Coluna IASC
Introdução
A proteção do meio ambiente no Direito Brasileiro, seguindo tendência internacional, conta com instrumentos cada vez mais eficazes. Primordialmente, a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito a um meio ambiente saudável, fazendo constar em seu artigo 225 a responsabilização de poluidores quanto à reparação de danos ecológicos causados.
Desta forma, originária de preceitos constitucionais, a condenação do poluidor à reparação e indenização ambiental é tida como uma forma eficaz de responsabilização daquele que desrespeita o direito da presente e das futuras gerações, constituindo a sanção aplicada em verdadeira ação educativa.
Ocorre que, por diversas vezes, verifica-se certa fragilidade quanto à punibilidade de agentes poluidores, os quais são condenados a pagamentos de multas e indenizações de cunho ambiental, porém acabam por não cumprir na prática com o que fora determinado judicialmente, ante a impossibilidade em arcar com o seu custo, fato que atinge diretamente os resultados pretendidos com a medida punitiva de reparação integral do dano ambiental.
Assim, a preocupação volta-se à discussão da eficiência das condenações de cunho ambiental, através de exemplos práticos ocorridos no Estado de Santa Catarina, tanto as relativas à reparação do dano causado, quanto as referentes ao pagamento de indenizações ambientais.
Objetivando a eficácia das condenações de indenizações baseadas em danos sofridos ao meio ambiente, proferidas no âmbito da responsabilidade civil ambiental, adotando-se posição pro natura, o presente artigo pretende discorrer a respeito do chamado mínimo existencial, analisando o conceito dos princípios tributários da vedação ao confisco e da capacidade contributiva, bem como a sua observância quanto aos valores atribuidos aos agentes poluidores, como instrumento para tornar realidade a reparação ambiental pretendida e, assim, alcançar o resultado eficiente da condenação.
1. Breves explanações a respeito da Responsabilidade Civil Ambiental: o Princípio do Poluidor Pagador como medida educativa e a Teoria da Reparação Integral do dano ambiental
No Direito Brasileiro, a responsabilidade civil ambiental está sujeita a um regime jurídico próprio, fundado nas normas dispostas no artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal e do artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981, a chamada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
A palavra responsabilidade tem sua origem etimológica no verbo latino respondere, de spondeo, primitiva obrigação de natureza contratual do Direito Romano, pela qual o devedor se vinculava ao credor através de contratos verbais.
A responsabilidade civil ambiental é responsabilidade objetiva e pode assumir duas interpretações diferentes. Primeiro, a responsabilidade objetiva tenta adequar certos danos ligados aos interesses coletivos ou difusos ao anseio da sociedade, tendo em vista que o modelo clássico de responsabilidade não conseguiria a proteção ambiental efetiva, pois não inibiria o degradador ambiental com a ameaça da ação ressarcitória.
Por outro lado, a responsabilidade objetiva visa a socialização do lucro e do dano, considerando que aquele que, mesmo desenvolvendo uma atividade lícita, pode gerar perigo, deve responder pelo risco, sem a necessidade da vítima provar a culpa do agente. Desse modo, a responsabilidade estimula a proteção ao meio ambiente, já que faz o possível poluidor investir na prevenção do risco ambiental de sua atividade (MIRRA, 2004, p. 314).
Entre outros aspectos, esse regime especial de responsabilidade civil adotado pelo Direito Ambiental está baseado na admissão da reparabilidade do dano causado à qualidade ambiental, reconhecida como bem jurídico protegido, bem como do dano moral ambiental. Além disso, baseia-se ainda na consagração da responsabilidade objetiva do degradador do meio ambiente, ou seja, responsabilidade decorrente do simples risco oriundo da existência da atividade degradadora, independentemente da culpa do agente, adotada a teoria do risco integral; na amplitude com que a legislação brasileira trata os sujeitos responsáveis, por meio da noção de poluidor adotada pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, considerado poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, direta ou indiretamente responsável pela degradação ambiental conforme disposto no artigo 3º, inciso IV; e ainda na ampliação dos efeitos da responsabilidade civil ordinária, que abrange também a supressão do fato danoso à qualidade ambiental, por meio do que se obtém a cessação definitiva da atividade causadora de degradação do meio ambiente (MIRRA, 2004, p. 314).
