A necessidade do Criminal Compliance no âmbito empresarial  

16/10/2021

A atividade empresarial é, sobretudo, uma atividade de risco. Esse fato se torna cada vez mais perceptível numa sociedade globalizada, onde o crescimento muitas vezes é exponencial, facilitando que as empresas e, principalmente, seus dirigentes, fiquem expostos a responsabilizações administrativas e penais por atos praticados no meio empresarial.

Buscando contornar essa situação e minimizar os perigos intrínsecos à atividade das empresas, foi desenvolvido o Criminal Compliance nos Estados Unidos e na Europa. Criminal Compliance nada mais é do que cumprir e estar adequado à legislação e regulamentação referentes ao negócio exercido, a fim de prevenir possíveis infrações penais, responsabilizações administrativas e sanar irregularidades internas em desacordo com o código de ética da empresa.  

Dentre as ferramentas utilizadas para que esses objetivos sejam alcançados, está a fiscalização dos serviços e ações realizadas; a criação de mecanismos e procedimentos que visam prevenir práticas ilícitas; o treinamento e capacitação dos membros da empresa a respeito das normas a serem seguidas; a instituição de canais de denúncias e investigação internas etc.

Além disso, é importante ressaltar que o Criminal Compliance tem papel fundamental na segurança do dirigente da empresa. Isso porque, em muitos casos, por não haver mecanismos de prevenção na organização empresária, os gestores acabam sendo responsabilizados administrativa e penalmente por infrações cometidas no âmbito da empresa, das quais sequer têm conhecimento e participação.

Esse fenômeno pôde ser visto de forma mais clara nos processos da Operação Lava-Jato, onde vários dirigentes foram responsabilizados por crimes, com base na equivocada importação e aplicação da teoria da ‘’cegueira deliberada’’, como se fosse equiparada ao conceito de dolo eventual do direito penal brasileiro.

Lavagem de dinheiro, organização criminosa, crimes contra a ordem tributária, crimes contra a ordem econômica, crimes contra as relações de consumo e crimes contra o sistema financeiro nacional são os mais comuns a serem imputados nesses casos. 

No Brasil, o ordenamento jurídico ainda não prevê uma regulamentação dos programas de Compliance, porém, é interessante observar que a legislação já prevê benefícios e incentivos àqueles que tenham nas suas empresas algum tipo de mecanismo de diminuição de riscos.

Um exemplo relevante é a chamada ‘’Lei anticorrupção’’ (lei nº 12.846/13), que dispõe sobre a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas por atos contra a administração pública. Sobre as sanções administrativas, a lei prevê o seguinte:

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

Dessa forma, a lei busca incentivar a implementação desses programas por parte das empresas, além de beneficia-las nas aplicações das sanções, pois uma vez que já tenham esses programas em exercício, de certa forma reflete um propósito de prevenção e combate a atos ilícitos.

Além disso, a supracitada lei prevê a possibilidade do Acordo de Leniência em seu artigo 16, que permite a isenção de algumas sanções e redução em até 2/3 do valor da multa:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

Assim, com um programa de integridade já em aplicação, essa colaboração poderá ser mais satisfatória, identificando pessoas e reunindo informações e documentos necessários às investigações.

Por outro lado, há a questão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, tema bastante debatido atualmente. A Constituição Federal de 88, em seu artigo 225, §3º, juntamente com a lei nº 9.605/98, prevê que as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas criminalmente por prática de crimes ambientais, com as devidas penas a serem aplicadas.

Em outros países, as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas por outros crimes, a exemplo da Inglaterra, Estados Unidos, França e Espanha. Porém, outros continuam a rejeitar tal ideia, como a Alemanha e Itália. Portanto, é nítido que a discussão está longe de terminar, motivo pelo qual as empresas devem estar atentas às mudanças de entendimento.

De todo modo, no Brasil, no que tange aos crimes ambientais, as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas criminalmente, razão pela qual é imperativo que organizações que atuem em matéria ambiental estejam protegidas, de forma a agir preventivamente contra possíveis imputações de crimes.

Por fim, não se pode olvidar a relevância dos programas de Criminal Compliance para a credibilidade das organizações empresárias. As corporações que têm um programa de integridade em exercício com certeza passam à sociedade uma imagem de segurança, honestidade, responsabilidade e luta ativa contra à corrupção e atos ilícitos.

Isso possibilita novos investidores, clientes, contratos, parcerias com a administração pública e ampliação do respeito da empresa perante o mundo, fatores de suma importância no âmbito da atividade empresarial.

Diante do exposto, urge a necessidade da implementação do Criminal Compliance pelas empresas, a fim de reduzir riscos, prevenindo a ocorrência de infrações penais e imputações de delitos às empresas e aos dirigentes destas. Por outro lado, há os benefícios previstos na legislação, a economia com eventuais custas processuais evitadas e o aumento da confiabilidade das organizações empresárias. 

 

Notas e Referências

BRASIL, Lei nº 12.846 de 1 de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm> Acesso em 20 de setembro de 2021.

DOS PRAZERES, Ângela. Criminal Compliance no Direito Penal Econômico e da Empresa. Revista Justiça e Sistema Criminal, v. 9, n. 16, p. 269-294, jan./jun. 2017.

P.C. TANGERINO, Davi; MONTIEL, Juan Pablo; OLIVE, Henrique. Responsabilidade de pessoas jurídicas e programas de compliance quanto a atos de corrupção em Brasil e Argentina. Revista Electrónica de Direito, nº 1, v. 21, p. 179-198. – Fev. 2020.

 

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