A objetificação do ser humano na sociedade de consumo - Por Carla Froener Ferreira

02/12/2016

Coordenador: Marcos Catalan

O sistema econômico capitalista, baseado no consumo, necessita de um movimento constante de mercadorias para gerar riqueza. As pessoas são bombardeadas com estímulos para consumirem cada vez mais, o que gera um ciclo de aquisição, uso e descarte, que se repete de forma constante[1].

Dentro deste contexto, questiona-se até que ponto a sociedade atual, capaz de explorar todo e qualquer tipo de desejo humano de maneira econômica, considera uma criança e sua gestação como um objeto a ser comercializado. Dois casos emblemáticos e de grande destaque na mídia retratam esta situação.

No ano de 2014, um casal australiano que não podia ter filhos procurou uma agência na Tailândia que intermediava contratos de gestação por substituição[2]. A tailandesa escolhida aceitou a proposta por um valor aproximado de R$ 30.000,00 e deu à luz a gêmeos bivitelinos: uma menina sadia e um menino com síndrome de down e um grave problema cardíaco. Os pais biológicos foram até o hospital para buscar os bebês, mas acabaram optando por levar para a Austrália apenas a menina saudável, abandonando o bebê doente, que acabou ficando aos cuidados da gestante de substituição. Após seis meses sem contato com o casal australiano ou com a agência e sem saber como enfrentar a situação, a tailandesa procurou a imprensa e denunciou o ocorrido. Logo o caso ganhou repercussão mundial, tornando-se uma polêmica. E uma entrevista concedida a um programa de televisão (Sixty Minutes Australia), o pai afirmou que esperava ganhar uma indenização da agência que intermediou o contrato, pois entendia ser de sua responsabilidade verificar, por meio de exames, que um dos fetos tinha problemas de saúde, a fim de realizar um aborto em tempo hábil.

O outro caso, agora em território nacional, ocorreu no Estado do Paraná, em 2011. Um casal procurou uma clínica de fertilização para realizar um tratamento de reprodução assistida. Foram implantados quatro óvulos, dos quais três fertilizaram. Os pacientes ficaram insatisfeitos com o resultado (bebês trigêmeos) e decidiram que ficariam apenas com duas das três crianças, já que não desejavam ter uma família tão numerosa. Segundo informações divulgadas pela mídia, durante a gestação o casal planejou realizar um aborto fora do Brasil, por meio da redução embrionária, mas, pela falta de recursos financeiros, acabou optando por entregar um dos bebês para a adoção logo após o nascimento.

Ambos os casos demonstram o quão longe pode chegar a objetificação[3] das relações humanas e o consumo desmedido que torna tudo que está ao redor de um indivíduo como um objeto a ser consumido. Os autores dos projetos parentais citados esperavam receber bebês em quantidades preestabelecidas e saudáveis. Tiveram, contudo, as suas expectativas frustradas.

Neste cenário, a lógica econômica distorce relações humanas, reduzindo-as a um mero ato de consumo. Tal qual se faz com um produto ofertado que possui vício de quantidade ou qualidade, os consumidores que, acima de tudo, eram pais, rejeitaram e descartaram os seus bebês. Esqueceram-se totalmente da dimensão humana do problema, tratando-os como se fossem meros objetos. Além disso, encararam a questão como um mero desacordo comercial, com direito à indenização pelos “inconvenientes” causados pela agência de gestação por substituição ao apresentarem um bebê “com vício”.

Tem-se uma total desumanização e objetificação da criança na sociedade de consumo. A exploração ilimitada do consumo acaba por subverter e distorcer o fim último da ação principal, mesmo que ela seja o projeto de parentalidade.


Notas e Referências:

[1] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008, p. 111; 128.

[2] Procedimento de reprodução humana assistida popularmente conhecido como “barriga de aluguel”.

[3] A “objetificação” ocorre quando as relações humanas deixam de ser focadas nos sujeitos e passam ser centralizadas nos objetos. BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 13. .


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