Dentro desse contexto, em que se verifica a amplitude e a força da responsabilidade civil pelo dano ambiental, impõe-se a defesa da aplicação do Princípio da Reparação Integral do Dano Ambiental.
A noção de reparação aplicável ao dano ambiental traz consigo sempre a ideia de compensação. Isso no sentido de que a degradação do meio ambiente e dos bens ambientais pode, por vezes, não permitir o retorno da qualidade ambiental ao estado anterior ao dano, restando sempre alguma sequela que não pode ser totalmente eliminada. Há, na realidade, diversas situações em que se denota algo de irreversível no dano ambiental, o que não significa a irreparabilidade sob o ponto de vista jurídico.
Nesse contexto, Álvaro Luiz Mirra (2004, p. 314-324) leciona que a reparação do dano ambiental deve invariavelmente conduzir o meio ambiente a uma situação equivalente, na medida do que for possível, àquela de que seria beneficiário se o dano não tivesse sido causado, compensando-se, ainda, as degradações ambientais que se mostrarem irreversíveis. Daí a incidência do Princípio da Reparação Integral do Dano.
A reparação integral do dano ao meio ambiente, portanto, abrange não apenas o dano causado ao bem ou recurso ambiental imediatamente atingido, mas também toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso à qualidade ambiental (CUSTÓDIO, 2015, p. 26), incluindo os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um determinado bem ambiental que estiverem no mesmo encadeamento causal; as perdas de qualidade ambiental havidas no período entre a ocorrência do dano e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos ambientais futuros dele decorrentes e que se apresentarem como certos; os danos irreversíveis causados à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental (MIRRA, 2004, p. 315).
Essa é a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, em importante julgado da lavra do Ministro Antônio Herman Benjamin, que, inclusive, foi ainda mais longe, vez que decidiu que a reparação integral do dano ambiental compreende, igualmente, a restituição ao patrimônio público do proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que o empreendedor indevidamente auferiu com o exercício da atividade degradadora.
Nunca é demais relembrar que a responsabilidade civil ambiental tem como fundamento o risco criado pelas atividades degradadoras e não a culpa do degradador, de maneira que configuraria verdadeira contradição se se passasse a levar em conta exatamente a culpa para a delimitação da extensão da reparação pretendida.
Dentro deste contexto, verifica-se como principal fundamento para a condenação à reparação ambiental os ditames do Princípio do Poluidor Pagador, o qual determina que aquele que causou o dano será responsabilizado pelo ressarcimento dos prejuízos dele decorrentes.
Internacionalmente, o Princípio do Poluidor Pagador nasceu através da Recomendação C (72) 128, de 26 de maio de 1972, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, respondendo diretamente à escassez verificada quanto aos recursos naturais e aos anseios de se obter um meio ambiente equilibrado, para a busca do bem-estar da população (TUPIASSU, 2006, p. 81).
Segundo a OCDE, o Princípio do Poluidor Pagador deve se identificar com o princípio da internalização dos custos na poluição, devendo o poluidor suportar, senão a totalidade, ao menos a maior parte dos gastos advindos dos danos ambientais, buscando-se sempre alcançar à restituição total do dano (TUPIASSU. 2006, p. 82).
No ordenamento jurídico pátrio, verifica-se a adoção do Princípio do Poluidor Pagador na Lei nº 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, apontando, em seu artigo 4º, inciso VII, a imposição “[...] ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
Ademais, o Princípio do Poluidor Pagador foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 3º, que prescreve que “[...] as atividades e condutas lesivas ao meio-ambiente sujeitarão aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais ou administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Desta forma, busca-se com o princípio evitar que se crie uma esfera de impunidade àqueles que, decorrente de atividades ou dos atos que pratiquem, gerem lesões ambientais, vez que serão passíveis de punições decorrentes da legislação ambiental.
