 720 mil em 2016. Atualmente, o Brasil possui a terceira maior população prisional do planeta, estando entre as que mais cresceu na última década.

A taxa de aprisionamento de 352,6 presos a cada 100 mil habitantes está entre as mais elevadas, no mundo a média é de 144 para cada 100 mil habitantes. Com um déficit de mais de 350 mil vagas, a população carcerária vem crescendo a cada ano.  Outro dado bastante preocupante – segundo o INFOPEN de junho de 2016 - é que cerca de 40% da população carcerária é composta de presos provisórios (que não foram condenados definitivamente), situação que tem se agravado com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que permitiu a execução provisória (antecipada) da pena.

Os jovens entre 18 a 29 anos representam 55% da população carcerária brasileira.

A população carcerária é formada em sua grande maioria por homens, mas o encarceramento feminino tem aumentado vertiginosamente. Em junho de 2016, a população prisional feminina atingiu a marca de 42 mil mulheres privadas de liberdade (INFOPEN), o que representa um aumento de 656% em relação ao total registrado no início dos anos 2000, quando menos de 6 mil mulheres se encontravam no sistema prisional.

Em relação a raça/cor, segundo o último levantamento do INFOPEN, 64% da população prisional é composta por pessoas negras.

É certo que sistema punitivo se tornou uma máquina de produzir a criminalidade e está longe de trazer alguma espécie de paz social, verdadeiro paradoxo, um sistema seletivo, repressor e estigmatizante. Sistema que humilha e controla capaz de transformar potencialmente seus destinatários em seres humanos mais violentos, mais perversos, como o próprio sistema. Uma realidade muito distante da sociedade que o recebe sem a mínima chance de reintegração social. Muitas das condutas definidas como criminosas são um fenômeno social inevitável, fruto de uma sociedade injusta e desigual. O sistema de justiça punitiva, comprovadamente, não educa e nem reintegra, pelo contrário, avilta e degrada.

A política criminal, conforme alerta o editorial do IBCCRIM, “será o centro nevrálgico de um populismo politico embalado numa guerra cultural em prol ‘dos valores tradicionais’, sem compromisso com fatos, com a fundamentação científica das suas propostas ou com as consequências de seus atos”. 

Por tudo, mais do que nunca, é necessário que a demagogia seja colocada de lado e que haja um enfrentamento responsável para conter a onda punitiva e o avanço do Estado penal. É forçoso que seja implementada uma política criminal que reduza, drasticamente, a população carcerária, composta em sua grande maioria – como sói acontecer – por jovens, negros, semianalfabetos e pobres, precisamente os mais vulneráveis da população brasileira. 

Por fim, é necessário que a sociedade compreenda, definitivamente, que o combate a criminalidade somente pode ser feito nos limites do Estado de direito e com respeito aos direitos e garantias fundamentais. Fora do Estado de direito, só há lugar para as arbitrariedades e para o autoritarismo. 

Neste contexto o IBCCRIM terá um papel fundamental na luta pela preservação dos direitos e garantias próprias do Estado democrático de direito.

 

 

* Para Cristiano Maronna e Eleonora Nacif

 

Notas e Referências

[1] Disponível em:< http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016

 

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