A necessidade da criação de um Conselho Administrativo de Recursos para julgamento de Autos de Infração em matéria trabalhista

19/02/2019

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

 

A fiscalização do trabalho, a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), unidade administrativa atualmente vinculada ao Ministério da Economia, atua na verificação e aplicação dos dispositivos legais no que diz respeito às atividades relacionadas ao trabalho urbano, rural, doméstico, portuário, marítimo e aquaviário, na proteção do trabalho infantil e inclusão do trabalhador com deficiência, combate às fraudes sociais e a todas as formas de precarização do trabalhoresponsáveis, mas também pela arrecadação do FGTS.

Tal fiscalização é conduzida por um Auditor-Fiscal do Trabalho que tem o dever de orientar para que eventuais irregularidades cometidas pela entidade fiscalizada sejam sanadas. Para toda verificação, entretanto, em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação à legislação deverá ser lavrado um Auto de Infração, a partir do qual se iniciará o processo administrativo trabalhista.

Dados da SIT apontam que, nos últimos 12 (doze) meses, a Inspeção do Trabalho alcançou 4.801.154 (quatro milhões, oitocentos e um mil, cento e cinquenta e quatro) de pessoas e identificou, por exemplo, 190.763 (cento e noventa mil, setecentos e sessenta e três) irregularidades em matéria de saúde e segurança do trabalho.

Após a lavratura dos Autos de Infração e o início do processo administrativo, as defesas apresentadas e os eventuais recursos administrativos serão apreciados por órgãos integrantes da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), tais quais, respectivamente, a Seção de Multas e Recursos e a Coordenação-Geral de Recursos.

Ocorre que, desta forma, a avaliação das defesas e recursos administrativos serão realizados – na prática – pelo mesmo órgão da autuação, podendo, eventualmente, o caso concreto ser apreciado por Auditor-Fiscal vinculado direta ou indiretamente ao fato gerador da autuação. Tal circunstância macula por completo o grau de revisão do julgamento e afronta princípios basilares do Direito, já que a própria pessoa que fiscaliza e autua é quem irá apreciar a defesa e os recursos.

Acrescente-se, ainda, que no atual processo administrativo, há impossibilidadedo autuado/recorrente apresentar sustentação oral, memoriais, tampouco participar da sessão de julgamento que deliberar sobre o caso concreto.

Estas peculiaridades do atual processo administrativo trabalhista afrontam o direito ao contraditório e ampla defesa, impondo à parte autuada a adoção de medidas judiciais, além de ter que suportar o ônus de garantir o valor da multa e os respectivos acréscimos legais.

Exatamente para um julgamento menos tendencioso e com vistas a assegurar as garantias constitucionais, foram criados órgãos colegiados e instâncias específicas para esse fim, como o Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), vinculado à Secretaria da Previdência, bem como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), vinculado à Secretaria da Receita Federal do Brasil. Todos estes órgãos estão vinculados ao atual Ministério da Economia.

A concepção de um órgão tripartite para a apreciação e julgamento desses recursos administrativos, a exemplo dos órgãos mencionados acima, tende a permitir uma melhor e mais adequada revisão da questão autuada e análise profunda dos argumentos em face de decisões que mantenham as autuações por infrações à legislação trabalhista. Além disso, propiciará maior isonomia e segurança jurídica às decisões administrativas proferidas nos casos.

Isso porque, com o número crescente dos últimos anos das fiscalizações e autuações fiscais trabalhistas, demonstra o esforço exagerado pelo Estado para a satisfação de questões estritamente vinculadas ao seu interesse que não alcançam resultados satisfatórios, bem como resultam na própria denegação de direito às entidades fiscalizadas.

Além disso, a extensa legislação trabalhista, as diversas e peculiares normas de saúde, medicina, engenharia e segurança do trabalho, demandam a avaliação por uma autoridade julgadora especializada, capacitada e imparcial.

Por estas considerações, a vinculação da Secretaria do Trabalho ao Ministério da Economia, a ausência de qualquer instância e órgão equiparado no processo administrativo do trabalho, necessário se faz que o Presidente da República proponha a criação de um Conselho de Recursos Administrativo Trabalhista, nos termos do art. 61, §1º, II, “e”, da Constituição Federal:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§1ºSão de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I -  fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II -  disponham sobre:

(...)

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;

Não há como prever se o resultado das ações deste sugerido órgão administrativo implicará em um número menor de demandas judiciais. Entretanto, as decisões administrativas certamente contribuirão para uma melhor segurança jurídica das partes, aprimorará a qualidade nos votos, haverá a uniformização de interpretação sobre um mesmo tema, além de trazer melhores orientações para o Agente Fiscal do Trabalho na ponta da estrutura (durante o trabalho de fiscalização).

Neste sentido, inclusive, o legislador, a partir da Lei nº 13.655/2018 (que alterou a LINDB), determina o dever das Autoridades atuarem de forma a fortalecer a segurança jurídica quando da aplicação de normas:

Art. 30.  As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

Portanto, em um cenário atual em que há profunda reflexão sobre questões trabalhistas, há que se considerar oportuno e adequado também o debate a respeito deste tema com a criação de um Conselho Administrativos de Recursos de Autuações Trabalhistas.

Vale dizer que uma proposta neste sentido já foi apresentada no Projeto de Lei nº 6.830/2017, pela ex-deputada Sra. Jozi Araújo, mas, contudo, foi rejeitado, por tratar de questão cuja iniciativa é privativa do Presidente da República.

 

Notas e Referências 

 

 

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