Assim, denota-se que o Princípio do Poluidor Pagador é considerado uma das principais justificativas para se alcançar à reparabilidade da degradação ambiental sofrida, na intenção de serem aplicadas medidas sancionatórias de cunho reparador e educativo através da responsabilidade civil ambiental, para estancar atitudes e práticas poluidoras.
2. O mínimo existencial – O princípio tributário da vedação ao confisco e a capacidade contributiva
Sobre a ideia de mínimo existencial, ou mínimo vital, tem-se que a primeira notícia a respeito de seu conceito na história, diz respeito a uma máxima surgida na Idade Média, quando encontra-se registro de uma noção de proteção individual contra a potestade tributária do “Estado” (VALADÃO, 2008, p. 17).
Tal conceito surgiu pelo pensamento religioso e tinha como máxima que as necessidades elementares da vida devem se antepor às necessidades do Estado: primum vivere, deinde tributo solvere (VALADÃO, 2008, p. 17).
Desta forma, denota-se que sua origem é voltada ao Direito Tributário, derivada do poder fiscal do Estado.
No Brasil, Ricardo Lobo Torres (1989, p. 145) tratou do que se pode chamar de uma “Teoria sobre o Mínimo Existencial” – indicando legislação ainda mais antiga sobre o tema, como se vê:
No Estado de Polícia – fase final do patrimonialismo – modifica-se o enfoque da questão da pobreza: procura-se aliviar a tributação dos pobres e transferir para o Estado a sua proteção. Critica-se a proporcionalidade e se inicia, com o cameralismo, a defesa da progressividade da tributação, limitada, porém, pela imunidade do mínimo existencial, retirando-se do campo de incidência fiscal, aquelas pessoas que não possuem riqueza mínima para o seu sustento, de que é exemplo a legislação de D. Maria, de 17.12.1789, que alivia a sujeição fiscal dos pobres (...) No Estado Fiscal de Direito modifica-se substancialmente o tratamento dado à questão da pobreza, estruturando-se juridicamente a imunidade do mínimo existencial e a assistência social aos pobres, atendido, no Brasil, com a secularização dos dízimos eclesiásticos. A tributação passa a se fazer com fundamento no princípio da capacidade contributiva e no seu subprincípio da progressividade, que ingressam nas Constituições da França e do Brasil, entre outras, o que implica a proibição da incidência sobre a parcela mínima necessária à existência humana digna, que, estando aquém da capacidade econômica e constituindo reserva da liberdade, limita o poder fiscal do Estado (sic).
O mencionado Professor leciona a respeito dos motivos em razão do qual se desonerou a tributação sobre o mínimo indispensável, fazendo uma vinculação inexorável entre o papel do Estado e a proteção existencial, ao afirmar que (TORRES, 1989, p. 139):
No Absolutismo Esclarecido, o cameralismo separou, como defendia Von Justi, a felicidade eterna (ewige Glückseeligkeit), a ser alcançada pela religião, da felicidade temporal (zeitliche Gluckseeligkeit), objetivo do Estado; essas ideias iluministas penetraram em Portugal e no Brasil, na época pombalina, aliviando o Estado da tributação do mínimo existencial, assumindo a função paternalista de garantir a felicidade geral e a assistência aos pobres e, ambiguamente, reforçando os privilégios financeiros da nobreza e do clero.
Quando se trata da proteção vital estamos a refletir sobre um patrimônio mínimo, aquele que possibilite a toda pessoa o acesso básico aos bens que sejam voltados para a satisfação de suas necessidades elementares.
Essa ideia transcende o limite existente entre os diversos ramos do direito. Trata-se de uma ideia universal, ou seja, uma ideia que ultrapassa as fronteiras dos países, de modo que se mostra como conceito lógico-jurídico, próprio da condição da existência humana e que, portanto, deve ser aplicado e protegido em todos os ramos de sua atividade.
No âmbito tributário, fala-se do paralelismo entre a necessidade do Estado de prover-se de recursos suficientes para satisfazer os gastos públicos e, por outro lado, de que permita aos indivíduos a garantia das condições necessárias para que possam sobreviver, desenvolvendo-se e sustentando-se por seus próprios meios. Decorre logicamente dessas assertivas que, se por um lado o Estado tem o direito de apropriar-se de parte da riqueza do particular, por outro, também deve oferecer condições para o desenvolvimento do indivíduo e suas potencialidades (TORRES, 1989, p. 145).
Na lição do Professor Egon Bockmann Moreira (2000, p. 300), tal princípio encontra-se atrelado aos ditames da dignidade da pessoa humana e, embora o autor se refira apenas à Administração Pública, entende-se que o mesmo deve aplicar a todos os atos estatais, inclusive o legiferante, sobretudo quando se refere à proteção existencial:
O princípio da eficiência dirige-se à maximização do respeito à dignidade humana (CF, art. 1º). Esta é a finalidade básica da Administração Pública, num Estado Democrático de Direito. Não basta a inconsistente busca dos fins legais. Estes sempre devem ostentar qualidades humanas e sociais positivas.
O que envolve a temática do mínimo existencial, cujo desenvolvimento ocorreu a partir do advento do Estado Fiscal de Direito, quando o tratamento conferido à pobreza sofreu substancial modificação, prestigiado pelo Princípio da Vedação ao Confisco, apresenta-se de grande significação para este trabalho.
O instituto do confisco é milenar e está presente em vários países ao longo da história, desde o Direito Romano até os tempos atuais. De acordo com Navarro Coelho (1999, p. 349), “[...] em sua formulação mais antiga, o princípio do não-confisco originou-se do pavor da burguesia nascente em face do poder de tributar dos reis.”
A existência do pavor dos subordinados referente ao livre poder de tributar dos que detém competência é também demonstrado por Paulo César Baria de Castilho (2002, p. 41), o qual afirma que “[...] o Direito Constitucional Moderno, com suas raízes na Carta Magna de 1215, também revela essa ideia, ou seja, a de impor limites ao poder de tributar.”
Para Fábio Goldschmidt (2003, p. 45), confisco é o ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei.
Portanto, confisco tributário nada mais representa senão a coibição, pela Constituição, de qualquer aspiração estatal que possa levar, na seara da fiscalidade, à injusta apropriação pelo Estado, no todo ou em parte, do patrimônio ou das rendas dos contribuintes, de forma a comprometer-lhes, em razão da insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou, também, a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.
Por sua vez, o Princípio da Capacidade Contributiva, ligado ao Direito Tributário e ao Direito Econômico, leva em conta, sempre que possível, a condição econômica do contribuinte, e tem por escopo o atingimento do ideal de justiça fiscal, repartindo os encargos do ente da federação na proporção das possibilidades de cada contribuinte.
Para o presente artigo, mais importante do que os ditames do Princípio da Vedação ao Confisco são os ideais ligados ao Princípio da Capacidade Contributiva, tendo em vista o fim que se almeja com a sua aplicação no âmbito ambiental, que é a realização e o cumprimento efetivo das obrigações reparatórias e indenizatórias, advindas da Responsabilidade Civil Ambiental e atribuidas ao poluidor.
Para Siqueira (2010, p. 82), a capacidade contributiva se subordina à ideia de justiça distributiva, determinando que cada qual pague o imposto de acordo com a sua capacidade subjetiva. Neste contexto, capacidade contributiva é capacidade econômica do contribuinte, significando que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.
Diante de tais conceitos verifica-se que, dessarte tratarem de ditames voltados ao ramo tributário do Direito, estes cabem perfeitamente na discussão a respeito da busca por maior eficiência quanto ao objetivo de reparação integral do dano ambiental, uma vez que o que se almeja é a concretização das condenações embasadas na responsabilidade civil ambiental, para o alcance do meio ambiente equilibrado. Tal análise será realizada no tópico a seguir.
3. Aplicação análoga dos ideais da vedação ao confisco e capacidade econômica do contribuinte na Responsabilidade Civil Ambiental: eventos degradantes no Estado de Santa Catarina e a busca pela eficiência quanto aos resultados práticos de reparação integral do dano
Comprovada a lesão ambiental, torna-se indispensável que se estabeleça uma relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano dele advindo. Para tanto, não é imprescindível que seja evidenciada a prática de um ato ilícito, basta que se demonstre a existência do dano para o qual exercício de uma atividade perigosa exerceu uma influência causal decisiva.
Diante disto, tem-se na jurisprudência pátria incontáveis decisões judiciais proferidas no sentido de condenar o poluidor à restituição do dano ambiental causado, além de pagar indenizações àqueles que sofreram direta ou indiretamente com os prejuízos advindos do evento danoso.
Ocorre que, diante da situação de grave crise vivida mundialmente, denota-se o incremento quanto à inadimplência no cenário econômico, a qual reflete também nos sujeitos passivos de tais condenações, que não cumprem com suas obrigações em grande parte dos casos, devido a impossibilidade de arcar com tais custos.
Desta forma, em que pese a dificuldade em concretizar-se a reparação do dano ambiental ocasionado, retornando o meio ambiente ao status quo anterior à degradação sofrida, o pagamento de indenizações, condenação de cunho estritamente econômico, vê-se ineficaz ante a condenação em valores por vezes exorbitantes, as quais acabam por nunca sairem do papel.
O grande desafio que se propõe é refletir a respeito da adoção de novas formas de condenações ambientais que cumpram efetivamente com o ideal pro natura que se defende, sempre com o objetivo de se ter o dano ambiental integralmente reparado.
Vimos que a garantia do mínimo existencial e capacidade contributiva está ligada ao Princípio da Dignidade de Pessoa Humana. Portanto, denota-se que as condenações que não observem tais conceitos estariam descumprindo tais preceito constitucional, além de comprometer diretamente o cumprimento da obrigação à ele atribuida.
Assim, diante da preocupação com a manutenção do meio ambiente em sua forma equilibrada, o presente trabalho apresenta nova forma de se buscar a efetividade quanto aos resultados almejados com a Responsabilidade Civil Ambiental, que seria pensada através da análise prévia da capacidade econômica do poluidor, para que sejam atribuídas condenações passíveis de serem cumpridas, realizando ao mesmo tempo o escopo principal destas que é a restituição do meio ambiente na sua forma sadia, preservando-o para as presentes e para as futuras gerações.
A principal característica do dano ambiental, que o diferencia do dano ordinário, é a dificuldade em orçar o prejuízo causado ao meio ambiente. Deve-se primar sempre pela reparação dos danos, sendo sua conversão à indenizações devidas apenas em casos excepcionais.
Dessarte, diante de sua peculiaridade, este cálculo é bastante difícil. A quantificação monetária do dano ambiental é uma operação que corre por um plano diverso do bem, uma vez que o dinheiro e o bem ambiental são bens de naturezas distintas e que a lesão ao meio ambiente não é propriamente uma lesão meramente patrimonial (ALBUQUERQUE, 2014). Por vezes, a condenação do poluidor em grandes valores pode prejudicar seu cumprimento, conforme se vê em casos concretos.
O Estado de Santa Catarina, de acordo com o Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres Naturais no Brasil (levantamento elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (CEPED) da UFSC, com o apoio do Banco Mundial), foi o terceiro Estado do país mais impactado por danos materiais e prejuízos financeiros em um intervalo de duas décadas ocasionados por desastres naturais oriundos de degradações ambientais sofridas ao longo dos anos. Despesas provocadas por desastres naturais nas cidades catarinenses somaram R$ 17,6 bilhões entre 1995 e 2014. A publicação, divulgada em 2017, considera informações relatadas pelos municípios aos Estados e à União. Desastres ocorridos nos últimos dois anos à publicação ainda não constam no estudo.
Encontram-se na jurisprudência estadual decisões embasadas pelo Princípio do Poluidor Pagador, as quais condenam o degradador a restituição do dano de sua autoria, além do pagamento de indenizações devido aos prejuízos dele decorrentes.
Ocorre que, em alguns casos, infelizmente, a condenação permanece apenas no papel, jamais vindo a se concretizar. Ou seja, o dano ambiental ocasionado mantem-se incólume, em total afronta ao direito constitucional ao meio ambiente sadio disposto no artigo 225 da Carta Magna.
Um exemplo emblemático no Estado é o caso da contaminação do Rio do Peixe, localizado no Município de Caçador, o qual sofre com o lançamento de esgoto doméstico e industrial não tratado diretamente em seu leito. O Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública contra a Companhia de Águas e Esgoto do Estado de Santa Catarina – CASAN, a qual foi condenada a reparação do dano ocasionado e tomada de providências para que cessem as atividades lesivas.
Porém, denota-se ainda em 2018 a poluição existente no local, exemplo claro da falta de eficácia quanto a reparação ecológica pretendida.
Outra situação bastante grave no Estado é a degradação ambiental ocasionada devido à atividade mineradora e carbonífera. Diante da enorme extensão do dano ambiental verificado na localidade, foi ajuizada pelo Ministério Público Federal Ação Civil Pública, que, dentre os outros pedidos, visava à reconstituição do meio ambiente afetado pela mineração e a não-continuidade do processo de degradação ambiental.
Na ação, figuravam no pólo passivo vinte e duas mineradoras, a União e o Estado de Santa Catarina. Quando da sentença, a mesma foi proferida e julgou o pedido procedente, condenando as empresas mineradoras que figuram no pólo passivo, a União e o Estado de Santa Catarina, solidariamente, a apresentar, dentro de seis meses, a partir da intimação da sentença, um projeto de recuperação da região que compõe a Bacia Carbonífera do Sul do Estado, com cronograma mensal de etapas a serem executadas no prazo de três anos, contemplando as áreas de depósitos de rejeitos, áreas mineradas a céu aberto e minas abandonadas, bem como o desassoreamento, fixação de barrancas, descontaminação e retificação dos cursos d’água, além de outras obras que visem a amenizar os danos sofridos, principalmente pela população dos municípios-sede da extração e do beneficiamento.
Além disso, a sentença cominou aos condenados a pena de multa de 1% (um por cento) do valor da causa por mês de atraso no prazo de entrega do projeto ou no cronograma de execução, ficando as mineradoras ainda em atividade obrigadas a ajustar suas condutas às normas de proteção ambiental.
Em que pese tais condenações, o que se verifica na realidade é a permanência da degração ambiental sofrida nos respectivos locais.
A partir do novo status concedido ao meio ambiente pela Constituição Federal de 1988, verifica-se que inúmeros instrumentos passaram a ser utilizados quanto à promoção da tutela do meio ambiente. O sistema jurídico, tratando-se de uma unidade, fez com que o direito ao meio ambiente, bem difuso e de superposição, passasse a se utilizar dos ramos autônomos do Direito para a consecução do fim constitucional de tutela ambiental (PINTO, 2012, p. 09).
Neste sentido, dentre os instrumentos eleitos para a proteção do meio ambiente, encontram-se os econômicos e, dentre eles, os tributários. Por isso, entende-se que a aplicação de preceitos tributários para nortear e tornar mais eficaz a reparação de danos ambientais caracteriza um destes instrumentos tutelares, a fim de ver-se garantido seu resultado eficaz, para que não ocorra o que vem ocorrendo no Estado de Santa Catarina e em todo o mundo.
Inclusive, relativo ao Princípio do Poluidor Pagador, Derani (2009, p. 146) leciona a respeito de uma de suas dimensões a serem abordadas quando de sua aplicação, que é a chamada dimensão social-ético-normativa.
De acordo com essa dimensão, a relação causa e efeito é relativizada, numa ambição de justiça na distribuição dos custos de conservação ambiental, introduzindo o Estado no seu papel social, procurando reconhecer o porte de cada poluidor, ou seja, o poder econômico de cada poluidor e outras variáveis individualizadoras de cada potencial sujeito deste princípio são introduzidas para que a conservação ambiental não se transforme num instrumento de aumento de diferenças sociais (DERANI, 2009, p. 146).
Ressalte-se que a proposta não se limita apenas a adoção quando da condenação, de valores condizentes com a situação econômica do sujeito passivo. Caberia, neste caso, a tomada de atitudes inovadoras, adotando-se meios de que tal pagamento e o cumprimento de atitudes ecológicas pelo poluidor possam ser retiradas do papel, tornando-se uma realidade. Assim, a observância do mínimo vital estaria sendo garantida com a finalidade de se alcançar a reparação integral do dano ambiental em sua forma mais real, verificada na prática.
Considerações Finais
Diante de tudo o que fora exposto, a conclusão que se alcança é a de que atualmente não cabe mais a restrição dos ditames do Princípio da Vedação ao Confisco e da Capacidade Contributiva unicamente ao Direito Tributário. Tendo em vista a crise em que vivemos, tanto de ordem econômica quanto aquela voltada à impunidade observada quando do descumprimento de preceitos legais, atribuir penalidades de modo sensato, levando-se em consideração as condições do sujeito passivo, torna-se questão de ordem, objetivando maior eficácia quanto aos seus resultados práticos.
Reforçamos o entendimento de que o Princípio da Vedação do Confisco e, principalmente, o da Capacidade Contributiva, tem como escopo preservar a propriedade dos contribuintes, ante a voracidade fiscal do Estado. Da mesma forma, se exações podem vir a ser consideradas confiscatórias, por não respeitar o mínimo para a existência digna e produtiva do particular, é evidente que a condenação judicial de reparação de dano ambiental e pagamento de indenizações em valores desarrazoados também se subsume à mesma teleologia prevista no princípio cuja positivação referiu-se apenas aos tributos.
Desta maneira, defende-se a aplicação de limites às condenações ambientais imputadas aos poluidores que descumprem preceitos constitucionais de preservação do meio ambiental sadio, bem como a adoção de novas formas de garantia do pagamento de indenizações, para que estas observem a garantia do mínimo vital dependendo do caso concreto, retirando os argumentos, por vezes utilizados, para justificar o seu descumprimento.
A intenção do presente artigo é a de trazer breves explanações quanto a aplicação da responsabilidade civil ambiental, não pretendendo com isso esgotar o assunto e sim provocar o desenvolvimento do mesmo para que seus objetivos sejam alcançados, na busca do meio ambiente equilibrado para as presentes e as futuras gerações.
Assim, concluímos pela extensão dos ditames da vedação ao confisco e da capacidade contributiva à responsabilidade civil ambiental, aplicando-se por analogia a ideia de respeito ao mínimo existencial do sujeito poluidor, como garantia de eficiência no resultado pretendido de reparação do dano ao meio ambiente, sempre com fulcro na visão pro natura, uma vez que o único objetivo à ser alcançado com tal medida é a sua recomposição, na forma integral, retornando-o ao status quo ante a degradação sofrida, em obediência aos preceitos constitucionais.
Notas e Referências
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